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2021 bolsos para vasculhar
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O ano mal começou e alguém bate à minha porta. Antevendo alguma criança do condomínio pedindo “boas festas”, ou seja, dinheiro, me preparo para gentilmente negar o dinheiro, mas não os votos de Boas Festas

Qual o quê! Me deparo com um senhor muito velho, cabelos longos, barba longa e desgrenhada, grisalho, olhos avermelhados, lábio rachados. A roupa era mais estranha ainda. Um conjunto de peças sobrepostas: bermuda de surfista sobre calça surrada de um terno, camiseta de manga longa, camisa social e gravata por cima, tudo embaixo de um tipo de jaleco, já amarronzado pela sujidade, mas com muitos bolsos, de tamanhos variados. Não fosse isso, cada bolso trazia um objeto: jornais dobrados, ferramentas, flores murchas e até um pedaço de pizza calabresa com azeitonas pendia de um bolso, na parte de cima. Quando abri a porta, ele havia acabado de mordiscar a pizza, me ofereceu um pedaço e, ao ver minha expressão de espanto, rapidamente a colocou de volta no bolso sujo de molho de tomate.

– Oi, querida! Me atrasei um pouco, mas estou aqui para anotar os seus pedidos e te ajudar com eles.

(Oi? Querida? Pedidos? Quem seria esse homem, pensava, procurando processar rapidamente as informações, buscar respostas e agir o quanto antes. Chamo o SAMU? Polícia?)

– Não, não precisa chamar ninguém. VOCÊ me chamou aqui e já me conhece.

Como eu não respondesse, aproveitou para tirar outro bocado do pedaço de pizza. E ficou me fitando no fundo dos meus olhos, enquanto mastigava ruidosamente e limpava os pedaços de azeitona enroscados na barba. Limpou os lábios do molho de tomate usando a manga do jaleco e resolveu esclarecer tudo para mim:

– Sou 2021! O Ano Novo! Antes de ontem você comemorou quando eu nasci, disse que ansiava pela minha vinda e não via a hora de me conhecer. Aqui estou! – disse, apontando orgulhosamente para si, como se fosse alguém realmente espetacular.

Meus olhos não haviam desgrudado dos seus e minha respiração havia sintonizado com a sua. E, então, olhei aquele ser bem no fundo nos seus olhos e vi. Vi galáxias se formando, se abrindo, mundos se transformando, nuvens passando rápido no céu, ondas gigantes se quebrando à beira-mar, peixes nadando e crianças rindo, construindo castelos na areia.

Era verdade! Ele ERA mesmo o novo ano. Mas porque tão velho, se acabara de nascer? Será que 2021 seria o Benjamin Button dos anos?

Como ele parecia saber o que eu pensava, me respondeu, bem devagar, de modo a ser perfeitamente compreendido:

– Sim, neste ano tudo é diferente. Cheguei assim, enrugado, velho e sujo e irei me remoçando aos poucos, nos próximos 364 dias (um já se foi, lembre-se). Ou não! Depende de cada um, de cada uma. Como vão me receber, o que vão querer de mim, como irão utilizar toda a tralha que trago comigo nos meus 2021 bolsos. Posso chegar a 31 de dezembro um bebê, fofinho, meigo e amoroso ou um ser ainda mais velho, mais caquético, amargurado e raivoso do mundo.

– Mas como poderemos escolher, se não sabemos o que virá? Perguntei, ansiosa.

– Ah, excelente pergunta – respondeu. Acreditando em si, confiando em si mesma, em tudo que já está contigo desde que chegou a este lindo planeta: a paz interior, o amor universal, a força, a coragem, a determinação, o poder da indignação, a empatia e a amizade. Use tudo isso – e foi remexendo os bolsos, mostrando seus conteúdos – para que a vida aqui seja melhor para os outros, para fortalecer os fracos, ajudar os desamparados e enfrentar os pusilânimes e eu irei ficando também mais forte, bonito, agradável e até cheiroso!

Quando eu ia perguntar mais, 2021 me deu as costas rapidamente e foi embora. Não sem antes virar-se brevemente e me dar tchau balançando o restante do pedaço de pizza, logo engolido quase sem mastigar!

Fiquei olhando sem ver, o olhar muito à frente. O pensamento no 31 de dezembro, imaginando quem bateria à minha porta quando eu quisesse me despedir de 2021. A hesitação durou pouco, rapidamente respirei fundo e fechei a porta. Ah, tanta coisa para fazer até lá e poder receber um menino, algo novo em nossas vidas.

E tem quem achasse que 2021 seria tranquilo …

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