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    “Síndrome de Succession”: o narcisismo do nosso tempo
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    Dificuldades em criar laços, egocentrismo e uma certa indiferença ao sofrimento de outras pessoas. Essas características são comuns nos personagens da série Succession (HBO), estreada em 2018. Sua trama se baseia na história de uma família proprietária de um conglomerado de mídia e a disputa dos irmãos para a sucessão do pai, Logan Roy, CEO da companhia. A ‘Síndrome de Succession’, também conhecida como “síndrome dos super-ricos” ou “ricopatia”, se constitui por comportamentos narcísicos que ultrapassam a fronteira das famílias de classe média alta e passam a se tornar comuns na sociedade.

    O nome foi batizado pela clínica suíça Paracelsus Recovery, especializada no atendimento de pessoas que sofrem com os sintomas. Embora não seja uma síndrome reconhecida pelos órgãos internacionais de saúde, a procura pelo atendimento e os comportamentos comuns levaram aos terapeutas a agruparam os pacientes nessa condição. “Nos deparamos com tantos filhos de famílias influentes que sofriam de transtornos mentais e dependência química que criamos essa denominação”, disse Jan Gerber, fundador e CEO da clínica, à BBC.

    Para o psicanalista Guilherme Facci, o discurso dominante que se relaciona à chamada “Síndrome de Succession” tem como base atitudes e visões que passam a tratar a vida humana como uma espécie de empresa. A elevação do privado em detrimento do público contribui para uma cultura que valoriza o “parecer ser” ao contrário do “ser”, segundo o profissional. “Toda a questão da nossa super exposição e possibilidade de manipulação da própria imagem está deslocando o nosso ideal para níveis de perfeição que não serão jamais atingidos”, explica.

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    Esse novo fenômeno ligado à sociedade contemporânea pode afetar diretamente as gerações mais jovens, orientadas por fortes sentimentos de vergonha e vazio. “Estão presos em uma busca infinita por status, reconhecimento e afirmação. Além disso, têm poucas possibilidades de lidar com as frustrações da vida“, destaca Guilherme Facci.

    Mas por que uma síndrome comum em famílias de super-ricos pode afetar uma sociedade inteira? A resposta pode estar na presença cada vez maior da materialidade nas nossas vidas e o crescimento de ideais do mundo capitalista na sociabilidade humana. Para Facci, buscamos um objeto externo que traga completude e compensação, que necessariamente não existe e sempre criará um sentimento de ausência.

    “O discurso capitalista que vivemos hoje se sustenta exatamente nessa equação: se a falta causa o desejo, portanto, nós precisamos de um objeto que irá supri-la”, explica. O problema se agrava ainda mais quando bens materiais ou até mesmo o dinheiro são equivalentes ao afeto, o que impacta a infância e crescimento das crianças. “Alguns especialistas nomeiam essa equação como Affluent Neglect. Esse termo se refere a um tipo de abandono mais sutil, exatamente porque é um abandono emocional/afetivo e não material”, esclarece.

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    O narcisismo é um transtorno que acompanha o desenvolvimento de diferentes sociedades humanas. Quem explica é o psiquiatra Alexandre Valverde. Segundo o especialista, há duas divisões importantes, que são o narcisista grandioso e o oculto, menos perceptível. “O narcisista grandioso é esse que tem o convencimento que ele é uma pessoa especial e demanda atenção e admiração de outras pessoas e se esforça para galgar espaços sociais”, destaca. Já o narcisista oculto possui um comportamento de vítima e se coloca como doente, alvo da sociedade, do sistema, da família e de outras pessoas.

    Na chamada “Síndrome de Succession”, há um agravamento desses sintomas, que podem ser acompanhamos de dependência química, abuso de substâncias e depressão. Diretamente relacionada com a falta de afeto, ao mesmo tempo em que há uma presença material extrema, há elementos que ajudam a complexificar a situação. “Essas crianças crescem mostrando sinais de trauma e abandono, descrevem uma sensação de impotência. No entanto, ao mesmo tempo, se sentem no direito de fazer o que quiserem numa posição de potência absoluta”, destaca Guilherme Facci.

    A “Síndrome de Succession”, embora não seja reconhecida oficialmente como um transtorno, revela uma tendência que se torna presente nas sociedades contemporâneas. Para a psicanalista Colette Soler, episódios como esses ajudam a forma o que ela chamou de sujeito narcínico. “Qualifiquei-o de narcínico para condensar narcisismo e cinismo, e designar aquele que, fazendo de si uma causa de seu próprio gozo, só pode competir com seus pares em matéria de narcinismo”, explica no artigo científico Um totalmente só e seus laços.

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