Entrevista com Franz Alt, que publicou livro com Dalai Lama
Franz Alt, coautor do livro A Nossa Única Casa, com Dalai Lama, reflete sobre o que precisamos fazer para viver em harmonia com o mundo neste século
O alemão Franz Alt testemunhou muitas catástrofes e guerras pelo mundo ao longo de seus 50 anos no jornalismo televisivo. Mas também esteve presente em reconciliações históricas.
“Testemunhei o ‘milagre’ da reunificação pacífica da Alemanha, o ‘milagre’ da unificação europeia e, por fim, o ‘milagre’ do desarmamento nuclear nos anos 1990”, conta ele, que aposta na existência de novos “milagres” no futuro.
“Todos os problemas criados pelo homem também podem ser resolvidos por nós, humanos”, resume Franz sobre uma das teses do livro A Nossa Única Casa – Um apelo ao mundo pela necessidade urgente de cuidarmos da Terra (LeYa Brasil), escrito por ele e Dalai Lama, com quem mantém uma amizade de quatro décadas.
Na obra, o líder espiritual do budismo tibetano diz estar convencido de que o século 21 será o mais feliz e pacífico de toda a história. E que isso só depende da nossa ação e ética. Nesta entrevista, Franz Alt fala sobre os ensinamentos do Dalai Lama para vivermos em harmonia conosco, com os outros, os animais, as plantas e o planeta.
No livro, Dalai Lama diz que uma vida responsável é uma vida simples e plena de satisfação. O que significa isso?
O mais importante é aprender a viver, a trabalhar e a administrar a economia em parceria com a natureza – e não contra ela. Ou seja, aprender a conduzir a economia de forma sustentável. Para isso, é muito importante fazer rapidamente a transição para energias renováveis. Outro ponto de atenção é o consumo de carne, muito alto entre a maioria dos cristãos e uma das principais razões para a destruição do clima global. Um hindu indiano come cerca de um quarto da quantidade de carne consumida por um cristão ou mantém uma dieta vegetariana.
Então, o Dalai Lama recomenda comer menos carne, também porque é bom para a nossa saúde. Além disso, na era do aquecimento global, precisamos compreender que a humanidade é uma só família. Do ponto de vista psicológico, físico, mental e emocional, somos todos irmãos e irmãs. Mas ainda damos muita atenção às nossas diferenças em vez de ver o que nos une. No entanto, todos nós nascemos e morremos da mesma forma. Não faz sentido chegar ao cemitério com orgulho da sua nação ou religião.
Como a ética espiritual nos ajuda a cuidar da natureza?
Ética espiritual significa assumir responsabilidade por nossos filhos e netos, mas também por toda a vida, incluindo animais e plantas. Trata-se de compreender a interdependência de tudo. Os humanos não podem se sair bem a longo prazo se os animais estiverem mal – e vice-versa. A crise do coronavírus nos ensinou que temos de dar mais espaço aos animais silvestres se não quisermos ser contaminados por eles e viver novas pandemias.
Devemos superar a ilusão de que nosso bem-estar se baseia no crescimento econômico ilimitado. Isso destrói a base de nossas vidas. Precisamos amadurecer espiritualmente
Em poema de 1994, presente no livro, dalai lama já relacionava a destruição ambiental ao surgimento de doenças. “A mãe Terra está nos ensinando uma lição de responsabilidade universal”, ele diz. Como mudar nossa postura?
Nesse poema, o Dalai Lama coloca a árvore no centro e diz: “Se as árvores algum dia desaparecerem, a Terra se tornará um deserto assustador”. Vale a pena meditar sobre essa frase – talvez seja melhor durante uma caminhada na floresta. Não há nada de mau em cometer erros. O sentido da nossa existência aqui é aprender com eles. Podemos aprender com os erros, por exemplo, prestando atenção aos sonhos que nos visitam. Para as antigas gerações, os sonhos eram “a voz de Deus dentro de nós”. E indígenas acreditam nisso ainda hoje.
O que significa a “inconsciência da alma”, mencionada no livro, e o que ela provoca?
Significa que negamos, reprimimos e esquecemos problemas como o aquecimento global porque não queremos admitir que eles existem. Mas tudo o que reprimimos volta. Só podemos superar essa inconsciência trabalhando a nossa consciência e o nosso espírito, com meditação, atenção plena, autoconhecimento e responsabilidade pelas futuras gerações.
Você diz que a humanidade precisou se proteger do meio ambiente e agora é a natureza que precisa de proteção. Como nos reconciliarmos com ela?
Nos últimos 300 anos, desde o Iluminismo [século 18], no Ocidente, nós, ocidentais, temos uma tendência a seguir em demasia o domínio da mente. Devemos encontrar novamente um equilíbrio entre espírito e matéria, entre a espiritualidade e a ciência, para podermos viver plenamente e manter uma economia sustentável. Usando apenas a razão, nós não despertaremos. Precisamos mobilizar também nossos sentimentos.
“A crise ambiental de hoje é a crise do nosso mundo interior”, você diz no livro. Quais os caminhos para curar esses desequilíbrios internos e colocar ordem na casa?
Devemos superar a ilusão de que nosso bem-estar se baseia no crescimento econômico ilimitado. Isso destrói a base de nossas vidas. Foi o que nos ensinou o livro Club of Rome, de John Coleman, há 50 anos. Devemos amadurecer espiritualmente em vez de crescer fisicamente. E estou plenamente ciente de que a lacuna entre pobres e ricos deve ser eliminada. Nosso mundo é tão rico que todas as pessoas podem viver uma vida digna.Tenho um lema para o futuro, que é: “Eu acredito no que espero”. O homem é um ser espiritual, então precisamos encontrar novamente um contato maior com o mundo espiritual. Espírito é um outro nome para Deus. “Deus é espírito”, diz o Evangelho de João. O mesmo Evangelho diz ainda: “Deus é energia”. Essa energia primordial à qual devemos tudo.
Se o estado da natureza reflete a natureza interior das pessoas, como voltar a florescer?
Somos uma unidade formada por corpo e mente. Mas essa unidade e essa ligação estão desequilibradas. Jesus diz: “Ama ao teu próximo como a ti mesmo”. Mas nos amamos muito pouco e desaprendemos a amar a criação. No entanto, só podemos proteger e preservar aquilo que amamos. Para alcançar um pleno desenvolvimento do nosso potencial, é imprescindível encontrar um equilíbrio entre homem e mulher, entre masculino e feminino. A psicologia moderna nos ensina que todo homem deve desenvolver seu lado espiritual feminino e toda mulher, seu lado espiritual masculino. Só então obtemos um equilíbrio natural entre o feminino e o masculino. E nossas parcerias só dão certo se houver igualdade de direitos.
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Conteúdo publicado originalmente na Edição 234 da Vida Simples
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