Dez ensinamentos deixados pelo papa Francisco
Com posicionamentos firmes e humanitários que ultrapassaram as fronteiras da religião, pontífice fica marcado na história pela defesa da tolerância, do acolhimento e do amor ao próximo
O papa Francisco, que morreu na madrugada de segunda-feira (21/4), deixou ensinamentos que vão muito além das fronteiras da religião em 12 anos à frente da Igreja Católica. Primeiro pontífice latino-americano e jesuíta, ele fica marcado pelo seu olhar sensível e humanista, guiado pela defesa da tolerância, do acolhimento e do amor ao próximo. Mensagens que tocaram muitas pessoas independente da crença.
Jorge Mario Bergoglio morreu pouco tempo depois de, mesmo doente, conseguir abençoar e discursar para fiéis no Domingo de Páscoa, no dia anterior. De acordo com o Vaticano, ele foi vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e de insuficiência cardíaca. Agora, deixa na história sua visão de mundo e diversas lições de vida.
Abaixo, a Vida Simples separou dez ensinamentos do papa que podem nos guiar:
Amor ao próximo
Todas as lições de vida desta lista passam por esse primeiro ponto: o amor ao próximo. Desde o seu primeiro dia de papado, Francisco fez questão de incluir em seus posicionamentos a importância de olharmos para todas as pessoas, sem exclusão, com mais carinho, acolhimento e amor genuíno. Francisco defendia a compaixão de forma verdadeira. Não apenas a da Bíblia ou de livros e rituais de religiões diferentes, mas o amor na prática. Aquele que, de fato, transforma o mundo.
“Uma síntese criativa entre fé e história que encontra a sua base no amor natural vivificado pela graça divina. O amor ao próximo não consiste em palavras, mas em obras e verdade.”
Mensagem do papa Francisco, em 2019, aos participantes do encontro internacional “A atualidade de um novo compromisso”.
A vida é feita no simples
Em um mundo cada vez mais desigual, papa Francisco foi uma voz firme em defesa de uma vida mais simples e com menos apego às questões materiais. Seu olhar atento aos mais pobres sempre foi prioridade nos ensinamentos como papa. Não por acaso, foi o primeiro cardeal a escolher o nome Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis – santo que pregava a pobreza e a humildade como formas autênticas de viver.
Até mesmo em sua despedida, Francisco faz questão de transmitir a mensagem que guiou toda a sua trajetória: a simplicidade como escolha de vida. Diferente da tradição seguida por pontífices anteriores, que eram sepultados em três caixões sobrepostos – de cipreste, chumbo e carvalho –, ele optou por um ritual mais singelo: escolheu um único caixão simples de madeira revestido com zinco.
“Caros amigos, eu os encorajo a não terem medo de percorrer os caminhos da fraternidade e de construir pontes entre as pessoas, entre os povos, em um mundo onde tantos muros ainda estão sendo construídos por medo dos outros. Através de suas iniciativas, seus projetos e suas atividades, vocês tornam visível uma Igreja pobre com e para os pobres, uma Igreja que está próxima das pessoas em situações de sofrimento, precariedade, marginalização e exclusão.”
Papa Francisco, em 2021, à delegação da fraternidade política da comunidade “Chemin Neuf”, da França.
A leveza do bom humor
Com a capacidade de também trazer à tona coisas simples e belas do dia a dia, que muitas vezes são deixadas para trás, papa Francisco era um grande defensor do bom humor na vida. De enxergar o aspecto positivo e engraçado das situações mesmo diante das durezas da rotina. Rir também é um ato de resistência. É revolucionário.
(Foto: Divulgação) Francisco tocava em temas delicados, mas também nos mais simples do dia a dia
“O senso de humor é um certificado de sanidade. Há mais de 40 anos rezo todos os dias a oração para pedir senso de humor […] Nela, pedimos ao Senhor a capacidade de sorrir, de rir, de ver o lado ridículo das coisas, e o não ridículo, para saber ver que a vida sempre tem algo a sorrir. O senso de humor humaniza. Pessoas que não têm senso de humor não têm graça. São chatas consigo mesmas.”
Papa Francisco, em entrevista à jornalista Bernarda Llorente, da Agência Pública de Notícias Argentina Télam.
Tristeza, angústia e depressão
Outro assunto sensível e importante: saúde mental e bem-estar emocional. Francisco tinha um olhar apurado para esses aspectos da vida. Em seus ensinamentos como papa, não deixava de citar um tema tão impactante, principalmente nos dias de hoje. Seja no luto ou em outras situações que abalam nossa existência e confundem nossos pensamentos, Francisco ressaltou: “Não deixemos que a tristeza se transforme em um estado de ânimo que impeça a alegria de viver.”
“A dinâmica da tristeza está ligada à experiência da perda. No coração do homem nascem esperanças que, às vezes, são frustradas. Quando isto acontece, é como se o coração caísse num precipício, e os sentimentos que experimenta são desânimo, fraqueza de espírito, depressão, angústia. Todos passamos por provações que geram tristeza, porque a vida nos faz conceber sonhos que depois se desfazem.”
Papa Francisco, durante discurso na Audiência Geral de fevereiro de 2024.
Acolher aqueles que precisam
Em um mundo marcado historicamente por guerras, papa Francisco foi uma influente voz a favor dos refugiados. Aqueles que não têm escolha. Que precisam deixar sua própria terra, seja por fome, conflitos políticos e outras situações. Ele pregava que o acolhimento para elas é fundamental.
Um acolhimento que devemos semear no nosso dia a dia. Abrir os braços para aqueles que necessitam de água, comida, afeto e oportunidades. Em seus discursos, reforçava os quatro verbos em atenção aos imigrantes: acolher, proteger, promover e integrar. Para Francisco, Cristo se encontra nos refugiados. “Reconhecermos no migrante não só um irmão ou uma irmã em dificuldade, mas o próprio Cristo que bate à nossa porta.”
“Devemos acompanhar e gerir da melhor forma possível os seus fluxos, construindo pontes e não muros, alargando os canais para uma migração segura e regular. Onde quer que decidamos construir o nosso futuro – no país onde nascemos ou fora dele –, o importante é que lá haja sempre uma comunidade pronta a acolher, proteger, promover e integrar a todos, sem distinção nem deixar ninguém de fora.”
Papa Francisco, em mensagem escrita para 109º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, em 2023.
Todas as formas de amor
Em um movimento progressista dentro da Igreja Católica, o papa Francisco também se destacou por sua postura acolhedora em relação à população LGBTQIA+. Em diversos pronunciamentos – mesmo que não fosse em todos –, ele defendeu o respeito independente da orientação sexual. Um papa que se dispôs a romper com preconceitos pessoais e institucionais em seus ensinamentos, colocando a dignidade humana e a compaixão acima de dogmas.
São mensagens e lições de vida de Francisco que abordam respeito e tolerância. “Se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?”, disse, em entrevista dentro do avião na volta para Roma após visitar o Brasil, em 2013. Abaixo, outro exemplo:
“Elas saíram chorando, dizendo que eu havia dado a mão a elas, um beijo. Como se eu tivesse feito algo excepcional. São filhas de Deus. Ele gosta de vocês assim.”
Papa Francisco, em entrevista à revista espanhola Vida Nueva, ao comentar sobre a primeira vez que recebeu um grupo de mulheres transexuais no Vaticano.
O ser humano e a natureza
Outra postura marcante do papa Francisco durante seus 12 anos à frente da Igreja Católica foi chamar a atenção para as mudanças climáticas que se intensificam cada vez mais no planeta. Alterar nossa forma de interagir com a natureza para que ela sobreviva e, consequentemente, as futuras gerações também possam viver. Francisco transmitia a mensagem de que pequenas mudanças no dia a dia podem ter um impacto transformador. Ao mesmo tempo, cobrava das grandes empresas uma responsabilidade real com o meio ambiente.
“O tempo está se esgotando. Diante de uma emergência climática, devemos tomar as devidas medidas para evitar a perpetração de um ato brutal de injustiça contra os mais pobres e as futuras gerações, que estão prestes a herdar um mundo muito arruinado. Os nossos filhos e netos não deveriam ter que pagar o custo da irresponsabilidade da nossa geração.”
Papa Francisco, durante encontro com representantes da indústria petrolífera, em 2019.
As tempestades de uma doença
Francisco também deixou uma mensagem muito bonita sobre como lidar com doenças graves. Aquele momento em que tudo parece acabar e precisamos tirar forças de onde não temos para atravessar uma tempestade e vencer o adoecimento. Inclusive, ele fez questão de ressaltar não apenas as fragilidades do corpo, mas também as “psíquicas e espirituais”.
Ele mesmo enfrentou o adoecimento nestes últimos meses. Conseguiu forças para abençoar os fiéis no Domingo de Páscoa. Um dia depois, partiu. O ensinamento é levar para os momentos difíceis da vida um pouco da calma, serenidade, sabedoria e sensibilidade de Francisco.
“No momento da doença, se por um lado sentimos toda a nossa fragilidade – física, psíquica e espiritual –, por outro experimentamos a proximidade e a compaixão de Deus, que em Jesus participou do nosso sofrimento […] A doença torna-se então a oportunidade para um encontro que nos transforma, a descoberta de uma rocha firme na qual descobrimos que podemos ancorar-nos para enfrentar as tempestades da vida: uma experiência que, mesmo no sacrifício, nos torna mais fortes.”
Papa Francisco, em mensagem escrita no Dia Mundial do Doente, em 11 de fevereiro de 2025.
Mais olho no olho
Falamos tanto sobre os benefícios que a tecnologia nos proporciona. No entanto, é preciso lembrar que ela também pode gerar vícios, afetar nossa saúde mental e comprometer o bem-estar emocional. Atento a essa realidade tão presente atualmente, papa Francisco abordou o tema com ensinamentos sobre a importância de olhar menos para as telas e mais para os olhos das pessoas. De cultivar o encontro, a escuta e o apoio mútuo. De lembrar que a vida é vivida também fora do celular. Ela é saboreada nas relações, nos gestos e na presença.
“Como eu queria que olhássemos menos as telas e nos olhássemos mais nos olhos. Rezemos para que a tecnologia não substitua as relações humanas, respeite a dignidade das pessoas e ajude a enfrentar as crises do nosso tempo […] Se gastamos mais tempo com o celular do que com as pessoas, algo não funciona. A tela nos faz esquecer que, por detrás, há pessoas reais que respiram, riem e choram. A tecnologia é fruto da inteligência que Deus nos deu. Porém, devemos usá-la bem.”
Papa Francisco, em vídeo de intenção de oração para abril de 2025 divulgado pelo Vaticano.
Envelhecimento solitário
“Não deixemos de mostrar nossa ternura aos avós e aos idosos de nossas famílias.” Com essa frase impactante, Francisco refletiu sobre o envelhecimento solitário, um momento em que, ao olhar ao redor, nos damos conta de que não há mais ninguém.
(Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil) Missa em homenagem ao papa Francisco na Catedral da Sé, em São Paulo
Com uma mensagem forte sobre viver a vida de forma comunitária, e não apenas individual, o papa nos desafia a contrapor a atitude egoísta que leva ao abandono e à solidão, com o apoio mútuo que cultivamos ao longo da vida. Seja por meio da família, dos amigos ou dos vínculos afetivos, é fundamental construir redes de apoio que nos sustentem até o fim. Ninguém precisa enfrentar a solidão, especialmente no final da vida.
“Quando se envelhece, à medida que as forças diminuem, a miragem do individualismo, a ilusão de não precisar de ninguém e de poder viver sem vínculos, revela-se o que verdadeiramente é: precisamos de tudo, mas agora sozinhos, sem ajuda, sem ninguém com quem possamos contar. É uma triste descoberta que muitos fazem quando já é demasiado tarde.”
Papa Francisco, em mensagem escrita para o 28 de julho, Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, em 2024.
‘Um altar de humanidade’
“O papa que organizou o amor com autoridade e viveu a simplicidade.” Assim a colunista da Vida Simples Jacqueline Pereira descreveu seu encontro com Francisco, um momento que marcou sua vida e que agora ressoa com ainda mais intensidade. “Sua presença não era de poder, mas de entrega. Transbordava Deus no olhar, no gesto e na palavra como quem entendeu que a grandeza mora no amor. Diante dele, não vi um trono, vi um altar de humanidade”, afirmou.
(Foto: Arquivo pessoal) Colunista da Vida Simples relata simplicidade em encontro com Francisco
Na imagem simbólica desse encontro, o papa segura um exemplar da revista Vida Simples e sorri com a frase “gente precisa de gente para ser gente”. Agora, essa mesma frase ecoa com nova força. Porque Francisco foi, acima de tudo, gente.
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