É possível desenvolver a autoconfiança?
É comum ouvirmos falar de homens e mulheres extraordinárias que realizaram grandes feitos, conquistaram importantes posições ou, ainda, tiveram a coragem necessária para mudar suas vidas radicalmente, abandonando o conforto e a segurança de um caminho que a sociedade acredita ser o mais acertado. Reverenciamos todos eles e até os invejamos, com a crença de […]
É comum ouvirmos falar de homens e mulheres extraordinárias que realizaram grandes feitos, conquistaram importantes posições ou, ainda, tiveram a coragem necessária para mudar suas vidas radicalmente, abandonando o conforto e a segurança de um caminho que a sociedade acredita ser o mais acertado. Reverenciamos todos eles e até os invejamos, com a crença de que suas conquistas são resultado de um dom, de uma inteligência ou de qualquer outro atributo especial – e inacessível às pessoas comuns. Pior, ao nos olharmos enquanto almejamos conquistas semelhantes, ficamos decepcionados e às vezes nos martirizamos por, lamentavelmente, não reconhecermos em nós o mesmo nível de força e desembaraço que automaticamente creditamos a essas pessoas extraordinárias.
Antes de abandonar qualquer sonho, em função do reconhecimento humilde de nossas limitações pessoais, há uma importante lição a ser aprendida: uma parte considerável das realizações mais admiráveis do ser humano decorre não de competências especiais, mas de um singelo predicado emocional que chamamos de autoconfiança. Independentemente de qualquer aptidão técnica que possamos vir a adquirir, é ela, a autoconfiança, que nos permitirá colocar esse aprendizado em prática ou não.
Mas o que fazer se, ao nos observarmos, reconhecermos com igual decepção que nossa alma carece desse tipo confiança? O que fazer ao constatarmos que fomos injustamente privados dessa característica? Felizmente, a resposta é mais otimista do que, à primeira vista, pode parecer. utoconfiança não é um traço inato e estático da personalidade. Não é algo com que simplesmente possuímos ou não e que deveríamos nos conformar. Ao contrário, é uma habilidade e, como qualquer outra, pode ser aprendida.
Aprendendo a ter confiança
Ao longo de nossa vida acadêmica e profissional, aprendemos a ser confiantes em áreas técnicas bem específicas, como gerenciar vários projetos, escrever relatórios, preparar todo tipo de planilha e apresentações ou ainda operar e tratar pessoas, desenhar com precisão etc. Há, porém, um tipo generalizado de confiança, passível de ser aplicado a qualquer área
da vida humana, que infelizmente não nos é formalmente ensinado. Aqueles que eventualmente acabam aprendendo, por conta de acontecimentos da vida cotidiana, arriscarão mais e terão mais chances de sucesso. Aqueles que não dispuserem de condições similares podem acabar, infelizmente, à margem dos seus próprios desejos de realização.
Tornar-se autoconfiante requer um grau razoável de autoconhecimento e, sobretudo, um exercício perene de automonitoramento e autogerenciamento. Em outras palavras, ser confiante é possuir e manifestar um conjunto de atitudes sobre si e sobre os outros, as quais auxiliam a enfrentar desafios e a persistir diante de dificuldades e de sinais de fracasso ou humilhação. Como fazer isso? Uma maneira é identificar as barreiras emocionais ligadas à confiança e, em seguida, descrever possíveis estratégias psicológicas que cada um pode exercitar para superá-las. Por exemplo, o medo de parecer idiota, para si mesmo e para os outros, é uma das principais barreiras ao desenvolvimento da autoconfiança. Frequentemente, recuamos diante de desafios que sugerem, mesmo que remotamente, alguma possibilidade de parecermos ridículos aos olhos dos outros. E, no entanto, essas costumam ser exatamente as situações mais estimulantes e gratificantes das nossas vidas. Por medo de parecermos bobos, ousamos pouco, não nos candidatamos, por exemplo, a uma promoção, não apresentamos uma nova ideia na reunião, não arriscamos um novo projeto de vida, não convidamos, nem mesmo, aquela pessoa que nos atrai para sair para jantar.
Na contramão do que normalmente se pensa, a melhor forma de superar essa barreira, definitivamente, não é nos convencendo de que somos pessoas sérias e de que tudo ficará bem. Ao contrário, tornamo-nos muito mais confiantes quando aceitamos humildemente em nossos corações que somos, e sempre seremos, ridículos de algum modo. Jamais escaparemos disso. Simplesmente, não há escolha. Assumir por premissa que somos imbecis de carteirinha é libertador! Portanto, precisamos urgentemente fazer as pazes com o nosso idiota interior, essa pessoa que desesperadamente tentamos esconder dos olhos alheios. Quando assim o fizermos, qualquer nova estupidez que porventura venhamos a cometer não nos abaterá. Será apenas mais uma instância daquilo que já aceitamos honestamente sobre nós mesmos. Ao consentirmos o risco iminente de fazer papel de idiota, aumentamos consideravelmente nossa probabilidade de sucesso.
Outra importante barreira emocional à autoconfiança tem sido denominada de síndrome do impostor. De tempos em tempos, a vida nos prestigia com singulares oportunidades de realizarmos coisas verdadeiramente significativas, como assumir um cargo de gerência, abrir um negócio próprio, escrever um romance, coordenar um projeto inovador. Não é incomum, no entanto, rejeitarmos essas oportunidades simplesmente porque não nos consideramos dignos delas. Síndrome do Impostor é, assim, a crença de que as pessoas que já conquistaram o que desejamos são legítimas em suas posições, enquanto nós, caso ocupássemos esses mesmos lugares, seríamos impostores insolentes: uma grande farsa apenas esperando para ser descoberta.
A razão pela qual experimentamos a síndrome do impostor nada tem a ver com qualquer perspectiva de mérito ou de competência pessoal referente a uma determinada realização. Vemo-nos como impostores apenas porque sabemos certas coisas sobre nós mesmos e não temos o mesmo conhecimento a respeito dos outros. Temos acesso a nossas incertezas, medos, ansiedades e inseguranças internas, mas, dos outros, vemos apenas o que eles dizem e fazem aos olhos do mundo. Não temos acesso a sua intimidade. Em outras palavras, reconhecemos em nós um conjunto de fraquezas que não observamos nas pessoas que estão fazendo aquilo que desejamos fazer.
Para superar a síndrome do impostor e tornarmo-nos mais autoconfiantes, precisamos fazer um voto de fé. Ou seja, assumir, cegamente, certas coisas sobre as pessoas que elas jamais nos dirão explicitamente e que, portanto, jamais podemos provar empiricamente; como acreditar que mesmo as pessoas mais respeitadas e formidáveis que conhecemos possuem as mesmas fraquezas e inseguranças que nós. Elas simplesmente nos escondem isso e revelam apenas o que lhes é conveniente. Como todo mundo está vestindo a sua máscara de sucesso, só conseguimos enxergar as nossas próprias limitações. Várias outras barreiras emocionais à autoconfiança podem ser mencionadas, embora, nesse caso, este não seja o melhor momento para analisá-las, como a autossabotagem, o medo das críticas, a presunção do “não” e o otimismo ingênuo. A superação desse conjunto de barreiras requer esforço, diligência e também perseverança. Precisamos exercitar nossa autoconfiança continuamente se quisermos mantê-la em forma, da mesma maneira que precisamos de atividades físicas regulares para manter nosso corpo em equilíbrio. Alguns exercícios foram sugeridos aqui. Agora é você que precisa percorrer esse caminho. Pode parecer árduo no início, mas o resultado, acredite, é bastante recompensador.
SAULO VELASCO psicólogo, PhD em Psicologia pela USP, sócio-fundador da Lupa – Educação Ampliada, professor no Paradigma – Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e professor na The School of Life Brasil, onde ministra aulas e workshops sobre confiança e outras habilidades emocionais.
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