Depressão pós-férias: conheça a síndrome do desânimo do retorno
Quando as férias acabam, é comum ser invadido por uma sensação de melancolia. Saiba até que ponto é normal, e quando pode ser indício de uma algo mais grave
Ficar de férias é bom demais! Quem não gosta de acordar sem ser chamado pelo despertador, levantar e tomar café sem pressa, e passar os dias viajando, passeando, ou simplesmente de pernas pro ar?
Mas se “tudo que é bom dura pouco”, como manda o ditado popular, quando menos esperamos estamos de volta ao trabalho. Há quem consiga se adaptar fácil a essa volta, mas outros encontram dificuldades e uma certa resistência nesse momento.
O dia de retornar a rotina chega e com ele o desânimo, a tristeza e a falta de motivação. Apesar de parecer algo normal, essa síndrome pode denunciar que algo está te incomodando no ambiente profissional, e é hora de prestar atenção aos sintomas antes de desenvolver um quadro clínico mais grave.
O que é a depressão pós-férias?
A depressão pós-férias é uma condição que pode surgir quando a pessoa volta à rotina após um período de descanso. Quem nos explica melhor essa síndrome, também conhecida como “blues pós-férias”, é a psicoterapeuta Elainne Ourives.
“Essa condição ocorre, geralmente, devido a uma mudança abrupta entre o estado de relaxamento e liberdade das férias e a retomada da rotina, especialmente se o ambiente ou as atividades do trabalho são percebidos como estressantes, tensos ou causam desconforto físico e mental”, aponta a especialista.
Além disso, Elainne reforça que a depressão pós-férias pode estar vinculada a uma falta de alinhamento entre a pessoa e suas atividades diárias no serviço. A síndrome, de certa forma, mostra a insatisfação com o trabalho e com as responsabilidades.
“Esse desalinhamento pode amplificar os sentimentos de resistência e desmotivação ao retornar à rotina”, completa a psicoterapeuta.
Embora não seja formalmente reconhecida como uma condição clínica pelos manuais diagnósticos, como o DSM-5 ou a CID-11, João Borzino, médico e terapeuta, ressalta que a depressão pós-férias é um tema amplamente discutido em contextos psicológicos, socioculturais e laborais.
“É importante ressaltar que condições clínicas prévias, como depressão, pânico, ansiedade generalizada e outros, podem agravar o quadro pós-férias”, complementa o especialista.
Para Fredy Figner, psicólogo especialista em psicologia empresarial, a depressão pós-férias pode impactar significativamente o bem-estar e o desempenho no trabalho ou nos estudos, mesmo não sendo compreendida como uma síndrome psicológica oficialmente. “Quando se tem um cotidiano maçante, o retorno para a realidade pode ser deprimente”, explica.
Sintomas da depressão pós-férias
Não é difícil reconhecer quando estamos passando por um momento de depressão pós-férias. “Entre as manifestações, a pessoa pode sentir um aperto no peito, uma tristeza, uma dificuldade em levantar da cama, se arrumar, tomar banho e ir trabalhar”, explica Ana Tomazelli, psicanalista e presidente do Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas.
Segundo Ana, a pessoa tende a ficar mais nostálgica e até mesmo triste. “São comuns pensamentos de ‘não vou para a praia hoje’ ou ‘hoje eu vim para o escritório, ai que coisa horrorosa!”, exemplifica a especialista.
“A depressão se agrava principalmente quando essas férias são passadas com pessoas que amamos, sabendo que a rotina tira, atravessa ou deforma muito essa convivência”, complementa Ana. Além disso, é comum vivenciar sintomas de distúrbio do sono, distúrbio alimentares – tanto para a supressão quanto para a compulsão –, e diferentes vícios, como álcool, internet, jogos ou televisão.
O maior sentimento nessa fase, segundo a especialista, é o de frustração. “Esse sentimento aparece em pensamentos como: ‘está bom, tenho que trabalhar’. Então a pessoa trabalha, mas tenta compensar essa tensão com coisas outras que a deixam letárgica, para fugir da sensação de que queria continuar de férias.”
Como contornar esse estado
O bem-estar no trabalho – ou a falta dele – é um grande determinador de como a pessoa vai receber sua volta à rotina. Por conta disso, empregos com excesso de cobranças, pouca valorização ou um clima pesado tornam esse momento mais difícil. Nesse sentido, a liderança de empresas tem um papel fundamental para evitar esse tipo de desgaste emocional.
“Os líderes podem ajudar criando um ambiente acolhedor e incentivando uma transição suave após as férias. Isso inclui realizar check-ins individuais para entender como cada colaborador se sente, evitar sobrecarregar a equipe nos primeiros dias e delegar tarefas gradualmente”, explica Mariana Koch, psicóloga e mentora de líderes.
Segundo a profissional, promover momentos de reconexão, como reuniões leves ou compartilhamento de experiências das férias, também é importante para aliviar o peso da volta.
Além disso, cada um deve cuidar do próprio bem-estar durante as férias para diminuir esses sentimentos. O ideal, para Mariana, é aproveitar as férias de forma equilibrada, mesclando momentos de lazer ativo com períodos de verdadeiro descanso.
“É importante tentar se desconectar totalmente do trabalho, evitando responder e-mails ou ficar constantemente ligado nas demandas. Outra dica é deixar os últimos dias das férias para uma transição tranquila, organizando os pensamentos e criando uma rotina para a volta”, sugere a especialista.
Assim, o retorno se torna mais gradual e menos brusco, permitindo que a readaptação seja mais fácil e com menos potencial danoso.
Se atente e peça ajuda!
Apesar de ser um quadro comum, é preciso se atentar para quando a síndrome indica o começo de uma depressão clínica. “Tudo que aparece como sintoma esporádico pode se transformar ou já pode ser um indicativo de um quadro crônico”, pontua Ana.
A psicanalista frisa que é importante entender o que causa essas emoções na volta: “Observar se essa sensação pós-férias acontece também no domingo à noite, por exemplo. Ou se a pessoa chega, inclusive, a ficar feliz quando fica doente, pega um atestado e não precisa ir trabalhar. Isso tudo junto vai contar uma história, uma narrativa.”
De acordo com João Borzino, embora a maioria dos indivíduos experimente a depressão pós-férias como um estado transitório, em casos extremos ela pode atuar como um gatilho para condições mais graves.
“Estudos mostram que pessoas com histórico de transtornos de humor ou altos níveis de estresse ocupacional são mais vulneráveis a essa evolução. Um estudo publicado pelo Journal of Occupational Health Psychology, por exemplo, indicou que cerca de 20% dos trabalhadores relatam sintomas que persistem por mais de duas semanas após o retorno à rotina”, complementa o médico.
Nesse sentido, vale prestar atenção na frequência, intensidade e profundidade com que os sintomas aparecem. Se você identificar um padrão, vale a pena pedir ajuda a um profissional.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login