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    Saiba como ter uma alimentação ecológica e sustentável
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    Anos atrás, o chef dinamarquês René Redzepi organizou, em um prado selvagem a alguns quilômetros de Copenhague, sua terra natal, um evento pequeno (cerca de 200 pessoas) e discreto para falar de comida e sustentabilidade.

    Batizado de MAD Foodcamp (MAD, em dinamarquês , significa comida), o fórum ocorreu em um esquema de acampamento e reuniu produtores locais, fazendeiros, gastrônomos e chefs renomados do mundo todo para discutir os rumos da alimentação e da gastronomia nesses tempos de comida super processada, globalizada e quimicamente alterada.

    A reunião poderia passar despercebida pelos noticiários da imprensa e pela maioria das pessoas comuns que não têm relação direta com o tema. Mas chamou atenção justamente por ter Redzepi por trás de sua organização. Ele é o chef e proprietário do restaurante Noma, considerado pela revista inglesa Restaurant, a mais conceituada no ramo, o melhor do mundo.

    Ter o chef número 1 do mundo envolvido com a sustentabilidade na alimentação em uma época em que a gastronomia está cada vez mais em alta torna a questão tanto mais visível e representativa. E mostra como discutir novos meios e processos em torno daquilo que comemos se tornou urgente. 

    Alimentação e ESG

    Redzepi sabe disso. Em artigo ao jornal e Guardian, da Inglaterra, ele escreveu que “não existe conflito entre uma refeição melhor e um mundo melhor”. “Precisamos aprender muito mais sobre as questões que são críticas para o mundo hoje: a história da culinária, a relação entre a comida e os sistemas de fornecimento de alimentos, a sustentabilidade e a relevância social de como comemos”, tascou ele.

    Ao criar menus com ingredientes exclusivamente retirados da sua região e organizar um simpósio no meio do nada para discutir a origem dos alimentos, o chef quer se tornar um dos líderes de um movimento que (talvez nem ele mesmo saiba a verdadeira dimensão) envolve muito mais do que aquilo que colocamos ou não no prato. Segundo estudiosos e ambientalistas, a alimentação é um dos primeiros e mais acessíveis passos para fazermos uma verdadeira revolução sustentável. E isso tudo começa na sua mesa.

    Comer é um ato muito pessoal e particular – íntimo até, se lembrarmos que tudo aquilo que ingerimos é o que vai constituir nosso corpo, nossas células, nossos neurônios. Mas, ao mesmo tempo, esse ato tão pessoal tem um grande impacto coletivo. Imagine que você vai a um restaurante e pede pelo prato do dia: arroz, legumes grelhados e bife.

    Impacto ecológico

    Cada um desses alimentos possui uma cadeia produtiva: consumo de água, uso do solo (mesmo no caso da vaca, que come o pasto), geração de empregos, biodiversidade, emissão de gases do efeito estufa… Uma infinidade de relações que envolvem desde questões ambientais (pegada de carbono, recursos hídricos) a sociais (trabalho adequado, pagamento justo). Tudo isso é afetado por aquela simples refeição. Imagine agora o impacto que teriam as refeições de 7 bilhões de pessoas do mundo que se alimentam por 365 dias (e aqui vamos fingir um mundo ideal em que não existe fome). 

    Claro que outras coisas que fazemos – viajar de avião, comprar um notebook, usar sacolas plásticas – podem ter um impacto maior no meio ambiente que um só prato de comida. “Mas quantas vezes compramos um notebook novo? Ou andamos de avião? No entanto, comemos todo dia, mais do que duas ou três vezes”, afirma o coordenador de meio ambiente e sustentabilidade do Centro Universitário Senac, Alcir Vilela Jr.

    Portanto, a refeição é uma das formas mais tangíveis de alcançar muitos dos conceitos da sustentabilidade. “Ela leva ao extremo o pensamento do ‘aja localmente e pense globalmente’, porque realmente consegue ter uma enorme influência na nossa vida e impactar nosso planeta”, complementa.

    É preciso, portanto, pensar em outras formas de nos relacionarmos com aquilo que comemos. E isso começa com uma maior conscientização sobre nossa alimentação. “Mais conhecimentos não apenas nos tornam mais responsáveis como também podem nos tornar mais criativos, mais socialmente engajados, com um novo entendimento para considerar o contexto cultural, histórico, social e científico do alimento que cozinhamos ou comemos todos os dias”, afirma o chef René Redzepi.

    Bom, limpo e justo

    A conscientização tem a ver com a escolha do que você come. E hoje, numa era em que temos cada vez mais opções para tudo (basta olhar a prateleira de um supermercado), não conseguimos efetivamente escolher aquilo que comemos. Claro que, diante de um cardápio, você pode escolher o que deseja. Mas seu poder de seleção para por aí.

    Quer ver como? Voltemos ao exemplo do prato de arroz com legumes e bife. Se você não quiser mais o bife, por exemplo, pode pedir um frango, um peixe. Mas não pode de fato escolher de onde quer que esse peixe venha, que tipo de cuidados ele tenha tido.

    É um contrassenso que possamos optar pela origem de um aparelho celular, mas não do que comemos. Aceitamos o que é colocado em nosso prato sem maiores questionamentos, desconhecemos o processo de produção do que ingerimos”, afirma o ambientalista Georges Schneyder, um dos idealizadores da Carta de São Paulo, documento criado em 2010 no Brasil que prega alguns preceitos de uma gastronomia mais sustentável.

    Para mudar isso, precisamos de uma revolução – que começa, como qualquer outra, com mais conhecimento. E conhecer o alimento em todos os seus processos: ele precisa ser saudável, saboroso, rico em nutrientes; sua produção não deve destruir o ecossistema, não pode prejudicar a fertilidade do solo e deve ser econômica e socialmente justa, com a valorização de quem trabalha para produzi-lo.

    Slow Food

    Esses, aliás, são os mandamentos do movimento Slow Food, criado pelo italiano Carlo Petrini no fim dos anos 80. Muito antes das iniciativas de chefs como René Redzepi, o movimento foi um dos primeiros a discutir mais efetivamente o que se cunhou como ecogastronomia, conjugando a alimentação com consciência e responsabilidade, primando pelas conexões entre o prato e o planeta.

    “O Slow Food foi pioneiro ao colocar o debate em uma dimensão maior, política”, afirma o crítico gastronômico Josimar Melo. Em resposta ao consumo massificado e à agricultura industrializada que passou a dominar o mundo a partir da década de 60, com a globalização dos fertilizantes e da comida industrializada, Petrini propõe a tranquilidade (o conceito “slow”) para fazermos nossas escolhas alimentares conscientes, para conhecermos os processos da natureza, as tradições do lugar onde vivemos.

    Prezarmos, tal qual nossos avós, por uma maior relação com a terra, com o cultivo e com os alimentos.

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    Direto da terra

    A família Dervaes resolveu seguir à risca esse princípio. Moradores de Pasadena, na Califórnia, eles criaram um sítio urbano de cerca de 350 m onde cultivam 400 tipos de vegetais, além de manterem a criação de animais como galinhas e cabras e a produção de ovos, leite e mel. A ideia surgiu do pai, Jules Dervaes, que queria viver de maneira mais simples e contou com o apoio dos filhos Justin, Anaïs e Jordanne para a empreitada.

    Mais que fazer o projeto render, literalmente, frutos (eles produzem cerca de 3 toneladas de alimentos orgânicos por ano), ele resolveu transformar sua experiência num panfleto em prol de uma agricultura de subsistência nesses tempos de plantações a perder de vista.

    A história da família se tornou conhecida graças a um documentário dirigido por Jules chamado Homegrow Revolution, que mostra o estilo de vida adotado pela família. No filme, ele conta que essa é a única forma de conseguir alimentos 100% limpos, sem fertilizantes ou agrotóxicos. 

    Sistemas sustentáveis

    A radicalização de Jules, assim como a de um grupo crescente de pessoas, tem a ver com um sistema de produção de alimentos que se mostra a cada dia mais agonizante. As monoculturas que ocupam os hectares de plantações exigem enormes quantidades de fertilizantes e pesticidas. As plantas, fertilizadas, crescem mais rápido, o que não permite que desenvolvam raízes longas nem que acumulem nutrientes além daqueles que são fornecidos pelo fertilizante.

    Isso tem tornado nossos alimentos menos nutritivos – hoje é preciso comer cerca de três maçãs, por exemplo, para ingerir a mesma quantidade de nutrientes que uma maçã fornecia há alguns anos. Fora isso, há o consumo de agrotóxicos, que deixam resíduos nos alimentos e podem causar intoxicação – em nós e nos animais que os comem.

    E o Brasil é hoje o país com o maior consumo de agrotóxicos do mundo, passando até os EUA. “Até os alimentos que são notadamente conhecidos como saudáveis, como as frutas e verduras, já representam perigo para nossa saúde, por causa desse sistema industrial a que estamos submetidos. Nossa saída foi não fazer parte disso, produzir tudo o que podemos e garantir a procedência de tudo o que usamos”, afirma o pai dos Dervaes. 

    Mais variedades

    Mas mais do que somente garantir a nossa saúde, a interação com o cultivo pode ser social e ambientalmente transformadora. E você não precisa, como os Dervaes, só comer aquilo que produz. Existem maneiras de se aproximar da terra – e, assim, garantir a procedência do que você leva à mesa – através de iniciativas como as novas fazendas de “colha e pague” (que consistem em cooperativas de agricultores que permitem que você retire da terra os alimentos que quiser e pague por eles, sem precisar ter um terreno para cultivá-los) ou a de produtores locais.

    Essa interação, em plena era do agrobusiness, pode ajudar que pequenos fazendeiros sobrevivam financeiramente. Eles também podem representar um pequeno passo contra o declínio da biodiversidade, que não só ameaça o meio ambiente mas também explica por que é tão difícil encontrar um tomate que tenha o mesmo gosto daqueles que comíamos na infância”, diz o engajado chef René Redzepi. 

    Em favor do salmão que reina absoluto nos cardápios dos restaurantes (principalmente japoneses) e da alface americana que acompanha o hambúrguer, queijo e molho especial ao redor do mundo, o pargo, o tambaqui e a alface mimosa, por exemplo, perderam espaço na produção.

    Desequilíbrio no ecossistema

    Alguns deles, inclusive, correm o risco de sumir do mapa não por serem explorados demais, mas de menos, como a castanha de baru e o caranguejo aratu, no Brasil. Daí a massificação da produção acaba com todo o equilíbrio da natureza. “O bacalhau, por exemplo, é um peixe que estará rapidamente extinto se não nos conscientizarmos. Temos que aprender a usar nossas águas. Trocar o bacalhau da Páscoa por um bom pirarucu salgado criado em cativeiro é exemplo da valorização de uma gastronomia local”, pontua o chef Julien Mercier.

    O gado passa por um problema de massificação semelhante. Nos países desenvolvidos, a carne vem das fazendas de confinamento, onde os bois permanecem comendo ração à base de milho e soja, que são mais calóricas que o capim, a dieta habitual desses animais.

    Para dar conta de produzir uma quantidade enorme de carne bovina, a ração faz com que eles engordem rápido, mas causa uma série de problemas digestivos nesses animais, que podem levá-los a morte. No Brasil, o problema é outro. Aqui, 94% do nosso gado vive em pastos.

    Destruição das florestas

    A questão é que nossos pastos são formados a partir do desmatamento da Amazônia e do cerrado, acabando com muitas espécies e levando o Brasil ao quinto lugar no ranking das maiores emissões de carbono no mundo. Mesmo assim, o consumo de carne, aqui e no mundo, só aumenta, o que agrava a questão. Parar de criar gado não é uma opção viável. A solução, então, é diminuir a demanda por essa carne e encontrar saídas para esse tipo de criação.

    Há algum tempo, tem ganhado visibilidade o movimento chamado de semivegetarianismo, que prega diminuir o consumo de proteína animal sem a necessidade de aboli-la totalmente. Além de chefs engajados já terem diminuído a quantidade de carne nas receitas, a questão vem sendo adotada como bandeira por uma alimentação mais sustentável.

    A Secretaria do Verde e Meio Ambiente da prefeitura de São Paulo tratou de endossar, em parceria com a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), a campanha Segunda Sem Carne, já difundida em países como EUA e Inglaterra, que prega o não consumo de proteína animal nesse dia. A proposta é que, ao diminuir a quantidade de carne que consome, a pessoa possa ajudar a reduzir os impactos que a criação tem sobre o meio ambiente, a saúde humana e os animais.

    Uso total

    O italiano Dario Cecchini, açougueiro artesanal da pequena cidade de Panzano in Chianti, na Itália, e um dos maiores especialistas em carne do mundo, acredita que a melhor saída é o não desperdício. Ele defende que muitas vezes mata-se um animal para comer apenas as que são consideradas suas carnes mais nobres, e o resto é descartado.

    “Aprendi que é um ato de respeito com o animal que foi morto aproveitar toda a carne”, afirma ele, que vem de uma família de açougueiros. “No meu restaurante, servimos um Menu da Vaca Inteira, que leva um desenho do animal e mostra que aproveitamos toda sua carne, sem desperdícios.”

    Baseado nesse princípio, tem ganhado espaço a prática do cowpooling, em que vizinhos se juntam e compram um boi ou um porco inteiro, direto da fazenda de produtores locais, e partilham os cortes da carne, com a chance de não apenas ficarem com a picanha, mas também com o rabo e a orelha, e criar receitas novas com eles. Nos EUA, a ONG Meatshare ajuda os mais de 2,6 mil cadastrados a fazer a compra de carnes coletivas. No Brasil, cidades do interior, como Dois Irmãos (RS), já aderiram à prática. 

    Reaproveitamento

    O uso integral dos alimentos é, talvez, a espinha dorsal desse debate. É importante lembrar que, para produzir mais, também é necessário gastar mais insumos, mais energia, mais água, que também serão desperdiçados, em vão, caso esse alimento não cumpra sua função.

    “Vivemos num mundo onde quem dita as regras é o consumo, e ele pressupõe o desperdício. As pessoas foram educadas a jogar fora”, afirma Carlo Petrini. É uma lógica absurda, se levarmos em conta que, no Brasil, enquanto 39 milhões de quilos de alimentos são jogados fora todos os dias, mais de 50 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar.

    “Essa quantidade daria para alimentar 19 milhões de pessoas com as três refeições básicas diariamente”, afirma Luciana Quintão, presidente da ONG Banco de Alimentos. Caminhamos para um planeta que baterá os 10 bilhões de habitantes até 2100, segundo as estimativas.

    E, ao contrário do que se fala, não existe falta de alimentos no Brasil (produzimos 127% de nossas necessidades) nem no mundo. “O que existe é pobreza, é falta de acesso aos alimentos. Poupar e usar o alimento integralmente é uma questão de consciência, o que promoverá sustentabilidade e um mundo mais justo e eficiente, portanto é uma mudança importantíssima”, defende ela.

    Na próxima vez que você se sentar para comer, pense nisso. Você está com a faca e o garfo nas mãos – as armas necessárias para começar essa revolução.

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