Em tempos acelerados, muitas vezes sentimos que estamos apenas reagindo – aos alertas do celular, às demandas do dia, aos ruídos do mundo. A mente salta de uma preocupação para outra sem pausas, enquanto o corpo segue em modo automático. Nesse ritmo, é fácil se desconectar de si.
É nesse cenário que a arteterapia ganha espaço como um caminho de cuidado e reconexão. Por meio da expressão artística, ela oferece um meio de acessar emoções, aliviar tensões e reencontrar a presença. Pintar, bordar, modelar, desenhar – tudo isso pode funcionar como um portal para o autoconhecimento e o equilíbrio. E entre essas práticas, a cerâmica se destaca por seu poder de trazer o corpo e a mente para o momento presente.
Uma forma de cura na cerâmica
Essa descoberta veio de forma inesperada para a ceramista Flavia Pircher, após um acidente que a deixou com a mão imobilizada por sete meses. “Ações simples como segurar um copo ou abrir uma maçaneta não eram mais possíveis. Conforme fui produzindo peças em argila, exercitando músculos que nem lembramos que existem, a força foi voltando e junto com eles, minha autonomia”, detalha.
Foi no ritmo lento de se envolver com o barro que ela encontrou um caminho de cura física e emocional. Mais do que uma atividade criativa, ofícios manuais como a cerâmica têm se mostrado verdadeiros refúgios em um mundo hiperconectado. Não se trata apenas de fazer arte, mas de se mostrar e estar presente.
Para a psicóloga Maria Aparecida das Neves, práticas como essa são eficazes no combate à ansiedade e ao estresse justamente porque nos obrigam a desacelerar e prestar atenção. “A mente é conduzida ao momento atual, o que reduz a ruminação e traz bem-estar. O contato com a argila ativa o tato, a criatividade e a atenção plena. A prática nos insere em um fluxo que acalma”, explica.
Corpo atento, mente em descanso
Esse “fluxo”, como define a psicologia, é o estado em que estamos totalmente absorvidos por uma tarefa. Não sobra espaço para pensar no e-mail que precisa ser respondido ou no problema sem solução.
O que existe é só aquele gesto: o dedo que pressiona, a curva que se forma, a peça que ganha corpo. “Há estudos que mostram que grande parte do nosso cérebro é dedicada ao movimento das mãos. Ao usá-las com intenção e paciência, criamos novas conexões neurais, melhoramos a coordenação, regulamos emoções. É um estímulo cognitivo e emocional ao mesmo tempo”, conta Maria.
Além disso, o uso das mãos para moldar a argila pode melhorar a flexibilidade e o domínio motor. “A pessoa pode explorar e exercer sua própria criatividade, expressar emoções de forma não verbal, como em qualquer atividade artística, o que ajuda a se conhecer melhor e a desenvolver uma maior consciência emocional”, afirma Flavia.
Se atente nos detalhes
E isso vale mesmo quando a peça não sai como o esperado. Um vaso torto, uma borda falha, uma rachadura – tudo pode ser ressignificado. “A frustração faz parte do processo. Aprender a aceitá-la com leveza é um exercício emocional valioso”, diz a psicóloga.
Essa entrega, aliás, é uma das lições mais profundas que a cerâmica pode ensinar. Ela desafia nossa própria pressa. “O artesanato em cerâmica pode ser uma maneira eficaz de relaxar e estimular o hábito de dar tempo ao tempo, como dizemos, pois pode levar dias para secar e passar por todas as etapas que são necessárias para que a peça esteja finalizada”, pondera Flavia.
Nesse compasso mais lento, surgem espaços para o silêncio, para o respiro e até mesmo para o autoconhecimento. “Trabalhar com cerâmica é também uma forma de autocuidado. Se você reserva aquele tempo para se dedicar a uma atividade que você gosta, você prioriza seu bem-estar emocional”, diz.
Além do efeito terapêutico individual, há ainda a potência coletiva dessa prática. Aulas e oficinas de cerâmica são espaços de troca, pertencimento e acolhimento — o oposto da solidão que tantas vezes marca a vida digital. É o que Flavia sugere ao ter criado um canal no Youtube com foco em cerâmica.
“Ao participar de aulas ou grupos de cerâmica, cria-se oportunidade de conhecer outras pessoas com interesses semelhantes, compartilhar experiências, ideias e técnicas com outros entusiastas da cerâmica, o que estimula o senso de comunidade e pertencimento.”
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login