Um chamado para reconectar com o que nos habita

Eu ainda me lembro do dia em que aquela garota curio­sa encontrou uma máquina de escrever no canto escuro de um armário no quarto dos seus pais.

A vida era mais analógica do que digital; a gente ouvia música em fita cassete e os computadores levariam alguns anos para habitar nossas casas. Aquele encontro entre a menina e a máquina foi um deslumbre.

As teclas eram pesadas e os dedos, pequenos, às vezes se afundavam entre os vãos de cada letra. Palavras aleatórias numa folha em branco, depois um universo interior de sentimentos que passava a desenhar cada linha.

Porque a infância é um mundo por estrear. E tantas vezes um lugar de memó­rias para onde a gente regressa, feito casa de vó. Quando faço essas viagens de volta para quem eu fui, encontro um tanto de mim no que escrevi.

Nos sonhos que anotei, nos acontecimentos que convidei o papel a testemunhar. Adulta, percebi que a escrita não significava apenas pro­fissão; desde cedo já era companhia, encontro. Comigo, com o outro.

Reconectar de dentro pra fora

Colocar o que sinto no papel é dar contorno para o que ainda não tinha forma. É como arrumar as al­mofadas, guardar os pratos no armário, estender sobre a cama uma coberta quentinha.

Neste mês, nosso chama­do é nos reconectarmos. Desligar um pouco os aparelhos que nos aprisionam ao mundo lá fora e religar a cone­xão com um espaço nosso, interno, que nem precisa de Wi-Fi para acontecer.

Revisitar nossa casa, honrar as vi­gas que nos sustentam e cuidar do que precisa de reparo. Afinal, é nessa visita interior que podemos tirar a poeira do que ficou adormecido, trocar os lençóis que ficaram velhos e abrir as janelas para o sol entrar.

P.S.: Excepcionalmente neste mês, não teremos a coluna do nosso querido Danilo Luiz, pois o capitão da seleção esteve a serviço do Brasil nos jogos da Copa América.

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Conteúdo publicado originalmente na Edição 270 da Vida Simples