Inclusão de pessoas com deficiência: conheça o Projeto Keller
Preconceito, dificuldades para conseguir emprego, falta de acessibilidade em ambientes públicos e privados, cidades pouco inclusivas. Esses são alguns dos problemas e estigmas enfrentados por pessoas com deficiência (PcD) no Brasil, especialmente em lugares que prezam pouco pela diversidade e presença de corpos fora do padrão. Para viabilizar e potencializar a inclusão de PcD na sociedade, o Projeto Keller, uma iniciativa de estudantes em Goiânia, surgiu como um aliado nessas lutas.
Pare alguns segundos do seu dia se faça as seguintes perguntas junto comigo. Quantas pessoas cadeirantes eu vi na cidade hoje? Quantos deficientes auditivos ou visuais encontrei no shopping? Quantos professores e colegas de trabalho PcD eu tenho? E na escola do meu filho?
São muitos questionamentos que precisam ser feitos em relação às pessoas com deficiência no Brasil e podemos chegar a algumas respostas que podem soar ingênuas como, “bem, se eu não as vejo é porque não existem ou estão em menor número no país”.
Mas não é bem por esse caminho, segundo um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado neste ano com dados referentes a 2019. São 17,2 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, ou 8,4% de toda a população. Os maiores números são os de deficientes físicos (membros inferiores), com 7,8 milhões de pessoas, deficientes visuais (7 milhões) e deficientes físicos (membros superiores), com 5,4 milhões.
Por outro lado, a taxa de PcD que participam do mercado de trabalho é apenas de 28,3%, muito abaixo do encontrado em pessoas sem deficiência, que era de 66,3%. Para se ter uma dimensão, os dados mostram que a cada dez pessoas com deficiência que buscaram emprego, apenas três delas foram admitidas. Muitos recorrem, então, ao trabalho informal e a outras formas de subsistência que estão fora da legislação trabalhista, implicando a perda de questões fundamentais como direito a férias, FGTS e outros benefícios.
Ações para a transformação social
No meio dessas lutas, há aliados e ativistas que defendem a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas, universidades e locais de trabalho. Foi com esse pensamento que nasceu o Projeto Keller, uma iniciativa dos estudantes Daniel Castelo Branco, que possui deficiência auditiva, e Adhara Rahal, que na época buscava pesquisar e entender melhor sobre os assuntos relacionados à luta pela inclusão.
O nome “Projeto Keller” é inspirado na conferencista e ativista social norte-americana Helen Keller. Helen ficou cega-surda aos 18 meses de idade, mas com a ajuda da educadora Anne Sullivan, ela própria uma pessoa com deficiência visual, foi capaz de aprender a conexão entre objetos e palavras. Em 1904, Keller graduou-se bacharel em filosofia, tornando-se a primeira pessoa surdo-cega da história a conquistar um bacharelado.
Com essa trajetória, o PK (como também é chamado), busca viabilizar a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade, focado especialmente na área da educação, e que almeja uma abrangência nacional, especialmente estimulando disciplinas como Libras nos currículos dos estudantes. “Procuramos estruturar estas parcerias, no começo, por meio de professores que possam ser voluntários. Primeiramente, buscando nas próprias escolas/faculdades da equipe do PK“, explica Clara Couto, uma das voluntárias do projeto e diretora de Parcerias.
A partir daí, os profissionais podem ter um contato direto com a equipe do projeto ou auxiliar em outras frentes, como a busca de novas parcerias e de professores que atuam na área de diversidade e inclusão, como a linguagem de sinais. Adhara Rahal, cofundadora da iniciativa, explica que a busca é muito centrada nas afinidades e princípios do projeto, “mandamos mensagens explicando nossa história e os objetivos de nosso projeto e, com isso, expandimos nosso networking para além das fronteiras físicas de nossa cidade“. Atualmente, uma das parceriais é um post produzido por uma das voluntárias com o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).
Inclusão
Apesar da inclusão de pessoas com deficiência nas escolas, universidades e locais de trabalho ter crescido, especialmente por causa da aprovação de lei e legislações que obrigam a contratação ou cotas nos processos de seleção, há ainda um longo caminho a ser percorrido. Como mostramos no início desta matéria, 7 em cada 3 PcD ainda estão fora de empregos formais, e apenas 5% deles possuem nível superior completo, segundo a pesquisa, e 16% com ensino médio, um número que destoa da média geral da população brasileira.
“Muitas vezes os próprios PcD se excluem, ou por falta de conhecimento ou por vergonha/medo de não se sentir pertencente. Muitos desconhecem os próprios direitos e estes fatos acabam por frear o avanço da conscientização”, explica Adhara Rahal.
Para ela, é fundamental que haja investimentos e iniciativas que potencializem a diversidade de corpos e pessoas em um país tão plural como o nosso, “é justamente a diferença entre todas as pessoas que permite a riqueza cultural e histórica do homem”, acrescenta.
Alinhado com quatro Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), o PK defende e advoga por uma educação de qualidade, inclusiva e equitativa (ODS 4), conecta empresas e candidatos PcD viabilizando a inclusão delas no mercado de trabalho (ODS 8), além de buscar a redução das desigualdades sociais (ODS 10) e abertura para parcerias e ações coletivas junto a outras instituições do país e do mundo (ODS 17).
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Organização
Com uma atuação 100% remota, o PK conecta estudantes e professores de todo o país interessados na inclusão, desenvolvimento de práticas e saberes coletivos focados na acessibilidade a todas as pessoas. “Existem algumas exceções, pois alguns voluntários moram no mesmo estado e se conhecem pessoalmente, mas em contrapartida, temos pessoas da equipe que residem em outros países. Por conta dessa distância física, tentamos ao máximo criar uma conexão/laço entre os participantes por meio de eventos de integração“, explica Clara Couto.
Adhara esclarece que a maioria das conexões são feitas via WhatsApp ou e-mail, além de reuniões com cada equipe do projeto responsável por dar andamento às demandas e necessidades apresentadas para a expansão e apoio às iniciativas de inclusão. Entre os desafios, a cofundadora argumenta que a dificuldade de aceitação de algumas escolas com o projeto é algo que gera desgaste e dúvidas dos profissionais sobre a sua execução.
Ainda assim, o PK possui pouco mais de 1,2 mil seguidores no Instagram e atuação em nove estados do país e nos Estados Unidos, sendo uma de suas metas também expandir parcerias com organizações e escolas fora do Brasil. Hoje, as redes sociais são a principal ferramenta de divulgação da iniciativa e dos conteúdos produzidos pelas equipes, “por meio dos nossos posts e stories, compartilhamos informações acerca da causa, e já recebemos vários feedbacks de pessoas que abriram sua mente e saíram de sua bolha pra entender melhor o grande espectro que é a questão de inclusão e acessibilidade das pessoas com deficiência”, conta Júlia Miranda, voluntária e vice-diretora de Design.
Para as voluntárias do projeto, a iniciativa é uma possibilidade de construção de um outro mundo possível, mais inclusivo, aberto à diversidade e que se propõe a criar ambientes acolhedores e empáticos.
“É possível dizer que o impacto social do projeto vem crescendo cada dia mais, principalmente se pensarmos que ele é ainda muito recente, mas sobretudo ao analisarmos que vários jovens tem se preocupado com a temática central proposta pelo PK”, justifica Adhara.
Para Clara Couto, unir acesso à educação e ao mercado de trabalho com diversidade e inclusão é uma experiência transformadora e necessária na vida de alguém. “A educação é uma pauta muito importante pra mim e juntamente com a causa PcD, que não é tão discutida atualmente, o PK vem a ser um projeto com bastante potencial”, afirma. Já Júlia Miranda conta que o projeto ajudou a expandir seus horizontes e a ter um olhar mais questionador, “uma das coisas que acho mais interessante sobre o Keller é que eu mesma consegui entender mais. Entrando num projeto social você acaba expandindo seu conhecimento. Principalmente por termos pessoas com deficiência na própria equipe do PK“, finaliza.
Como participar ou apoiar o projeto?
Todos os dias inúmeras situações ocorrem no Brasil e no mundo, as quais não temos total controle sobre. O PK se apresenta como uma oportunidade de “colocar a mão na massa” e trabalhar junto com jovens visionários e criativos a fim de modificar positivamente uma causa.
Para participar ou apoiar o projeto, você pode entrar em contato com as principais redes do PK, como o e-mail: [email protected] ou o Instagram (@projetokeller).
https://www.instagram.com/p/CiDJZJEOzQ-/
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