40 anos: o que você descobre ao completar essa idade?
Fazer 40 anos é um marco na vida de todos. Patrícia Cotton lista oportunidades de crescimento pessoal, com perguntas para alcançar um novo nível de maturidade e autenticidade.
Aproveitar a obsolescência programada da vida é uma aventura de (auto)descoberta que pode revelar caminhos mais criativos, e até favoráveis, apesar dos ventos aparentemente contrários.
Jamais imaginei que fazer 40 anos seria tão difícil, incluindo a descoberta de que todos os clichés que acompanham essa parte da vida são, de fato, verdadeiros: vista cansada, maior consciência dos limites, luto pela perda da juventude, busca de parceiros bem mais jovens e revoluções estéticas -, apenas para citar alguns.
Há alguns anos, perguntei à uma amiga o que ela me desejava pelo meu aniversário. Fantasiei que ouviria algo poético, subjetivo ou simplesmente afetuoso, mas a resposta foi bem direta, concreta e afiada: “colágeno”. Não entendi na época como isso poderia ser algo tão desejável, mas o tempo tem feito essa revelação de forma gradual.
40 anos: uma idade de crescimento pessoal
Kant acreditava que o caráter de uma pessoa, com uma autêntica forma de pensar, só se formava aos 40 anos. Numa perspectiva histórica mais distante, os 40 anos no deserto, que simbolizam o período de êxodo dos judeus do Egito, pode ser interpretado como o período de uma geração, e também como o tempo necessário para a realização de um ciclo, purificação e mudança de mentalidade.
Me parece, em suma, que essa idade é um ponto de mutação, que convida à vivência de um intenso crescimento pessoal. Convite que pode ser aceito ou não pela alma.
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Perguntas para se fazer aos 40 anos
Já antecipando a crise que me aguardava, decidi fazer 40 rituais para celebrar o meu aniversário, começando por uma espécie de “auditoria existencial”, em que respondi com honestidade brutal às seguintes perguntas — por sinal, tenho a impressão de que estas reflexões poderiam ser feitas em qualquer fase da vida:
- O que fiz da vida até agora, e como estou me sentindo no momento?
- Estou vivendo a maturidade como bônus ou cansaço?
- O que gostaria de fazer nos próximos 40 anos?
- Por fim, em que âmbito da vida devo expandir e buscar novos horizontes?
Despeça-se das máscaras e crenças ultrapassadas
Deixar morrer uma versão do ser que foi diligentemente cultivada, despedindo-se de crenças e máscaras mofadas, pressupõe um desapego anti-natural, que parece colocar a integridade em risco.
Em um de seus brilhantes livros – Cântico dos Cânticos: uma arte de amar para os nossos tempos* – Jean-Yves Leloup argumenta que estamos, por vezes, em situações onde nos enterramos ou afundamos, e é preciso muita coragem para sair delas.
É preciso sair de tudo o que já aprendeu e soube, dar um passo além de si, saindo do passado e das memórias, da visão egocentrada do mundo, indo além do Ego sem renegá-lo, mas dando um passo a mais.
Examine de qual “armário” você precisa sair
Falando nisso, ouvi recentemente o testemunho íntimo e surpreendente de uma pessoa querida que passou grande parte da vida “no armário”, temendo as consequências reais e imaginárias de sair dele. Ao fazê-lo, toda a liberdade e alívio imaginados caíram por terra, já que – inconscientemente – ela acabou entrando noutro armário – o das siglas e bandeiras ardentemente ativistas – provavelmente limitante também. Isso me levou a pensar sobre os meus armários. Mais importante do que querer sair da prisão, é se saber dentro dela. E então começou a busca.
Em um retiro de jejum e de silêncio de quase 4 dias (que pareceu durar 40 anos), finalmente consegui enxergar o que me atava desde sempre. Esvaziar-me de comida, relações, palavras e reações me levou à experimentar a intensidade de outra forma, de modo que os armários se tornaram evidentes: o da falsa força, que rejeita veementemente a fragilidade (facilmente desmascarado pela severa hipoglicemia que tive), e o da idealização, com a recusa da realidade e do Outro tal qual se apresenta. Uma fachada perfeccionista que escondia a incapacidade de amar. Armários que criaram um nó em todas as minhas relações. Eu era esse nó.
Fazer 40 anos (ou 20 ou 60) pode apresentar a desilusão como alívio e liberdade. Considerando que crise é o que cura ou mata, pude deixar morrer as ilusões descabidas, curando, assim, a neurótica falta de aceitação. Apesar desse interessante rolê, não pretendo romantizá-lo: envelhecer, por si só, traz muitas perdas duras, evidenciando o preço das decisões que foram ou não tomadas na primeira metade da vida.
No suposto auge do capital intelectual e social, o corpo perde vitalidade, avisando nervosamente que o tempo urge. A carreira também pode perder o sentido, demandando novos combinados. Mais liberdade? Mais segurança? E o frio na barriga, para onde foi? E a poupança, será que vai existir um dia?
Dicas (ir)responsáveis para sair do armário aos 40
- Primeiro o que vem primeiro: faça uma ‘auditoria existencial’, numa (auto) DR sincera e generosa sobre a sua trajetória pessoal e profissional.
- Silencie e jejue (pelo menos por algumas horas): experimente se alimentar de novas sensações, emoções e insights que emergem quando nos esvaziamos.
- Jogue Maha Lilah: surpreenda-se com o que esse ancestral jogo védico tem a dizer sobre você e seu momento.
- Ouça o podcast “Elefantes na Neblina”: confira em especial o episódio “Perdas e Ganhos”, que versa com bossa e profundidade sobre as metades da vida.
- Escreva para o seu “Eu Futuro”: a partir da perspectiva trazida pelo tempo, é possível ganhar clareza, relativizar decisões e avançar mais criativa e corajosamente rumo ao futuro.
É preciso colher os aprendizados dos anos vividos
Des-cobrir, no sentido de tirar o que cobre, é tarefa para os curiosos e corajosos. Tenho aprendido que envelhecer é obrigatório, mas amadurecer é opcional. Da obediência quase automática aos instintos à possibilidade da maestria e do autodomínio, o script vai sendo tecido por nós, seja de forma serena e paciente, ou de forma negacionista.
Em seu lúcido poema “Dois horizontes fecham nossa vida”, Machado de Assis fala da saudade como um horizonte do que não há de voltar. O outro horizonte – a esperança – aponta para os tempos que hão de chegar:
“No presente – sempre escuro – vive a alma ambiciosa, na ilusão voluptuosa, do passado e do futuro. Dois horizontes fecham nossa vida”.
Boa viagem, querido leitor. E que o colágeno lhe acompanhe enquanto é possível.
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