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O que uma viagem de trabalho voluntário na Ásia pode ensinar
Viajante explora a Ásia com voluntariado e escreve livro com seus aprendizados. Arquivo de Nicole Gasparini
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Boon! No hinduísmo, boon é uma palavra usada para designar um presente que os deuses entregam a alguém para que essa pessoa consiga sair de uma situação delicada ou que, aparentemente, não tem solução.

Acredito que todas as pessoas, em algum momento da vida, recebam esse benefício. Eu não conhecia a expressão, mas já havia passado por misteriosos “desembaraços de nó” durante minha trajetória quando uma jovem de 20 e poucos anos, chamada Nicole Wey Gasparini, me enviou uma correspondência contendo um livro de capa colorida e lindas imagens em tom dourado – sendo uma delas a de um dragão. O título: Boon na Minha Vida – Uma Jornada pela Ásia (Ed.Bambual).

Entretanto, não abri imediatamente o livro. Apenas recentemente, quando passei por um boon na vida, reconheci o argumento de Nicole e comecei a lê-lo.

A contracapa diz que, aos 21 anos, Nicole percebeu um chamado profundo (ansiedade e episódios de insônia incluídos) que lhe dizia para achar coragem e partir a fim de aprender sobre o mundo e sobre si mesma. Então, mergulhou em uma jornada que a transformaria para sempre.

Até aí nenhuma novidade, já que hoje tanta gente anda viajando nesse planeta de distâncias aproximadas pela internet. Acontece que na capa e contracapa vinham um dragão — o ser mitológico que traduz a evolução através de provações — e um vislumbre dos Himalaias, a cadeia de montanha mais alta do mundo. Associadas, as figuras me enfeitiçaram e afastaram a rasa ideia de que, por ser tão jovem, Nicole não fosse me contar novidades.

Capa do livro Boon na Minha Vida: Uma jornada pela Ásia

Capa do livro Boon na Minha Vida: Uma jornada pela Ásia. Divulgação.

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Atualmente, não faltam plataformas (consulte a lista no final do texto) que oferecem a oportunidade de ser um viajante por meio de trabalhos voluntários no mundo inteiro. Foi assim que nossa buscadora encontrou seu caminho através da Tailândia, Vietnã, Nepal, Camboja e Myanmar.

Mas para mim, a viagem precisou de uma longa parada no Camboja a fim de que uma experiência profunda se completasse.

Uma parada no Camboja

Quando já estava há mais de dois meses acumulando um bom número de memórias inesquecíveis, escritas em três diários e algumas delas fotografadas apenas com o coração em respeito à autenticidade e privacidade das culturas e pessoas com quem ia cruzando — Nicole aterrissou numa vila camponesa cambojana para dar aulas de inglês.

Acolhida por uma família cuja conexão se tornou uma das mais intensas da história de Boon, ela nos apresenta o patriarca Sovan, um homem a quem a vida (ou seriam os deuses e deusas?) ofereceu uma segunda chance após quase morrer de fome da juventude.

A transformação pessoal de Sovan, bem como a transformação que ele parece provocar em quem o rodeia, o torna um dos personagens mais queridos do livro. Foi ele quem recebeu na vila, um ano antes da chegada de Nicole, uma equipe de produção para um filme estrangeiro selecionando pessoas para serem figurantes.

Era a equipe de First they killed my father (Primeiro eles mataram meu pai) que, com a famosa atriz Angelina Jolie, diretora do filme, havia decidido passar cerca de um mês gravando no local. Sovan foi figurante do filme, que relata a saga real de uma cambojana que sobreviveu ao genocídio provocado pelo ditador Pol Pot na década de 1970.

Apesar da relevância histórica do assunto, tanto a Nicole quanto eu descobrimos a existência do filme somente quando ele apareceu na conversa com Sovan. Assim, precisei interromper a leitura para um mergulho profundo no longa-metragem.

Sei quando uma história é boa para mim quando ela me leva a outras…

Primeiro eles mataram meu pai é um filme de guerra feito com extrema sensibilidade e visível respeito para com as cenas brutas, que não teriam como ser suprimidas do roteiro.

Ao interromper meu tour com a viajante, fiquei ali, durante uma semana, impactada pela história e digerindo as informações. Foi quando percebi que a autora a essa altura já havia feito muito por mim, me oferecendo uma visão menos autocentrada da vida.

Voluntariado no exterior e desafios culturais

Nicole Wey Gasparini, viajante e escritora.

Nicole Wey Gasparini, viajante e escritora. Arquivo Pessoal

Seguindo em frente, Nicole dá aulas de inglês, onde desenvolve a paciência e trabalha na roça, onde percebe como temos diferentes noções de felicidade e pressa em cada cultura. Também se depara com interessantes questões de gênero em um mosteiro e nos convida à reflexão.
Enfim, o mundo vai se mostrando um pouquinho mais complexo do que Nicole imaginava. E ela vai digerindo essas descobertas com uma serenidade que sai do papel e nos envolve.

Nicole, acima de tudo, transmite calma mesmo quando se envolve em situações que a princípio não têm solução. Ela vai desenvolvendo a confiança de que as coisas se resolvem. E, de fato, recebe vários “boons” durante sua trajetória.

Reflexões de viajante

Entre uma travessia e outra, a viajante levanta várias daquelas lições que estão bem na nossa cara todos os dias, mas que só aprendemos quando nos colocamos no modo viajante – com sentidos aguçados.
Algumas dessas passagens incluem:

  • Quando ela anda percebe que percorreu uma distância monumental de bicicleta, coisa que achava ser impossível só porque nunca tinha tentando em casa;
  • Quando vive a primeira crise, acreditando ser incapaz de lidar com o desconhecido. Mas ao se recolher, respirar e escrever num caderno, toma as rédeas das emoções;
  • Depois que observa os vietnamitas trabalharem sorrindo, “descobre” que a rotina de serviços não precisa ser um momento carregado de aborrecimento;
  • A descoberta da viagem sem a possibilidade de foto nem de conexão com a internet. Isso proporcionou um pouco de solidão e confusão, sim, entretanto trouxe de brinde a surpreendente conexão real com as coisas, as situações e as pessoas;
  • A descoberta de que “cada um tem a vista de montanha que sobe”, quando a menina nepalesa Garima diz que sua casa simples, numa fazenda devastada por um terremoto em 2015, fica no paraíso porque tem vista para as montanhas e brisa que regula a temperatura.

Para quem é esse livro?

Na seção onde mostra as fotos dos quartos onde dormiu, Nicole desata a conversar com o leitor novamente, nos convencendo que é preciso ir.

Ou não.

“O fato é que não é necessário ir até um lugar para aprender sobre a vida. Em qualquer canto temos acesso aos mesmos conhecimentos. Basta que cada pessoa esteja atenta”, diz ela.

Então, Fica a certeza de que esse livro serve a qualquer idade. Mas, especialmente, a quem deseja abrir, ainda na juventude, os olhos para um mundo muito além daquele das telas dos smartphones.

Para viajar fazendo trabalhos voluntários

(*Se você for autor de um livro de viagem e quiser enviá-lo para mim, entre em contato pelo meu perfil — pode ser a oportunidade de aparecer aqui na coluna.)

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