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Os desassossegos das sacadas vazias de Buenos Aires
As varandas da Recoleta, vazias, enquanto as ruas fervem de gente (Foto: Denise Mayumi/Wikimedia commons)
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Neste artigo:

Débora Ache Borsatti, da comunidade Vida Simples, enviou para o blog Você + Simples um poético texto que reflete sobre as luxuosas e vazias sacadas de Buenos Aires. Boa leitura!

Em julho de 2024 tive a oportunidade de conhecer a charmosíssima capital da Argentina, Buenos Aires. Um destino que, por algum motivo, sempre foi passado para trás na lista dos mais latentes no meu desejo.

A cidade impressiona pela incrível beleza das suas ruas largas, prédios antigos muito bem preservados, monumentos, parques, teatros, cafeterias (muitas cafeterias), museus… Tudo é encher os olhos.

Ao andar pelas áreas nobres como a famosa Recoleta, a arquitetura se destaca. Os edifícios imponentes deslocam o nosso olhar em direção à riqueza de detalhes das portas, janelas, varandas e sacadas que se alinham de ponta a ponta dos apartamentos. Que delícia poder apreciar o belo cotidiano urbano que se apresenta lá embaixo.

No entanto, algo curioso me chamou a atenção. Todas as sacadas estavam vazias. Nenhuma pessoa estava lá, à toa, olhando o movimento, tomando um mate, lendo, escutando música, mexendo no celular, enfim. Ningun hermano contemplava a vida do alto de sua linda sacada.

Estava frio? Entre 18 e 20º C. Era dia de semana, portanto estavam todos trabalhando? Estive lá de quinta à domingo. Ok, quinta e sexta são dias úteis, mas onde estavam os aposentados? Preferem os cafés às varandas e sacadas, quiçá. Sábado e domingo são dias para passear, certamente.

A função das sacadas dos apartamentos

Para que serve uma sacada, se não para um respiro aos apartamentos? Serve para secar roupas? Ou para ornar a fronte dos edifícios?

Com essa inquietação em mente, buscar uma viva alma debruçada nelas passou a ser meu entretenimento secreto durante a estadia na capital portenha. E juro, não encontrei.

Os primeiros versos da canção nativista gaúcha de João Chagas Leite dizem:

“Meus desassossegos sentam na varanda
pra matear saudades nessa solidão”.

A varanda desses versos tem uma conotação bucólica, mais voltada à vida no campo. Seguramente, os desassossegos urbanos são bem mais volumosos. É preciso sentar com eles por vezes, seja na varanda ou na sacada.

Sendo a ligação com o lado de fora do apartamento, a sacada oxigena, conecta a vida externa ao aconchego e segurança do lado de dentro. Ela representa, sobretudo, a tentativa de segurar alguma conexão natural espremida entre os tijolos e blocos de cimento.

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Ar livre subutilizado

O fato é que aqueles luxuosos edifícios de Buenos Aires se tornaram fachada no meu pensamento. Uma espécie de cenário que enfeitava o passeio pelas calles. Enquanto eu tentava silenciosamente encontrar um motivo plausível para explicar o vazio daqueles espaços pendentes.

Será porque o que está diante do nosso nariz todos os dias não mais nos cativa? Lembrei-me da pequena sacada na parte da frente da minha casa da qual nunca desfrutei a visão do cinturão verde da cidade. Ninguém passa por ali. Nenhum movimento. Prefiro levar meus desassossegos para o quintal.

Só que apartamentos não possuem quintal. A única saída é a sacada. Quem sabe o entusiasmo dos moradores com a sua paisagem superior foi raptado pela rotina agitada que chega na frente do prazer de observar o vai e vem alheio.

Sacadas vazias e intensos desassossegos

O corre-corre das metrópoles pode ter transformado as sacadas em meros adornos de lares sem espaço para a contemplação, sem pausa para os desassossegos ou, como escreveu Caio Fernando Abreu:

“Aquele como-estar-debruçado-na-sacada-num-fim-de-tarde, a tristeza, a solidão, a paixão: qualquer coisa intensa como um grito”.

Portanto, perde-se a emoção de olhar para fora da perspectiva de si, sentir o vazio da solidão, olhar a vida acontecendo de cima, ver tudo pequenininho. De trocar o ar da casa, respirar, acompanhar passivamente os passos apressados e debochar do caos da rua para sossegar o caos da alma.

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Débora Borsatti tem formação em Psicologia e em Letras. O amor pela leitura se estende ao interesse por temas relacionados à linguagem, felicidade e bem-estar. A escrita de crônicas do cotidiano é um modo a unir a paixão pelas palavras ao estudo do comportamento humano.


Este texto foi produzido por uma pessoa assinante da Comunidade Vida Simples e publicado no blog Você + SimplesEscolha um de nossos planos e tenha a possibilidade de ter seu texto avaliado e publicado pela Vida Simples.

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