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A embalagem
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Quando pensamos na imagem que transmitimos, será que ela condiz com o que somos em nossa essência?

Nos últimos tempos, de tanto andar pelo mundo, desenvolvi um olho crítico com relação às embalagens. Minhas marcas preferidas são aquelas que combinam a qualidade do produto com a inteligência da embalagem. Por exemplo, gosto de uma marca de mel que vem em um frasco de tamanho certo, nem grande, nem pequeno.

Bom de pegar, seu plástico tem a firmeza adequada. A tampa é de rosquear, mas tem uma tampinha extra que veda um pequeno bico de saída do produto, e ela fica na parte de baixo, de maneira que o mel sai rapidamente, mesmo se estiver no fim.

O exemplo oposto é o frasco de xampu de um hotel em que estive. Já no chuveiro, não consegui abrir, e nem ler o rótulo para saber se não se tratava do condicionador.

Naquela manhã, lavei a cabeça com sabonete e meu cabelo ficou espetado o resto do dia. Culpa da embalagem ruim. E virei um crítico daquele hotel, por não cuidar desse detalhe do conforto de seu hóspede.

Tenho um sentimento não publicável com aqueles sachês de ketchup e mostarda que não conseguimos rasgar. Não entendo por que ainda colocam nossas mãos em perigo a cada vez que abrimos uma lata de sardinhas. Sem falar no blister que exige muita força, a ponto de doer o dedo e quebrar o comprimido. Isso sem contar com o ridículo processo embalatório de um simples par de meias, que é embrulhado, colocado em um envelope, dentro de uma caixa, que é entregue em uma sacola.

Exagero à parte, é difícil não perceber o excesso e o desperdício da indústria da embalagem. Dá pena chegar em casa e descartar papéis, cartolinas e plásticos novos. Já me ocorreu que paguei mais caro pela embalagem do que pelo produto em si.

A embalagem é uma área profissional promissora. Há estudos que envolvem o design funcional, a estética, a integridade do produto, a saúde do consumidor. Trata-se de uma indústria de bilhões, que acompanha todos os produtos que consumimos.

A embalagem também é um traço cultural. Em Paris, uma baguete será entregue desembrulhada ao freguês que, não raro, sairá com o pão embaixo do braço. A mesma delícia de trigo, em uma padaria francesa em Dubai, virá dentro de uma caixa especialmente projetada para conservar o calor e a crocância até a hora do glorioso consumo. Como traço de cultura, a baguete está sujeita ao imperativo do marketing, uma espécie de criador de tendências. Uma mulher não se desfaz da caixa azul da joalheria Tiffany que acabou de ganhar de seu amor. Qualquer um de nós morre de pena de jogar fora a caixa do iPhone, que, aliás, é protegida por patente internacional.

Além disso, a embalagem é veículo de propaganda. Certa vez recusei a sacola em que a vendedora tinha colocado algo que eu tinha acabado de comprar, pensando em propiciar a ela uma economia. Então ela me explicou que a sacolinha circulando pelo shopping era uma importante publicidade para sua boutique.

Sim, as embalagens fazem parte da vida contemporânea, em que o consumo é componente importante, e o shopping é pátio, passeio, teatro, café e local de encontro. A embalagem é objeto de estudo dos designers, dos industriais, dos especialistas em marketing e das autoridades reguladoras.

E, por que não, dos psicólogos e outros estudiosos da alma humana. Cada um de nós cria sua própria embalagem para se mostrar ao mundo. Há até especialistas, as personal stylists, que definem o estilo, ajudam nas compras e, o mais importante, procuram harmonia entre a personalidade e a externalidade.

Como aquela embalagem que valoriza o mel, não podemos não pensar na maneira como o mundo nos vê, para que essa visão seja coerente com o que somos de verdade.

A embalagem era boa, e o mel, delicioso.

No filme Simplesmente Amor, há uma cena pedagógica sobre esse assunto. O roteiro entrelaça várias histórias de amor e desamor. Imperdível para quem torce por finais felizes, sofre com os desencontros da alma, ou para quem, simplesmente, aprecia o humor inglês. Numa das histórias, um executivo de comunicação (o ótimo Alan Rickman) vai a uma grande loja de departamentos com a esposa (a maravilhosa Emma Thompson), aproveita para comprar um presente de Natal para a amante, e é atendido por um vendedor dedicado (Rowan Atkinson, o eterno Mr. Bean).

Ele estava com pressa, pois a esposa poderia aparecer a qualquer momento, mas o vendedor resolveu caprichar na embalagem, que parecia não ter fim, para desespero do cliente. A cena é muito engraçada e reveladora. A joia comprada era barata, mas a embalagem era primorosa. O invólucro falseava a qualidade do presente. O continente era superior ao conteúdo. Exatamente como o executivo, homem elegante e de boas maneiras, cujo caráter era, incontestavelmente, muito inferior à aparência que o vendia.


EUGENIO MUSSAK sempre escreve sobre o que acredita. Diz que sua coluna tem que ser coerente com sua vida.
@eugeniomussak

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