O que aprendemos com a presença dos nossos pets?
Mais do que uma companhia diária, eles despertam em nós as lições mais valiosas sobre amor, afeto, presença e autocuidado

Em meio à rotina acelerada e demandas que nos afastam de nós mesmos, os pets funcionam como âncoras afetivas: silenciosas e profundamente reguladoras das emoções. Eles nos tiram do automático, nos desaceleram e fazem com que a gente se cuide e enxergue o outro. São mestres da presença e, por isso, valiosos sobre como viver o agora.
“Às vezes estou na maior correria entre prazos e meu cachorro só me olha e traz uma bolinha. Ele deixa ali, no meu pé. É um convite para parar. Para brincar e respirar”, diz a psicóloga Desirée Cassado, professora na The School of Life. E esse convite, aparentemente simples, pode ser um antídoto contra a sobrecarga emocional. Estudos comprovam que a convivência com animais pode reduzir o cortisol (hormônio do estresse) e aumentar a oxitocina, responsável pelos sentimentos de vínculo e amor. Mas há algo além da ciência: a vivência cotidiana de um amor sem julgamentos.
Um afeto que não cobra nada
Foi isso que Jackie de Botton, diretora criativa da The School of Life, descobriu ao lado de Linda Xica, sua companheira de quatro patas. “Seu ritmo me obrigava a desacelerar. Ela me ensinou que a presença é mais valiosa que o planejamento”. Em cada passeio sem rumo, a diretora entendeu algo sobre liberdade, empatia e a delicadeza de apenas estar.
“Ela não espera um grande acontecimento para ser feliz. Com ela, aprendi que caminhar sem pressa também é uma forma de cuidado. Às vezes eu queria seguir em frente, cumprir o percurso, mas ela parava para cheirar uma planta, observar uma borboleta. E ali, parada ao lado dela, percebia o vento, o barulho das folhas, a luz filtrando entre as árvores. A Linda Xica me mostrou que há beleza em não ter pressa. Que o mundo oferece pequenas alegrias a quem se permite parar e ver”, desabafou.
Viver com um animal é reencontrar o afeto em sua forma mais pura, aquela que não exige nada além de presença. “Nos dias em que tudo parece desmoronar, o olhar de um cachorro, gato e até de um peixe pode ser um lembrete de que ainda existe ternura no mundo. Isso tem uma potência terapêutica imensa”, afirma a psicóloga.
Presença que transforma todas as fases da vida
Em diferentes momentos da vida, os animais ocupam lugares afetivos únicos. Na infância, são companheiros que ensinam empatia e responsabilidade. Durante a adolescência, ajudam a quebrar barreiras emocionais e oferecem um afeto silencioso, onde às vezes nenhuma outra relação consegue alcançar. Na vida adulta, são âncoras em meio ao caos. E na velhice, combatem a solidão com sua presença constante, toques diários e amor sem exigências.
“Eles nos devolvem para a dimensão do cuidado. Nos convidam a uma escuta atenta, que não é verbal. A perceber como está o outro, mesmo sem palavras”, diz Desirée. Em tempos em que nos relacionamos cada vez mais por telas, com menos toque e menos olho no olho, a convivência com um animal reintroduz a importância da atenção plena. E, aos poucos, transforma a forma como nos relacionamos com tudo.
Talvez uma das lições mais poderosas que os animais nos ensinam seja sobre viver o presente. Ao contrário de nós, eles não se prendem ao passado, muito menos se perdem em ansiedade pelo futuro. “Estão simplesmente ali, inteiros, atentos, disponíveis”, conta. Ao nos convidar para brincar, caminhar ou apenas deitar ao lado, eles nos puxam de volta para o agora. Nos mostram, com gestos simples, que a vida está acontecendo neste instante e que é a ele que devemos dedicar nossa atenção plena.
Não é à toa que muitas pessoas desenvolvem laços profundos com seus animais. Eles não julgam. Acolhem no silêncio, aceitam nossos humores sem exigir explicações. Mas é importante evitar a idealização: “Quando o animal deixa de ser um outro e vira uma extensão do nosso eu ferido, o amor pode virar uma prisão. A gente precisa reconhecer que o pet tem necessidades próprias e ele não está ali só para curar nossas dores.”
Treino diário de afeto com nossos pets
Viver com um animal é também um exercício delicado de aceitação da finitude. Sabemos, desde o início, que a vida deles costuma ser mais curta que a nossa. Ainda assim, nos entregamos. E eles também. Isso nos ensina, como diz a psicóloga, que “o amor e a finitude caminham de mãos dadas”. Perder um pet pode ser um luto profundo, mas também uma chance de abraçar a impermanência da vida com mais inteireza e sensibilidade.
Jackie diz que aprendeu com sua cachorra a viver com mais presença e a perceber melhor o mundo. “A felicidade não é algo a ser conquistado, mas algo a ser sentido. E que, no fim, a inteligência emocional não vem apenas de grandes reflexões, mas também de pequenas caminhadas sem destino, aprendendo a apenas estar”.
Quem convive com animais desenvolve, naturalmente, um olhar mais sensível para o outro. “É como um treino constante de empatia e presença”, diz Desirée. Isso porque o vínculo com um pet nos mostram, no dia a dia, que cuidado é mais do que atenção: é presença, escuta e disponibilidade. Talvez, no fim das contas, seja esse o maior presente que eles nos dão: a chance de lembrar que o mundo ainda pode ser mais gentil e que nós também podemos.
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