Caminhos para não se perder nos ‘tutoriais’ de como ser mãe
Excesso de conteúdos sobre maternidade nas redes sociais pode gerar insegurança, ansiedade e até culpa. Especialistas mostram atalhos para encontra o equilíbrio entre o digital e o mundo real
Na era das redes sociais, estamos cada vez mais distantes fisicamente. Ao mesmo tempo, esse universo nos aproxima virtual e superficialmente de familiares, amigos, colegas de trabalho, artistas, influenciadores, marcas e tantos outros tipos de perfis. Caminhamos entre opiniões, dicas e informações sobre diversos temas que, muitas vezes, até se contradizem. Esse excesso pode mais atrapalhar do que ajudar, principalmente quando os conteúdos são sobre maternidade.
Um influenciador fala para cuidar do filho de tal maneira. É só rolar o feed por alguns instantes que outro aparece com uma dica totalmente diferente. Afinal, em quem acreditar enquanto o algoritmo das redes sociais faz o trabalho dele com uma avalanche de informações? As mulheres precisam desse auxílio constante de pessoas que sequer sabem da rotina e das dificuldades individuais que envolvem ser mãe?
O resultado dessa enxurrada de conselhos pode ser o oposto do apoio: insegurança, culpa e ansiedade. Entender os sinais de que algo não vai bem e encontrar formas de equilibrar o universo digital com a realidade são passos importantes para proteger a saúde mental em um mundo cada vez mais conectado.
Mais uma sobrecarga para lidar
A neuropsicóloga Leninha Wagner afirma que o excesso de informação, especialmente nas redes sociais e durante a maternidade, atua como um estímulo constante ao sistema nervoso – e o cérebro humano, quando em sobrecarga, entra em estado de alerta. Isso ativa o eixo do estresse, que prejudica funções cognitivas essenciais como tomada de decisão e autorregulação emocional.
“As mães de primeira viagem, por exemplo, já passam por um processo de transformação neurobiológica. Além disso, se veem diante de uma enxurrada de dados, opiniões e julgamentos. O resultado? Um cenário de exaustão mental, ansiedade e culpa. Em vez de apoiar, a internet às vezes desconecta a mulher de sua intuição, criando um ruído emocional que dificulta o vínculo com o bebê e consigo mesma”, diz.
Além disso, os conteúdos sobre maternidade das redes sociais podem ativar o sistema de comparação social, que é regulado pelo córtex pré-frontal medial. Geralmente, isso ocorre quando uma mãe vê outra aparentemente “perfeita” na internet. Aquela sempre serena, com filhos impecáveis, refeições orgânicas e zero irritação.
A neuropsicóloga Adriana Santiago diz que “esse mecanismo é importante para a construção da identidade”. No entanto, “pode adoecer quando há idealizações e edições”.
“A insegurança nasce do falso pressuposto de que existe um modelo único e certo de ser mãe. A culpa, por sua vez, é alimentada pela crença inconsciente de que, se eu não sou como ela, estou falhando. Essa equação emocional é injusta e esgota qualquer mulher.”
Resultado dessa enxurrada de conselhos pode ser o oposto do apoio: insegurança, culpa e ansiedade
Como identificar quando prejudica?
Claro que existem influenciadores com autoridade no tema e conteúdos sobre maternidade nas redes sociais que, de fato, auxiliam mães nos cuidados com os filho. Porém, essa avalanche de informações, sejam elas boas ou ruins, pode prejudicar. No entanto, é possível identificar como isso ocorre.
“Quando o conteúdo que antes era inspiração passa a gerar culpa, ansiedade, sensação de inadequação ou paralisia na tomada de decisões, é sinal de que ele se tornou tóxico. Se, após navegar por perfis maternos, a mãe se sente pior consigo mesma ou mais confusa, é hora de pausar”, explica Adriana.
Identificar quando a sensação é de estar “perdida” nesse “labirinto” de conteúdos sobre maternidade é fundamental para a saúde mental. Inclusive, a mente dá sinais que algo não está bem. Entre eles, estão insônia, irritabilidade, dificuldade de foco e até sintomas ansiosos.
Desinstalar todas as redes sociais e ficar totalmente offline não é o ideal. Esse rompimento brusco, aliás, pode gerar mais problemas. O recomendado é buscar equilíbrio entre a própria maternidade e o desejo de seguir recomendações “certas” das redes sociais. Conforme explica Leninha, esse equilíbrio vem da consciência de que “o filho não precisa da mãe ideal, ele precisa de você. Presente, verdadeira e possível.”
“As recomendações online podem ser ferramentas, mas não podem virar régua de medida. É preciso harmonizar razão e emoção, ciência e subjetividade. Use o que faz sentido, descarte o que gera angústia. Cada mãe tem um estilo de maternar único, e isso é uma força, não uma falha. Quando a mãe se permite ser autêntica, ela ensina ao filho o que é ser humano com o corpo e com o afeto.”
Uma rede de apoio real
Fora do universo das redes sociais, apenas a própria mãe sabe o apoio que tem na vida real. Ainda mais em um país como o Brasil que, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, possui mais de 11 milhões de mães que criam os filhos sozinhas.
No entanto, os laços familiares e de outros núcleos sociais, como os amigos, são fundamentais durante a maternidade. De acordo com Adriana, a presença de uma rede de apoio real “não é um detalhe, é um fator de proteção psíquica e neurológica”.
“Quando o parceiro(a) e familiares validam a experiência da mãe, a escutam sem julgamento e a ajudam no cuidado cotidiano, eles fortalecem o senso de competência e pertencimento materno. Essa rede não precisa ser perfeita, mas precisa ser real. Porque quando o mundo virtual adoece, é o mundo de verdade que pode curar”, ressalta.
“A rede de apoio real é como um campo seguro. Ela abriga, escuta, divide as tarefas e legitima a experiência da mãe. Em termos neurobiológicos, esse suporte diminui o cortisol (hormônio do estresse) e fortalece a ocitocina (hormônio do vínculo). A maternidade é um ato coletivo. E a saúde mental da mãe depende da qualidade das relações que a cercam”, complementa Leninha.
Na dúvida, volte para a realidade
Entre as dicas para lidar com o excesso de conteúdos sobre maternidade, especialistas recomendam estratégias psicológicas e práticas do dia a dia. A neuropsicóloga Adriana Santiago cita três: autoconhecimento, autocompaixão e o ato de se reconectar com a presença.
“Quanto mais a mãe conhece seus valores, história e limites, menos vulnerável se torna ao discurso alheio. Além disso, a autocompaixão fortalece o sistema de acolhimento no cérebro e reduz a autocrítica. Por fim, estar com o filho, corpo a corpo, olho no olho, é o melhor antídoto contra a alienação digital. Ali está a verdade que nenhuma tela entrega.”
A neuropsicóloga Leninha Wagner lista dicas práticas para acrescentar na rotina, desconectar um pouco e buscar o equilíbrio tão necessário nesta fase da vida:
- Curadoria consciente do que consome nas redes sociais;
- Escrita terapêutica para nomear sentimentos e organizar pensamentos;
- Meditação e respiração para autorregulação emocional;
- Grupos de apoio reais, em que a fala é acolhida sem julgamento;
- Terapia como espaço de reconstrução da confiança interna.
“E o mais importante: escutar o bebê e a si mesma. Nenhum conteúdo substitui o olhar atento e o afeto no cotidiano. A presença da mãe é a ferramenta mais potente da sua maternidade”, ressalta.
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