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Amor offline: um conto sobre a reconexão no presente
(Foto: Sept Commercial/Unsplash)
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Neste artigo:

Depois de alguns minutos de impaci­ência nos dedos, algo assim como uma abstinência, as mãos perceberam que na verdade estavam livres. Os dedos se alon­garam e tocaram as mãos da companhei­ra.

Logo seguiu-se o erguer do pescoço e finalmente os olhos se encontraram. O corpo suspirou todo. Quanto tempo havia se passado sem contato presencial? Ne­nhum dos dois se lembrava, contudo.

Moravam juntos e só conversavam por WhatsApp. Até aquele fatídico dia em que a bateria acabou, o wi-fi caiu e a rede elé­trica havia entrado em pane. As conversas virtuais com seus emojis agora tinham de ser traduzidas pela boca, cara a cara, no calor do momento. Não foi tão fácil. Va­mos tomar um café? Vamos.

Foi a salvação. A caminhada. A padaria. O cheiro do café. A sensação quente nas mãos. Finalmente, as ideias foram tomando fluxo e fi­nalmente conseguiram conversar. No iní­cio, palavras curtas e telegráficas. Depois a língua foi se desenrolando, à vontade, e os assuntos começaram a variar.

Eles se deram conta de que, como mari­do e mulher, eram raras as vezes em que se falavam presencialmente. Quando a noite chegava, até jantavam vez ou outra na penumbra de diálogos que eram quase como relatórios familiares.

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Amor offline e presença

Claro que, en­tre as noites de sono e sonhos, havia pon­tos e vírgulas de amor na semana. Mas naquela tarde de amor offline a sensação era de re­encontro. Não apenas com o outro, mas com eles mesmos.

Era como se, ao se desli­garem do mundo digital, tivessem se reco­nectado com o que realmente importava. O tempo parecia desacelerar e, naquelas conversas sem pressa, encontraram lem­branças de um passado que ainda os unia.

As risadas começaram a surgir, tímidas no início, como se também precisassem se acostumar à ausência de intermediários digitais. As mãos, que antes digitavam incessantemente, agora tocavam, aperta­vam, acariciavam. A intimidade, que um dia se perdera em meio às mensagens rápidas e respostas automáticas, reapare­cia, mais forte e mais real.

Na volta para casa, caminhavam lado a lado, sem pressa. Não havia mais aquela urgência de verificar notificações ou res­ponder a mensagens. Naquele silêncio cúmplice, enquanto o sol se punha dian­te da presença afetuosa das mãos dadas, ambos sabiam que tinham reencontrado algo precioso: o outro como um presente.

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Conteúdo publicado originalmente na edição 272 da revista Vida Simples

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