Grande carga de trabalho ‘deixa Terra com burnout’
Em metáfora que põe em foco as crises de saúde mental e ambiental, pesquisadores descrevem os sintomas no planeta

Tente imaginar o planeta Terra como um ser humano. Ele trabalha todos os dias, tem inúmeras responsabilidades com altas demandas, e enfrenta pressões de todos os lados. É o trabalho mais difícil do mundo e nunca tem folga. Só que uma hora todo o esforço cobra um preço muito alto. Esse foi o exercício de imaginação que os pesquisadores do Pacto Global fizeram, “diagnosticando” o planeta Terra com síndrome de burnout.
Também conhecido como síndrome do esgotamento profissional, o burnout é um distúrbio emocional decorrente de situações de trabalho desgastantes. O “atestado” do planeta Terra, assinado pelos professores e pesquisadores da USP Paulo Saldiva e Carlos Nobre, une as discussões sobre saúde mental e conservação ambiental para mobilizar o setor privado na luta pela saúde das pessoas e da Terra.
“O Pacto Global orienta e apoia a comunidade empresarial no avanço das metas e valores da ONU por meio de práticas corporativas responsáveis. Tem mais de 20 mil participantes distribuídos em 62 redes que cobrem 77 países, sendo a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo”, apresenta Guilherme Xavier, diretor executivo interino do Pacto Global.
No movimento, as empresas brasileiras são convidadas a reconhecer a urgência em promover ações concretas para impactar positivamente a sociedade e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU. São dez projetos que tratam de questões relacionadas ao clima, água, economia, meio ambiente, saúde mental, educação, direitos humanos, empregabilidade e anticorrupção, todos com adesão gratuita.
O diagnóstico da Terra
O diagnóstico da doença foi baseado em estudos científicos, pesquisas e dados de diversos lugares do mundo que apontavam para o esgotamento da Terra. A pesquisa completa separou 8 sintomas do burnout que se encaixam com o quadro enfrentado pelo planeta: estresse, gastrite, insônia, arritmia, queda da imunidade, alopecia e fibromialgia.
1. Estresse
É um dos sintomas mais comuns observados em pessoas com crise de burnout. O estresse eleva os níveis de cortisol (o “hormônio do estresse”) no organismo, o que gera desequilíbrios físicos, psicológicos e emocionais.
O mesmo acontece com o planeta Terra, que enfrenta um grande aumento das emissões de CO2 e gases poluentes — com aumentos de 51% de dióxido de carbono, 165% de metano e 24% de óxido nitroso. Todos esses poluentes implicam no efeito estufa mais intenso e desequilíbrios ambientais.
Dentre os impactos do estresse do planeta Terra está o aquecimento global. Esse aumento das temperaturas no globo terrestre provoca o desequilíbrio dos ecossistemas, aquecimento dos oceanos, perda da biodiversidade, eventos climáticos extremos, insegurança alimentar em populações vulneráveis e insegurança hídrica.
2. Gastrite
A gastrite desencadeia uma secreção irregular do ácido gástrico, que leva à inflamação da parede do estômago e a sensação de queimação. Assim como os pacientes de burnout, a terra sente essa mesma queimação.
A intensificação das mudanças climáticas, os desmatamentos e os eventos extremos de secas, tornou os ecossistemas florestais mais vulneráveis a sofrerem queimadas. Elas são um sintoma grave do quadro de burnout, e ameaçam a segurança alimentar, impactam a saúde humana e animal e agravam a crise climática.
(Foto: Pacto Global/Divulgação) ‘Endoscopia’ do planeta Terra representa os incêndios florestais
3. Insônia
O sono tem um papel essencial na restauração do corpo humano, no entanto, pessoas com diagnóstico de burnout podem ter grandes dificuldades em iniciar ou conservar o sono devido ao sintoma de insônia. Da mesma forma, a insônia afeta a fauna, graças às mudanças climáticas.
O desequilíbrio de temperatura e qualidade do ar impactam a qualidade do sono de animais por todo o globo terrestre. Todos os reinos são impactados, dos mamíferos às aves, dos terrestres aos marítimos.
4. Arritmia
A arritmia cardíaca desregula o ritmo do coração, acelerando ou diminuindo batimentos cardíacos drasticamente. O que nos seres humanos está focado no coração, no planeta Terra está focado nos níveis de precipitação pluviométrica.
A Terra enfrenta diversos eventos extremos de secas e chuvas intensas em diferentes regiões, que causam impactos na vida humana, na economia dos países, na segurança alimentar, na biodiversidade e nos ecossistemas. São mudanças drásticas que deixam claro a exaustão do planeta. Diz trecho da pesquisa:
“No Brasil, foi constatado que nos últimos 60 anos a média de dias sem chuvas aumentou de 80 para 100 dias ao ano e esse evento está diretamente ligado aos impactos das mudanças climáticas que têm elevado a temperatura no país.”
5. Queda da imunidade
O burnout também é um adoecimento. O esgotamento enfraquece o organismo e o sistema imunológico, que torna o corpo ainda mais suscetível a novas doenças. O mesmo processo acontece no planeta, que enfrenta novas enfermidades todos os dias.
Desmatamentos, incêndios, derretimento de calotas polares, eventos extremos; tudo isso contribui para o aumento de zoonoses, doenças transmitidas de animais para pessoas; um exemplo muito claro disso foi a COVID-19, que paralisou o mundo durante a pandemia.
6. Alopecia
O estresse e o esgotamento podem provocar a alopecia, doença relacionada à queda de cabelo e pelos. A versão do planeta Terra para esse sintoma do burnout é a perda de vegetação e a desertificação de ecossistemas ao redor do mundo.
As ações antrópicas e as mudanças climáticas, que mudam o ritmo de precipitação das chuvas e a temperatura, provocam o crescimento de áreas áridas e desérticas, com a iminente perda da cobertura vegetal natural.
“Nas últimas três décadas que antecederam o ano de 2020, a Terra ficou 75% mais seca em comparação com os últimos 30 anos anteriores. Houve uma expansão de terras áridas em nível global de cerca de 4,3 milhões de km², representando 7,6% do planeta, o que equivale ao tamanho do Canadá.”
7. Fibromialgia
Fibromialgia é uma doença crônica, também relacionada ao burnout, que aumenta a sensibilidade muscular e ocasiona dores generalizadas e intensas no corpo humano. A Terra vivencia essa redução da capacidade de movimento por causa da destruição de corredores ecológicos.
A destruição e a fragmentação dos habitats ameaçam de extinção diversas espécies de animais, colocam em xeque os ecossistemas e até tiram ambientes da população humana.
8. Pressão alta
A hipertensão arterial acontece quando o sangue exerce uma força excessiva nas artérias, além dos níveis considerados saudáveis, e pode ocasionar em AVC (Acidente Vascular Cerebral), insuficiência cardíaca, ataque cardíaco, doença renal e aneurisma.
As mudanças climáticas afetam diretamente a pressão do planeta Terra. São pressões nos ecossistemas, nas temperaturas, na superfície terrestre, nas calotas polares, e até mesmo em vulcões.
“Até mesmo mudanças mínimas na carga da superfície têm o potencial de alterar o campo de tensão ao redor de câmaras de magma rasas, influenciando significativamente a probabilidade de erupções em vulcões cobertos de gelo”
O desgaste no meio ambiente também afeta a saúde mental das pessoas
Para os brasileiros, o panorama da saúde mental não está melhor do que a situação do planeta Terra. Dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social mostram que, em 2024, houve recorde no número de afastamentos de trabalho por saúde mental, ultrapassando a marca de 470 mil. Em comparação ao ano anterior — cerca de 280 mil —, o crescimento foi de 68%.
A relação entre saúde mental e meio ambiente também vai além do debate do burnout. Após a tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul, em 2024, o Pacto Global produziu o “Guia Orientativo Sobre Como Lidar com Emergências e Desastres”. No conteúdo, além de informações de apoio imediato, os profissionais apontam para os impactos psicológicos que tragédias ambientais deixam nas pessoas afetadas.
“Os impactos psicológicos de emergências podem ser duradouros e significativos, manifestando-se em transtornos como estresse pós-traumático, ansiedade, depressão e até abuso de substâncias. O guia também destaca que a resposta emocional às catástrofes pode variar entre indivíduos, influenciada por fatores como resiliência pessoal, suporte social e estratégias de enfrentamento”, explica Guilherme Xavier.
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