Estamos envelhecendo, do segundo seguinte ao nosso nascimento até quando a experiência por aqui durar. E como transformar essa passagem em uma vivência prazerosa?
No momento em que escrevo esta matéria, me encontro com 41 anos de idade. E embora possamos ter diferentes idades, qualquer comparação entre nós a respeito da passagem do tempo será particular, pois dependerá de como cada um a observa.
A seguir, você verá conselhos de especialistas sobre como envelhecer bem e passar décadas vivendo com muita alegria.
A ciência mostra que viveremos mais: e como viver melhor?
Para o físico italiano Carlo Rovelli, o tempo não é uma entidade fundamental ou absoluta, mas sim, uma construção subjetiva da nossa percepção. Por ser relativo, depende do observador e do contexto em que se está inserido.
Aliás, ele discute a ideia de que se tivéssemos medidores precisos, poderíamos notar que o tempo passa em velocidades diferentes para pessoas diferentes, dependendo de onde estão e como se movem.
Independente de qualquer conceito da física quântica, é fato que o tempo é inerente à existência humana. E com o aumento da expectativa de vida em todo o mundo, incluindo o Brasil – como comprovam estudos recentes do IBGE –, precisamos abraçar a longevidade desde muito jovens e construí-la com alegria e vigor. Afinal, se viveremos mais, que vivamos melhor também.
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Fortaleça o seu orgulho de envelhecer
O médico geriatra Carlos André Uehara, diretor geral do Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS) Região Sacra e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia enfatiza que envelhecer deve ser percebido como uma dádiva. “Envelhecer, antes de tudo, é um privilégio, uma jornada única e complexa que cada um de nós vivencia de maneira particular. Nem todos têm a oportunidade de chegar a essa fase da vida. É um processo natural e inevitável, marcado por mudanças físicas, emocionais e sociais”, observa.
“Envelhecer significa testemunhar a passagem do tempo, acumular experiências, construir memórias e moldar a pessoa que nos tornamos. A longevidade é um presente que deve ser celebrado, reconhecendo os desafios e as alegrias que a acompanham.”.
É preciso deixar os preconceitos de lado
Para isso, é necessário, entre tantas coisas, combater os etarismos, ou seja, preconceitos contra pessoas por causa de sua idade, os quais aprisionam e embutem uma ideia equivocada sobre envelhecer. Não por menos, o processo de envelhecimento é muitas vezes visto de maneira negativa, já que costuma ser associado a uma série de perdas físicas, emocionais e sociais.
Como reflete o especialista, vivemos em uma sociedade capacitista, na qual o “velho” é visto como uma pessoa obsoleta e sem função social, como um peso para a sociedade. E é justamente a autonomia o que as pessoas mais desejam ao vivenciar o seu próprio envelhecer. Contudo, se as mulheres reclamam da invisibilidade social e da falta de liberdade, os homens na terceira idade expressam medo diante da aposentadoria e de uma possível impotência sexual e social.
Nos últimos anos, inclusive durante a pandemia, as pessoas começaram a sentir na própria pele o que significa envelhecer. Os preconceitos, os estigmas, a violência física, verbal, psicológica, os abusos financeiros etc. Ao ter isso escancarado, a sociedade demonstrou muita indignação e o modelo antienvelhecimento acabou sendo questionado, o que promoveu um grande avanço.
Envelhecer é um processo de equilíbrio
Contudo, se conseguimos observar a passagem do tempo com alegria, inspiração e motivação, e não exclusivamente a partir da ótica de medos e angústias, nos libertamos para vivenciar um outro significado de envelhecer. “O envelhecimento é um processo heterogêneo e multifatorial, influenciado por fatores genéticos, estilo de vida e socioambientais”, sinaliza Uehara.
Ao longo dos anos, o médico reforça, “nosso corpo se transforma, nossas capacidades físicas podem diminuir, mas nossa mente continua a se desenvolver e a aprender. Cada experiência, seja ela positiva ou negativa, contribui para moldar quem somos. Os erros nos ensinam, os acertos nos fortalecem e, juntos, eles moldam o ‘eu’ futuro”, fortacele Uehara.
O envelhecimento é, enfim, uma oportunidade de refletir sobre a vida, de aprender com o passado e de construir um futuro mais significativo. “Essa experiência e vivência precisam ser valorizadas, isto não se aprende na academia, esse conhecimento só pode ser ensinado por quem vivenciou”, observa.
Para o geriatra, devemos ter em mente que envelhecer é um processo de equilíbrio. É mergulhar em si mesmo, descobrindo o autoconhecimento e nutrindo o autocuidado. Mas também é voltar o olhar para fora, fortalecendo os laços com quem amamos e participando ativamente da comunidade que nos cerca.
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O ambiente precisa acolher nossas necessidades ao envelhecer
A nossa casa, inclusive, pensada pelo viés físico, estrutural, deve ser um ponto de segurança e conforto para nos acompanhar à medida que envelhecemos. Nem todos dão ou conseguem dar atenção a isso, mas a residência também deve estabelecer uma relação com a gente, como um ser vivo, e ser inclusiva para a longevidade de seus moradores.
Quem aborda esse ponto é a arquiteta Flavia Ranieri, especializada e focada em geroarquitetura. Essa é uma abordagem arquitetônica que considera as necessidades e características específicas das pessoas mais velhas ou com mobilidade reduzida.
“Eu defendo muito um conceito da casa que envelhece com você. Ou seja, a casa não é uma coisa estática, ela também precisa mudar conforme a nossa vida vai passando e se transformando.”
“E aí, uma boa casa para o sênior é aquela que representa passado, presente e futuro. O que isso quer dizer? É uma casa que ela tenha esse passado, ou seja, a história da pessoa, ela ter essa sensação de pertencimento dela a olhar e se reconhecer nessa casa.”
“Também precisa ter um presente, que é permitir que você realize as atividades que você gosta de fazer, com segurança e com conforto. E a casa precisa ter esse futuro, que é você conseguir se visualizar morando nessa casa mais adiante.”
Ainda assim, se em algum momento durante o envelhecimento, for necessário mudar de casa, a adaptação dela para idades mais avançadas deve, claro, ser totalmente funcional.
Entretanto, a parte emocional continuará sendo a mais importante para fazer daquele espaço um porto seguro.
Entenda a importância de tomar a vida nas próprias mãos
Saúde, educação, segurança e participação social são os quatro pilares do envelhecimento ativo, tal como definiu a Organização Mundial de Saúde.
Embora sejam eles garantias que devem ser ofertadas pelo poder público, também cabe a cada um de nós cuidar desses pontos ao longo de toda a vida. Fazemos isso através de escolhas e tomando ações que resultem em um envelhecimento saudável integralmente.
Podemos olhar para o envelhecimento e para a velhice em si focando apenas nas partes negativas? Sim, podemos. Mas não seria melhor, em vez disso, abraçarmos os incontáveis ganhos que ela nos traz? É claro que seria.
Envelhecer, inclusive, é mais uma oportunidade de uma pessoa se libertar para viver aquilo que já deveria estar vivendo desde muito antes. “Para viver a velhice com liberdade e alegria, é fundamental entender que o envelhecimento não é um evento súbito, mas um processo gradual que se inicia desde o nascimento. A ideia de que o envelhecimento é um processo de planejamento ao longo da vida é fundamental e devemos investir e acumular diferentes tipos de capital (saúde, intelectual, social e financeiro). Desta forma, poderemos construir uma base sólida para uma velhice mais plena e satisfatória”, atesta Carlos Uehara.
A arte de envelhecer com significado
Por fim, vem o próprio fim. Ou quem sabe o começo. A finitude da vida traz consigo uma beleza única e profunda. Se formos capazes de encarar a impermanência como parte essencial da existência, abrimos espaço para apreciar cada momento com maior consciência e plenitude.
Dessa forma, não temer a finitude nos permite abraçar a vida em sua totalidade, com todas as suas alegrias e tristezas. Isso, mesmo sabendo que cada experiência contribui para o nosso crescimento pessoal e espiritual. É nessa aceitação corajosa que encontramos uma verdadeira liberdade para viver de forma autêntica e significativa.
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