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Mobilidade para quem?
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“Se não sabes aonde vais, por que teimas em correr? Eu não te acompanho mais.” O sotaque lusitano da canção traduz minha relação com as grandes cidades. O que um dia foi um grande encontro – quando adolescente, deixei a pequena Taubaté pelos encantos de Sampa – tornou-se com o passar dos anos um cansaço com a correria e as horas no trânsito. Já se vão dez anos que deixei São Paulo. Nesse período, a mobilidade urbana piorou. De longe, tenho uma ótica diferente. Vejo a mobilidade como uma questão mais política e filosófica.

A navegação traz conhecimentos para a questão urbana. No mar, como na terra, a menor distância entre dois pontos não é uma reta. O planeta é uma esfera. A não ser que você seja um tatu, uma minhoca ou um peixe, o traçado mais curto é um arco. Nosso mundo cartesiano de linhas retas é uma aproximação. Para facilitar a lógica, cedemos aqui e ali. Usamos mapas em um sistema de projeção cilíndrico, onde distorcemos o tamanho do que fica mais ao norte do planeta. Isso infla a Europa, os Estados Unidos e a Rússia. Acabamos com mapas nos quais uma reta entre dois pontos não é a menor distância.

Esse norte superdimensionado é um paralelo à situação das cidades congestionadas e pouco humanas. O planeta é dos países desenvolvidos; assim como a cidade é também de poucos. Por trás da mobilidade, está a liberdade de ir e vir. Isso implica não apenas ser capaz de se locomover em tempo aceitável, mas ter os recursos físicos e mesmo financeiros para ir de um ponto a outro. Mais uma implicação da liberdade é sentir-se confortável e não hostilizado no espaço.

Lembro-me, ainda de coração apertado, da sensação de visitar algumas ilhas em Paraty com minhas filhas e sermos recebidos na praia por cães raivosos. A opressão e o abuso do espaço público exercidos pela classe alta nas sociedades urbanas é um dos cernes do caos na mobilidade. A quem pertence a cidade? Não sinto que tratemos o ir e vir com a complexidade necessária, que é a de uma mudança profunda na forma como nossa sociedade está estruturada.

Os rolezinhos no shopping e a presença saudável da classe C nos aeroportos refletem bem a questão. Mobilidade para quem? Para onde? Antes de irmos e virmos, podemos nos perguntar para onde queremos ir? Que sociedade realmente queremos para os nossos filhos? Temos a mobilidade ou a liberdade de pensamento necessárias para tratar da questão com a profundidade exigida para resolvê-la de fato?

LUCAS TAUIL DE FREITAS é um nômade salgado, sem respostas para as questões urbanas, mas com um par de perguntas.

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