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Estereótipos marcam a vivência de pessoas amarelas no Brasil
Preconceito contra pessoas amarelas se manifesta de forma sutil, mas continua sendo violência e racismo. Prostock-Studio/ Getty Images
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Descendente de japoneses, a psicóloga Denise Harumi, 31 anos, cresceu em Ibiúna, interior de São Paulo. Na época de sua infância, a cidade tinha uma estabelecida comunidade nipo-brasileira, e lá ela não sofria discriminação.

Entretanto, na adolescência, ao mudar de cidade para estudar, o preconceito se tornou evidente em sua rotina. “Uma das primeiras situações foi quando me perguntaram se eu sabia falar português e, claro que sim, é minha língua materna”, lembra.

Filha de chineses, atriz e escritora Lian Tai, 42 anos, foi criada em Goiânia, capital do estado de Goiás, e teve uma infância diferente de Denise. Enquanto crescia, teve pouco contato com outras pessoas amarelas.

Na escola, não havia outra criança com ascendência asiática. Tanto nesse período, como nos anos seguintes, ela teve que lidar com estereótipos e tratamentos que a incomodavam.

“Minha vida toda andei na rua me escondendo para não sofrer piadas ou ridicularização. O preconceito contra pessoas amarelas vem muito desse lugar da ridicularização”, comenta.

Ela lembra que já adulta, foi a um stand up e o humorista fez uma piada machista e racista, se referindo a mulheres amarelas como ‘asiáticas daquelas’.

“Eu queria chorar e, ao mesmo tempo, queria me esconder. Sei exatamente o que isso significa como uma mulher amarela. Aí tem o lugar do fetiche ao mesmo tempo que tem o do asqueroso”, comenta.

Estereótipos, caricaturas e ausências

Quando se fala de preconceito contra pessoas amarelas, não só situações mais violentas como a vivida por Lian aparecem. Alguns comportamentos e ideias consideradas inofensivas compõem esse rol de racismo.

Laura Satoe Ueno, psicóloga e pesquisadora de relações étnico-raciais, aponta alguns desses estereótipos, como identificar pessoas amarelas como pessoas de alta civilidade, que são eficientes no trabalho e super estudiosas, assim como estigmatizar homens amarelos como menos viris ou predispostos à energia sexual.

Lian comenta sobre os estereótipos aos quais esteve e está exposta. “Chineses, às vezes, eram vistos como pessoas sujas e ligadas a ambientes específicos, como pastelarias. Uma vez, estava contando para uma conhecida sobre quando a minha mãe fez doutorado. Ela ficou surpresa com isso e comentou que achava que meus pais tivessem um restaurante. Não havia motivos para ela pensar isso, mas a cultura ocidental associa chineses a esse estereótipo.”

Outras formas de violência são mais sutis e podem até serem consideradas brincadeiras ou piadas, como se referir a pessoas amarelas por ‘japa’ ou ‘xing ling’. Lais Miwa Higa, doutora em Antropologia social aponta que isso pode não parecer violento, mas que é uma prática racista.

Para ela, essas atitudes devem ser identificadas:

“Quando dizemos ‘isso é racismo’, estamos nomeando algo que existias, existe e continua sendo reproduzido. Isso é o primeiro passo para reconhecer e combater o preconceito.”

Estereótipos trazem tensionamento social

A psicóloga Denise Harumi teve que lidar com estereótipos durante toda vida. Descendente de imigrantes japoneses, a psicóloga Denise Harumi teve que lidar com estereótipos, especialmente depois de ter saído de sua comunidade (Foto: arquivo pessoal)

Convivendo constantemente com os atravessamentos, Lian conta que fazia questão de ser rebelde na escola para fugir do estereótipo de pessoa amarela, CDF, nerd ou extremamente estudiosa.

“O pior é que, de um lado da sociedade, as pessoas vão se prendendo a estereótipos, e do outro lado, nós que somos pessoas amarelas estigmatizadas injustamente, ficamos muitas vezes presas à tentativa de se livrar desses estereótipos”, revela.

Nessa queda de braço, a sociedade e o indivíduo afetado pelos comentários racistas saem perdendo. Isso porque individualmente, o tensionamento pode gerar consequências na formação da identidade da pessoa afetada. Socialmente, as pessoas tornam-se, como um todo, impedidas de expressar suas próprias essências.

Segundo Laura, a mídia é uma ferramenta que alimenta esses estereótipos. Para ela, os produtos culturais, especialmente ocidentais, que retratam sociedades japonesas, coreanas e chinesas, estão difundidos globalmente, e comunicam representações dessas sociedades com muito preconceito e pouca profundidade.

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A comunicação reproduz os estereótipos

Laura Ueno é neta de imigrantes japoneses e pesquisa relações étnico-raciais, gênero e saúde mental Foto: arquivo pessoal)

Exemplos de produções brasileiras preconceituosas a respeito de sociedades asiáticas e orientais são, em geral, telenovelas, que apresentam personagens com representações exageradas ou irreais de pessoas amarelas.

Em Geração Brasil, por exemplo, novela de 2014 produzida e transmitida pela TV Globo, o personagem sul-coreano Shin-So, inspirado no rapper Psy e na indústria da música k-pop, era apresentado de forma exótica. Além disso, o ator Rodrigo Pandolfo usava fitas adesivas nos olhos para mudar o formato deles.

Carlos Takeshi, que interpretou o japonês Takae Shigeto na novela Belíssima, exibida originalmente entre 2005 e 2006 na TV Globo, chegou a comentar que os personagens amarelos e asiáticos costumam ser caricaturas. E que já chegou a receber textos no qual o personagem falava errado, trocando o R pelo L.

Mais recentemente, em agosto de 2022, a atriz Ana Hikari criticou a Globo por abordagem racista, depois que as redes sociais da emissora postaram fotos dos próximos capítulos da novela Cara e Coragem. Nas fotos, quatro atores brancos usam roupas e adereços que fazem alusão às culturas orientais.

Em sua conta de Twitter, a atriz postou um emoji de palhaço com o texto: “Esse ‘emoticon’ é a minha foto do crachá de atriz contratada da casa cada vez que a empresa faz uns yellowface/whitewashing/abordagens racistas e eu tenho que fingir que tá tudo certo.”

Esses casos demonstram não só a representação inadequada, mas a falta de representatividade, uma característica presente em sociedades racistas. “Durante muito tempo eu acreditava que não poderia sobreviver como atriz, porque não havia espaço para mim. Isso porque já existia a Daniele Suzuki, que ainda fazia papéis estereotipados”, comenta Lian. 

O sofrimento de pessoas amarelas

Laura comenta que as experiências de preconceito que as pessoas vivenciam vão variar de acordo com muitos elementos, como origem, escolaridade, geração, sexualidade e gênero, e isso traz consequências para os diversos aspectos das vidas dessas pessoas.

“As experiências de racismo são diferentes e podem passar por uma autoexigência constante. E é muito comum que as pessoas carreguem isso ao longo da vida. A questão do não pertencimento, e dificuldades de sociabilidade e de assertividade aparecem. Além disso, muitas vezes a relação entre pais, filhos e avós é afetada, e uma transmissão cultural pode acabar sendo interrompida por vergonha dessa origem cultural”, explica.

Para ela, a etnicidade é algo importante para a formação da identidade e para o bem-estar. Por isso, ter uma relação problemática com a sua origem étnica traz sofrimento.

“Podem aparecer sentimentos de dúvida, questões de autoestima, insatisfação com o corpo amarelo. Além disso, o saber de onde viemos, a etnicidade, é um guia importante para saber para onde vamos”, defende.

Identidade de pessoas amarelas é plural

Lian Tai cresceu tentando se desvincular de estereótipos de pessoas amarelas. Lian Tai cresceu tentando se desvincular de estereótipos de pessoas amarelas, e sente falta de espaço – em especial na grande mídia – de personagens representantes de pessoas amarelas que não sejam baseados em estereótipos (Foto: arquivo pessoal)

Quase de forma antagônica aos estereótipos, mas que também demonstra uma face do preconceito, é a generalização das culturas e das pessoas pertencentes à cultura que virou alvo de racismo.

De acordo com o censo de 2022 do IBGE, no Brasil cerca de 850 mil pessoas declaram-se amarelas. Laura lembra que dentro dessa denominação há pessoas de diferentes origens — Japão, China, Coreias, Filipinas, Índia, Indonésia e outros.

“Dentro de cada um desses países, encontramos várias origens étnicas. No Japão, inclusive, temos etnicidades que são consideradas indígenas. Tem uma diversidade muito grande. Então, para além de um rótulo, é importante a gente pensar a multiplicidade dentro dessa mesma identidade”, reflete.

Estrangeiro na própria pátria

Lais Miwa Higa destaca complexidade da identidade amarela no Brasil. Lais Miwa Higa destaca complexidade da identidade amarela no Brasil (Foto: arquivo pessoal)

Tanto Lian quanto Denise já foram consideradas, por outros e por diversas vezes, estrangeiras em sua própria terra. Entretanto, são brasileiras, e assim como outras pessoas amarelas, trilham uma jornada que passa por unir culturas ancestrais com as vivências no Brasil, adaptando-se o tempo todo de acordo com seus contextos, possibilidades e interesses.

Isso pode culminar no desenvolvimento de identidades que não se apropriam de forma justa e equânime da sensação de pertencimento à sociedade na qual fazem parte.

Para Laís, essa condição pode influenciar como as pessoas se relacionam em comunidade, como se entendem e como elaboram seus processos de identificação.

“A identidade é sempre relacional. Ela não é uma categoria ou um conceito em si, mas algo formada através da relação com outras identidades”, comenta.

“Esse lugar do pertencimento é muito específico. Meu pai e minha mãe são chinesas, mas eu não me identifico como uma pessoa asiática. Minha cultura, minha formação é toda brasileira”, comenta Lian.

Para ela, a questão é política. “Encontrar esse lugar das pessoas amarelas no Brasil, como toda luta, é coletiva, só pode ser feita com outras pessoas. Só entendemos nosso espaço coletivamente.”

Laís também defende o aspecto coletivo da construção de identidades, principalmente, quando isso está relacionada a racialização.

Ela afirma ainda que a identidade pode ser um ponto de partida, mas que não deve ser o fim. Dessa forma, o melhor caminho a se seguir está em direção a mudar efetivamente estruturas de preconceito e ódio da sociedade.

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Sobre a série Por uma Vida Antirracista

Em 2024, pela primeira vez na história, o feriado de 20 de novembro – Dia da Consciência Negra – acontece em todo o Brasil. Para celebrar a nacionalização da data, a Vida Simples apresenta em seu portal a série Por uma Vida Antirracista. São seis matérias — e uma publicação bônus — abertas ao público São seis matérias com reflexões sobre racismo, depoimentos de pessoas racializadas, e dicas para ter atitudes antirracistas. Entendendo o papel do jornalismo na promoção de uma sociedade mais informada e consciente, a Vida Simples usa sua plataforma para trazer à tona a luta de pessoas que, por muitas vezes, não têm suas vozes ouvidas. A próxima matéria fará um resgate histórico sobre o racismo violento contra pessoas indígenas no Brasil, que chega a promover genocídios e etnocídios até os dias atuais.

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