Eles não nasceram aqui, mas escolheram o Brasil para viver
Brasileiros pelo mundo não é algo tão raro de se encontrar, há um pouco do nosso país em cada continente. Mas você já se perguntou quem são estrangeiros que escolheram o Brasil para viver? Vida Simples conversou com alguns deles e compartilhamos, a seguir, aprendizados que tiveram ao optar pelo solo brasileiro para construir seus lares.
Você provavelmente tem um amigo, conhece alguém ou já ouviu falar de alguma pessoa que decidiu sair do Brasil para viver em outro país ou continente. De acordo com os dados do Itamaraty relacionados ao ano de 2020, são mais de dois milhões de brasileiros vivendo na América do Norte, 1,3 milhão na Europa, 227 mil na Ásia, 25 mil na África, 56 mil no Oriente Médio, 9 mil na América Central e quase 590 mil na América do Sul.
Mas, não é sobre isso que gostaríamos de falar nesse texto, apesar da introdução para entender o perfil do nosso povo espalhado pelo mundo. Queremos fazer o caminho inverso e entender quem são as pessoas de fora que decidiram vir ao Brasil para morar. Afinal, quais foram suas motivações, primeiras impressões sobre o país e os choques culturais aqui vivenciados?
Sabemos como o mundo é grande, por isso nos limitamos a contar a história de três pessoas que vieram da Alemanha, Congo e Bélgica, países localizados em continentes diferentes e com histórias diversas, mas que se cruzam. São pequenos recortes que nos dão um pouco da dimensão da diversidade de pessoas estrangeiras no Brasil. Em nossas conversas, elas nos trouxeram importantes apontamentos sobre a vida, as diferenças e as percepções sobre o Brasil.
Leia a seguir e, se tiver uma história semelhante a deles, que tal compartilhar conosco um pouco dos seus aprendizados aqui nos comentários?
Temperos turcos no Rio de Janeiro
Irem Baykal é alemã, filha de pais turcos, que mora no Brasil há cerca de um ano, embora já tenha uma relação com o país desde 2018, quando passou dois semestres em um intercâmbio universitário na Universidade Federal do Ceará (UFC) em Fortaleza. Agora, formada e trabalhando como nômade digital, Irem decidiu voltar ao país e explorar outras regiões, culturas, modos de vida e explorar a diversidade pelos estados.
“Quando eu cheguei aqui eu não falava português, mas já senti que as pessoas são calorosas, me senti muito confortável”, explicou a alemã, que decidiu vir para o Brasil porque gostaria não só de aprender o idioma, mas também porque precisava cursar um período em uma universidade internacional e achou boa a ideia de vir para a América Latina.
Depois de todo o período de estudos, Irem voltou para sua cidade natal, onde obteve seu diploma de graduação e decidiu cursar um mestrado entre Portugal e o Rio de Janeiro, em uma parceria entre as universidades que possibilitava uma vivência nos dois países ao longo da pós-graduação. Insatisfeita com o programa de estudos, Irem decidiu largar o mestrado e voltar para Fortaleza, que considera como a sua “segunda casa”. “Eu encontrei um apartamento duas semanas antes do meu voo”, brinca Irem durante a entrevista.
Apesar de ser bem acolhida e elogiar o calor dos brasileiros, isso não foi uma surpresa para a administradora, que sempre percebeu isso na cultura turca e nas semelhanças entre a Turquia e o Brasil, pelo menos em relação ao comportamentos da população e à receptividade.
Algo diferente acontece na Alemanha, já que Irem, por ser filha de imigrantes, nem sempre é vista com bons olhos ou reconhecida como uma cidadã nativa do país, seja pela sua cor de pele ou pelas origens de outra etnia. Ela conta que perguntas como “mas você é de onde, realmente?” acabam sendo comuns em conversas do cotidiano, o que nem sempre é feito com maldade, mas pela crença estereotipada de que pessoas alemãs não podem ser negras ou descendentes de outros povos.
O que a impressionou no Brasil? A alemã decidiu se tornar vegetariana depois de se assustar com o consumo de carne por aqui, mas adora a forma como a juventude preserva a cultura local e mantém as raízes ao longo das gerações. “No Nordeste, todo mundo gosta de forró, aqui no Rio, todos os jovens amam o samba”, explica Irem, que apesar de serem gêneros musicais de outra época, foram ressignificados, mas com as raízes mantidas, e faz parte do cotidiano e das festas.
Hoje, Irem vive no Rio de Janeiro, onde pretende ficar até março ou maio – a depender do seu visto de nômade digital – , período em que voltará para Portugal. Mas, seu futuro é indefinido, isso porque aprendeu a gostar do Brasil e onde até encontrou temperos turcos em um mercado do Rio utilizados tradicionalmente pela mãe nas comidas típicas.
“Eu agradeço muito ao Brasil por me receber assim, onde posso me sentir em casa. Tenho um privilégio de morar aqui, de aprender esse idioma lindo, maravilhoso“, explica Irem, que sente falta do feijão verde e das pessoas que deixou em Fortaleza.
Foto: Arquivo pessoal / Instagram
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Da Bélgica até Macaé
William Finnerty nasceu na Bélgica, mas logo foi introduzido a um misto de culturas e línguas que se cruzaram ao longo do seu crescimento. Apesar da mãe ser belga, William é filho de pai estadunidense e o inglês é um dos idiomas nativos do professor, que se formou originalmente em História, mas decidiu vir para o Brasil dar aulas de francês e inglês.
Sua relação com o país começou ainda no final do século XX, em uma época onde a internet era limitada a poucas pessoas e nem sonhávamos que existiriam computadores portáveis e celulares que cabem no bolso em que podemos nos comunicar com qualquer pessoa do mundo.
A insatisfação com o trabalho e crise na sua relação depois de um divórcio fizeram com que William recomeçasse a sua vida em um outro país. O recomeço, aliás, é onde nos reinventamos e damos corpo a uma outra personalidade.
Como nada é por acaso, William estendeu uma viagem de trabalho ao Brasil para conhecer Manaus, Foz do Iguaçu, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, cidades que conservam modos de vida e culturas diferentes, e deram um gostinho do que seria o Brasil a um estrangeiro que vivia em um país menor do que a extensão do estado do Espírito Santo.
Aqui, conheceu uma mulher, por quem se apaixonou e se tornou a sua esposa até 2012, ano em que foi vítima de um acidente, uma perda dolorosa para William, que ficou cuidando dos três filhos do casal.
Suas inspirações para escolher o Brasil como lar partiram especialmente da vontade de viver em um lugar onde não fosse tão privilegiado, que pudesse conviver com a maioria da população local, entender suas dores, problemas e vivências, sem ambições ou toda a qualidade de vida oferecida pela Europa Ocidental, famosa pelos bons índices na educação, saúde e mobilidade urbana.
Viver no Brasil, para William, foi uma escolha acertada para o belga, que visitou mais de 60 países, mas entendeu que seu lugar, pelo menos a partir daquele momento, seria aqui, mais especificamente em Macaé, cidade no litoral do estado do Rio de Janeiro e onde vive até hoje.
Foto: Arquivo pessoal
Um restaurante vegano de comida congolesa em São Paulo
Pitchou Luambo é um refugiado no Brasil vindo da República Democrática do Congo, país localizado na África Central e que vive, até hoje, disputas étnicas e questões políticas ainda presentes desde o fim da colonização belga na região.
Com a ajuda de sua filha, Marie Luambo, o cozinheiro abriu as portas do Congolinária, um restaurante de comida vegana localizado na cidade de São Paulo e que promove rodízios com as comidas típicas do país.
Formado em Direito, mas impedido de exercer a profissão no Brasil, Pitchou atuava no Congo como um ativista político e lutava para denunciar os estupros cometidos por integrantes do exército, além da violência sofrida pelos povos nativos imersos nas disputas armadas por território. Por se expor a um trabalho que exigia conflitos de interesses políticos, Luambo precisou fugir do país e se tornou um refugiado na cidade de São Paulo.
Na capital paulista, Pitchou fundou o Grist (Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem Teto) para promover a integração e organização de refugiados de diferentes nacionalidades. Em 2016, Luambo decidiu fundar o Congolinária, privilegiando ingredientes naturais ao invés de industrializados, sem pretensões de veganizar os pratos típicos da África, mas sim de privilegiar os vegetais e as plantas tradicionalmente utilizados nos pratos tradicionais do país.
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