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A Rede de Sementes do Xingu trabalha semeando florestas
As mulheres Xavante coletoras de sementes fazem excursão pela floresta; além das nações indígenas do Xingu, a Rede de Sementes do Xingu também tem pessoas da nação Xavante entre os coletores de sementes
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Neste artigo:

A maior e mais diversa rede de coletores de sementes para reflorestamento do Brasil, a Rede de Sementes do Xingu, nasceu em 2007 através de uma campanha de conciliação de interesses.

Em 2004, quando as pessoas indígenas do Território Indígena do Xingu pediram ajuda de parceiros para recuperar as matas ciliares e nascentes do lugar onde moram, foi criada em Canarana, Mato Grosso, a campanha Y Ikatu Xingu.

Y Ikatu Xingu, que no idioma indígena kamayurá significa “salve a água boa do Xingu”, conseguiu reunir diferentes atores – entre comunidades indígenas, fazendeiros, órgãos públicos, ONGs, universidades, empresas do agronegócio e associações locais – em busca de um objetivo em comum.

Esse objetivo era, literalmente, salvar a água boa do rio Xingu. Com suas águas densas e profundas, esse rio caudaloso abastece e é a principal via de transporte do maior território indígena do estado de Mato Grosso.

Um estado que a cada ano perde imensas áreas de floresta para o cultivo de enormes planícies de monoculturas de gado, soja, milho e algodão. Plantações que também precisam do ciclo da água garantido pelas florestas em pé para continuar existindo.

Uma rede de esperança

Rede de Sementes do Xingu - muvuca de sementes A muvuca de sementes, o método de plantio econômico e eficaz da Rede de Sementes do Xingu (Foto: divulgação/ISA)

Da campanha Y Ikatu Xingu, nasceu a Rede de Sementes do Xingu, em 2007. Essa rede de coletores de sementes nativas para reflorestamento da Amazônia e do Cerrado é formada por povos indígenas de diferentes nações, além de agricultores familiares de assentamentos da reforma agrária, e de moradores de pequenas cidades matogrossenses.

A Rede de Sementes do Xingu prepara pessoas para coletar sementes da flora da região e tem uma plataforma de troca e comercialização dessas sementes.

Além de restaurar os territórios indígenas degradados pela ação de colonizadores, as sementes coletadas pela Rede de Sementes do Xingu também recuperam áreas de floresta nativa em propriedades rurais – uma obrigação dos fazendeiros e das empresas de agronegócio, prevista em leis.

Bruna Ferreira, diretora da Rede de Sementes do Xingu, explica a seguir como é feito esse trabalho e por que é urgente cuidar das florestas.

Por que vocês usam sementes, e não mudas?

Essa técnica de usar sementes, que chamamos de muvuca, permite uma restauração mais barata para quem planta. Custa metade ou menos do valor do plantio com mudas e tem uma riqueza maior, se compararmos as duas técnicas com as mesmas condições. Mas, o mais importante dela é que mobiliza mais de 600 coletores com recursos vindos da floresta. Isso gera renda para os agricultores familiares e para os indígenas, e funciona, entre outras coisas, para que aprendam mais sobre plantar e colher.

Como as pessoas que coletam as sementes, os coletores, chegam até vocês?

Por meio de instituições parceiras, de outros coletores ou de grupos de coleta existentes. Vêm para a Rede de Sementes do Xingu interessados na renda e por considerá-la uma missão.

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São todos da região do Xingu?

Rede de Sementes do Xingu mapa Mapa de atuação da coleta de sementes da Rede de Sementes do Xingu; os grupos coletores, que reúnem mais de 600 pessoas trabalhando pela coleta de sementes biodiversas da Amazônia e do Cerrado (Imagem: reprodução/Guia do Coletor da Rede de Sementes do Xingu)

Eles estão localizados nas bacias dos rios Xingu, Araguaia e Teles Pires, em Mato Grosso. Para ser um coletor, é necessário fazer parte de um grupo que já existe. É preciso falar com o elo desse grupo, que faz uma reunião com os outros coletores para que ele seja apresentado. Precisa apresentar a sua história de vida, da área em que pretende fazer a coleta e se já tem experiência – e aí a pessoa pode ser aceita ou não. Para criar novos grupos, precisamos ter uma instituição parceira junto. Ensinamos como colher a semente, qual é a época certa para fazer isso e o tipo de beneficiamento de cada uma das espécies. Também ajudamos a calcular o preço e acompanhamos o trabalho.

Como as sementes são espalhadas nas matas?

Elas são semeadas em áreas degradadas, mesmo que tenham sido desmatadas há muito tempo. Primeiro, fazemos um estudo do bioma e do tipo do solo, estudamos as indicações de espécies de plantas que vamos usar nesse reflorestamento, levando em consideração a germinação de cada uma e a quantidade adequada para aquela área. Então, escolhemos quais sementes vamos plantar naquela área e fazemos o preparo do solo.

Quando a época de chuvas fica mais intensa, entre outubro e janeiro, levamos os sacos com várias espécies de sementes destinadas para aquela restauração e misturamos as sementes. Depois nós as colocamos dentro de uma máquina usada na agricultura, ou em uma plantadeira. E então semeamos essa diversidade de sementes na terra preparada. Em áreas pequenas, o plantio pode ser manual. Por fim, também oferecemos aos fazendeiros e empresas do agronegócio o acompanhamento técnico desse reflorestamento da área de proteção permamente (APP), por pelo menos três anos.

Por que é importante reflorestar as florestas brasileiras?

Rede de Sementes do Xingu Bruna Ferreira Bruna Ferreira, diretora da Rede de Sementes do Xingu (Foto: Claudio Tavares/ISA/divulgação)

É importante melhorar o microclima da nossa região para a flora, a manutenção dos rios e peixes, além de diminuir as mudanças climáticas e ter alternativas de renda não madeireiras. A Rede de Sementes é uma opção de renda vinda da floresta que não está ligada ao corte de madeira para venda.

Esse trabalho é ainda mais urgente com o aumento das queimadas na Amazônia?

Não só neste momento. Nossa região passou por uma ocupação que caracteriza esse desmatamento já há muitos anos, desde a década de 1980. Mesmo com o tamanho da Rede de Sementes, que é a maior do Brasil, nem em 50 anos a gente teria condições de restaurar todo o passivo ambiental que tem na nossa região por causa da ocupação que foi feita. Agora com o desmatamento e as queimadas na Amazônia, esse trabalho tem que ser intensificado. Mas, muito além da Amazônia, todos os biomas estão passando por esse momento de precisar de algum tipo de recuperação das áreas onde estão. O nosso foco hoje é o bioma amazônico e o Cerrado, que é para onde a gente fornece as sementes. Mas em todos os outros há condições de fazer um trabalho de restaurar a floresta.

Qualquer pessoa pode ajudar a frear a destruição ambiental, mesmo morando em grandes cidades?

Sim. É claro que plantar uma pequena área não traz uma mudança para a população como um todo. Mas, com esses trabalhos pequenos, cada um fazendo o seu e unindo forças, a gente consegue fazer a diferença. Não podemos pensar que a responsabilidade é só dos grandes produtores, que, aliás, têm um passivo gigantesco. Cada um cuidando de um pedacinho também faz a diferença. Às vezes os coletores nem têm um passivo para ser restaurado, mas plantam árvores perto da casa deles porque percebem a mudança na temperatura daquele local, e também com o objetivo de fazer a coleta próximo de onde moram. Mas, se um se conscientiza e dez não se sensibilizam, tudo fica muito mais difícil. Entretanto, se a gente consegue sensibilizar um grande número de pessoas para fazer esse trabalho em pequenas áreas, que seja no quintal da sua casa, é isso o que faz a força.

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Conteúdo publicado originalmente na edição 212 da Vida Simples

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