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Migrar não tem a ver com saber, mas com acreditar
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Isabel Arruda é uma brasileira que decidiu construir uma nova vida com sua família no Canadá. Apesar de ser seu sonho, a mudança trouxe desafios que resultaram em grandes aprendizados. Foi a partir das dificuldades de seu dia a dia como imigrante que Isabel descobriu a escrita. Depois de lançar um livro com suas experiências, hoje ela ajuda outras pessoas que também desejam mudar de país.

Migrar é não saber.

Não saber se vai dar certo ou errado.

Aliás, o que é dar certo? Quem coloca as regras do que é sucesso ou fracasso?

Se me perguntarem, experiências novas são sempre sucesso, independente do resultado, porque envolve a ousadia de tentar e fazer diferente.

É repertório de vida.

Migrar é não saber.

Não saber como teria sido a vida se não tivesse feito as malas e dado adeus.

Estaria, eu, mais feliz, mais realizada?

Estaria, eu, mais afundada em trabalho, mais confusa e mais limitada?

Não me importa, nunca saberei.

Migrar é não saber.

Não saber por onde começar, qual ônibus pegar, qual o nome dos legumes nas prateleiras do mercado em outro idioma.

Não saber referências culturais, piadas locais e gírias comuns.

Não saber se vale a pena seguir pagando o preço.

Migrar é não saber.

Se a filha vai se adaptar, se o casamento vai prosperar, se a solidão vai se instalar.

Se fará amigos ou se será sua melhor companhia.

Se vai arrasar no inglês, ou tropeçar nas barreiras do não dito.

Migrar é não saber.

Onde é moradia e onde é casa.

Se vai ver quem ama, alguma outra vez.

Se a avó vai te esperar para o último suspiro.

Migrar é não saber.

Quanto tempo dura o até logo ou quanto tempo dura o para sempre.

Eu sigo não sabendo, mas sigo confiando no mistério da vida.

Pois, se pensarmos bem, confiar também é não saber.

Mas é sobre acreditar.

Trecho do livro “A Despedida de Quem Fui”, de Isabel Arruda.

Sem saber de muita coisa, mas acreditando muito no meu futuro, entrei naquele avião, em abril de 2016. Com passagem apenas de ida rumo a Vancouver, no Canadá, sem nunca sequer ter pisado no país, fui com meu marido João e nossa filha Catarina, com 3 anos na época da mudança.

Uma vida inteira em 8 malas, além de muitos sonhos e expectativas.

A família durante a viagem de mudança para o Canadá (Foto: arquivo pessoal).

O Começo

Mas, como chegamos até aqui?

Te conto.

Eu já havia morado fora do Brasil anteriormente, nos Estados Unidos, aos 16 anos, e na Austrália, aos 21. E, nessas duas experiências, meu mundo havia se expandido.

Aprendi sobre diversidade, cidadania, autonomia e independência. Aprendi a me comunicar em outro idioma e a viver em outra cultura. Aprendi novas possibilidades de enxergar o mundo. E, principalmente, aprendi muito sobre mim.

Quando voltei da Austrália, logo comecei a trabalhar como estagiária na TV Globo – no Projac, no Rio de Janeiro – o que era um grande sonho.

Depois disso, a vida foi acontecendo. Fui contratada, conheci meu namorado (que se tornaria meu marido uns anos depois), fui promovida, casei, fui promovida novamente, tive a minha filha… E, assim, eu seguia riscando o checklist da vida adulta.

Mas, uma inquietação tomava conta e crescia cada vez mais, em mim. E se fizesse diferente? E se tentasse a vida em um outro país? Pensamentos povoavam a minha mente, insistindo em não me deixar esquecer.

Queria mais. Mas esse “querer” ficara adormecido por anos, enquanto eu seguia a cartilha do que era esperado de mim.

Até que, em uma viagem a Nova York, a decisão foi tomada. Era o momento. Tinha chegado a hora de colocar em prática aquela semente que germinava em mim há anos. Era o momento de deixar florescer.

Acredito que não existe hora certa para realizar sonho. É preciso criar o momento e se movimentar em sua direção, com planejamento e foco. Uma decisão e tudo muda. Um passo e o mundo não está mais no mesmo lugar. Ali, decidimos e não olhamos para trás. Mergulhamos na possibilidade de uma vida reinventada.

LEIA TAMBÉM:

– “Mudar para o Canadá foi o projeto mais maluco que já topei viver”

– Como viver com mais leveza em outro país

– Brasileiros pelo Mundo: dores e delícias de viver em outro país

E, assim, viemos

Minha vida era boa, preciso salientar. Estava feliz.

Tínhamos uma vida bem estruturada. Eu trabalhava há 10 anos na TV Globo, meu marido há 18. Tínhamos bons cargos e salário, minha carreira estava em ascensão. Morávamos perto da família e de amigos, e perto da praia. Tínhamos uma grande rede de apoio com nossa filha.

Externamente, tinha tudo que precisava. Internamente queria mais.

Me sentia sufocada por uma rotina que não fazia mais sentido para mim.

Queria viver novas experiências, agora com minha família a tiracolo. Queria ver o mundo, viver uma vida mais simplicidade, aprender novas maneiras de funcionar como sociedade, experimentar outra dinâmica familiar e profissional. Além disso, a violência, a sensação de medo crescente e a rotina louca ajudara nessa decisão.

Pedimos demissão, vendemos tudo que tínhamos. Estávamos prontos para recomeçar.  Uma nova história a ser escrita, com o nosso protagonismo. Contrariando uma vida posta e pronta.

Li Fernando Pessoa: “Na véspera de não partir nunca, ao menos não há de arrumar as malas”.

Pois nós arrumamos, partimos e viemos.

Sem garantias. Apenas, com uma vontade enorme no peito de fazer acontecer.

Muitos nos chamaram de loucos, outros de corajosos. Deixar uma vida estruturada para trás, em busca do completo desconhecido. Talvez até seja. Mas, para mim, loucura mesmo é não sonhar e ficar adormecida em uma vida que não me cabia mais.

Adaptação e desafios

Me sentia viva, vibrante com a ideia de recomeçar.

Queria tanto. Queria tudo.

Expectativas. Idealizações.

Depois de um tempo, da lua de mel inicial, já não era tão novata assim. Tinha que pagar as contas que insistiam em chegar e, dessa vez, em dólares. Sabia que não queria mais a vida louca de produção de TV. Mas o que eu queria? O que eu sabia fazer?

Não tinha ainda essas respostas, então fui me jogando. Trabalhei como estoquista de loja, barista, host em estádio de futebol, assistente administrativa em escritórios diversos. Me sentia perdida. Minha autoconfiança foi sendo minada.

Me sentia vivendo em uma espécie de limbo. Entre uma vida passada e uma vida idealizada.

Me questionando o porquê estava ali. Tudo virara neblina. Estava confusa. Vivia uma montanha russa de sentimentos. Sofria de memória seletiva, lembrando com uma certa melancolia aquela vida que deixara pra trás, focando nas renúncias.

E, ao mesmo tempo, presa em uma idealização de vida, que tinha criado a partir das minhas expectativas.  E assim eu resistia a realidade como se mostrava pra mim.

Quem sou eu?  

O meu maior desafio nesse processo todo foi o de me perder nesse labirinto da vida migrada.

Entendi que me identificava demais com a minha profissão. Aqui, não tinha nenhuma referência que caracterizava quem tinha sido – nem família, nem empresa, nem crachá da firma, nem amigos de infância.

Quem era, quando despida de tudo isso? Quem queria ser, nesse novo capítulo da minha vida? Foi preciso entender que não tinha me despedido de mim. 

Precisava deixar aquela Isabel para trás, se quisesse construir essa nova história. Era preciso deixar ir. Morrer para, então, renascer.

E foi o que fiz. Fui me fortalecendo emocionalmente, me abrindo para tudo que essa nova vida tinha para me oferecer. Fui criando conexões com outras pessoas e criando minha rede de apoio.

Um filme passa na minha cabeça ao relembrar tudo. Contando aqui, parece que foi rápido ou simples. Mas foi um grande processo.

Ainda estou em transformação, me encontrando nessa nova identidade. Acredito que a migração é esse grande portal que nos permite essa descoberta sobre nós, em um nível muito profundo.

Vida boa é vida vivida

Completei, em 2022, seis anos de Canadá. Vivi muitas vidas em uma só. Carrego cicatrizes invisíveis de resiliência. Muitas renúncias e também recompensas. Adversidades vencidas e tantas coisas conquistadas.

Tive meu segundo filho – um lindo canadense de sangue brasileiro chamado Benjamin. Fiz a minha tão sonhada mudança de carreira. Hoje, trabalho com outros imigrantes, ajudando-os em suas jornadas de transição e autoconhecimento. Tenho um grupo de suporte emocional para mulheres imigrantes, um espaço de acolhimento, troca e escuta.

Além disso, tenho um podcast chamado Não faz o menor sentido, com o objetivo de refletir sobre a nossa existência e desafios diários. Todos os dias, ensino e aprendo. Cresço e me fortaleço a partir de tantas histórias bonitas partilhadas.

Realizei um sonho antigo. Colocar palavras no papel e publicar um livro. Chama-se A despedida de quem fui, e é um livro de crônicas sobre todas as experiências vividas com a migração. Aliás, escrever foi medicina, por muitas vezes. Me conectou com imigrantes espalhados pelo mundo e me permitiu ver que mesmo solitária não estava só. Me ajudou a entender e nomear sentimentos. Me deu um propósito. Esse livro é parte de mim e da minha jornada.

Hoje, entendo que tudo que vivi me trouxe até aqui. Usar a minha voz e ocupar o meu espaço tem sido o meu grande aprendizado.

Meu caminho foi se fazendo, enquanto caminhava.

Vida boa é vida vivida, sempre digo. Com todas as suas partes coexistindo, as boas e também as difíceis.

Hoje, Vancouver é casa.

E o Brasil sempre será minha raiz.

Isabel Arruda, por JP Alcantara.


*ISABEL ARRUDA (@isabel.arruda.alcantara) é uma carioca de alma inquieta. Há 6 anos vive as dores e delícias de ser imigrante, em Vancouver, no Canadá. É jornalista por formação, foi produtora de televisão por vocação e hoje trabalha com desenvolvimento humano por escolha e paixão. É também escritora. Encontrou na escrita um lugar para expressão, acolhimento e canalização de sentimentos. Escreve sobre vida, sonhos, filhos, migração e todo o resto. “A despedida de quem fui” é seu livro de estreia.


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