O domingo chega e, com ele, uma série de emoções coletivas nos enchem de melancolia: a ansiedade pela segunda-feira, que chega daqui a pouco, a tristeza pelo final de semana, que passou tão rápido, e a confusão de estar no meio desses dois momentos, em uma espécie de limbo cíclico.
Com isso, o dia da semana que seria dedicado ao descanso corre o risco de se tornar uma mistura de tentar descansar, mas sem conseguir silenciar a mente ou os pensamentos.
Muitos são os motivos que levam a esse fenômeno, coletivamente sentido e temido, a invadir nossas tardes de domingo – especialmente ao pôr-do-sol.
A melancolia da sensação de falta de liberdade
A melancolia acontece porque o domingo marca o final do ciclo de descanso e lazer do final de semana. E além disso, sinaliza a volta das obrigações, como aponta Artur Costa, psicanalista e professor sênior da Associação Brasileira de Psicanálise Clínica (ABPC).
“Esse dia muitas vezes expõe um conflito entre o desejo de liberdade e a pressão das responsabilidades. A melancolia do domingo pode ser compreendida como uma resposta à iminente reentrada na rotina, que evoca sentimentos de frustração e até ressentimento por perder a liberdade temporária do final de semana”, pontua o especialista.
Dessa forma, a transição entre os dias livres e a semana de trabalho é como um pequeno “luto” inconsciente. “Com esse encerramento do tempo livre, o domingo torna-se um símbolo que representa uma perda daquilo que é prazeroso”, completa Artur.
Na psicanálise, a sensação de perda ocorre quando algo de valor simbólico é tirado da pessoa ou é necessariamente deixado para trás.
No caso do domingo, o valor está no tempo livre sem as obrigações do trabalho. “E esse processo pode despertar uma tristeza, pois o indivíduo se vê forçado a se reconciliar com suas obrigações e limitações”, completa o psicanalista.
Para Katia Wanderley, psicóloga do Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo (SP), além dessa transição, o domingo também acaba sendo mais triste e melancólico pela ausência do convívio com outras pessoas, pois costuma ser um dia mais tranquilo e solitário.
“Vale ressaltar que essa tristeza não é, necessariamente, um caso de depressão clínica. Porém, pessoas deprimidas costumam sentir mais tristeza aos domingos, pois os fatores que mencionei tornam-se potencializados pela depressão”, explica a psicóloga. Nesses casos, é recomendável procurar ajuda profissional.
Domingo é dia de refletir
As ruas estão vazias, as lojas fechadas, escuta-se os pássaros, tudo corre mais devagar. Apesar de ser o dia mais tranquilo da semana, o domingo pode vir acompanhando de muita ansiedade e estresse.
Afinal, é justamente em momentos de pausa que abrimos espaço para refletirmos sobre nossas vidas, em uma autoanálise que vai de encontro aos sentimentos que talvez estivéssemos ignorando no decorrer da semana.
“O ócio do domingo faz com que o cérebro saia de seu ciclo movimentado – afinal, são seis dias cheios – para um momento de quietude, em que a pessoa tem tempo para entrar em contato consigo mesma”, pontua Rejane Sbrissa, psicóloga cognitiva comportamental.
A psicóloga diz que muitas pessoas ficam perdidas no tempo ocioso, sem saber o que fazer. Pois não é uma tarefa simples entrar em contato com nossos sentimentos e pensamentos, e refletir sobre o que está bem e o que não está bem em nossas vidas.
Escala 6×1 também agrava a melancolia
Esse momento de reflexão fica ainda mais desafiador quando percebemos que, de fato, estamos nos sentindo desmotivados com a vida que levamos.
Muitos fatores sociais e econômicos da nossa sociedade podem, inclusive, agravar esse sentimento. Quem explica é Ana Tomazelli, psicanalista e CEO do Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas (Ipefem).
“O domingo encerra um curto período de descanso, no qual muitas pessoas podem se dedicar ao convívio familiar, ao lazer e ao autocuidado. Algo que desaparece rapidamente com a volta ao trabalho”, diz.
A psicanalista completa que “esse sentimento tende a ser mais intenso para quem trabalha em uma escala 6×1 e tem apenas um dia de folga. Pois o tempo livre já nasce limitado e muitas vezes é preenchido por demandas domésticas e obrigações pendentes”.
E esse processo fica ainda mais desafiador para mulheres, que realizam uma média de 22 a 26 horas semanais de trabalho doméstico não-remunerado. O dobro do tempo gasto pelos homens no Brasil, informa a especialista.
“Esse trabalho invisível e não-remunerado compromete o descanso e o lazer das mulheres, tornando o descanso menos reparador. Como resultado, para elas o dia de domingo torna-se um período onde a sensação de recompensa parece distante, levando ao questionamento sobre o que realmente se ganha com tanto esforço”, ressalta Ana.
Por esses e outros motivos que acometem cada um, o domingo pode gerar um sentimento de estagnação, como se o tempo estivesse passando, mas sem novidades ou experiências realmente significativas.
“A cada nova semana que se inicia, essa percepção de repetição e falta de pausa se intensifica, levando a um cansaço emocional e à sensação de que a vida se transformou em um replay sem fim, contribuindo para um sentimento profundo de angústia no domingo”, completa a profissional.
Dicas para ressignificar o seu domingo
Apesar dos diversos motivos que nos levam a sofrer com a tristeza de domingo, algumas práticas podem aliviar esse sentimento e ressignificar esse dia da semana que deveria ser dedicado exclusivamente ao descanso.
A principal sugestão de Ana Tomazelli é entender e respeitar o que o seu corpo e mente realmente precisam para se reequilibrar.
“Um domingo leve começa com a qualidade do descanso e dos momentos de prazer que você consegue cultivar ao longo de toda a semana. Assim, para quem passa a semana em um trabalho muito físico, o descanso ideal pode ser realmente repousado. Para quem passa o dia em atividades intelectuais, o descanso pode ser algo mais ativo, que envolva o corpo”, explica a psicóloga.
Quatro ideias práticas para suavizar seu domingo
Para quem tem dificuldade de pensar em formas fáceis de se cuidar no final de semana, Artur sugere uma lista de atividades:
- Atividades de relaxamento: exercícios de respiração, alongamento ou leitura de livros leves podem ajudar a criar um clima de serenidade.
- Socialização leve: um jantar com amigos ou família pode trazer um sentimento de pertencimento e prazer.
- Limitação do uso de dispositivos: evitar redes sociais ou assuntos relacionados ao trabalho ajuda a manter o foco no presente, sem antecipar as pressões da semana.
- Preparação prática: organizar a roupa para o dia seguinte, planejar o café da manhã ou preparar um espaço agradável de trabalho pode ajudar a mente a se preparar para a semana sem se sobrecarregar.
Por fim, o psicólogo parafraseia Freud para pontuar que “o prazer e o desprazer são dois polos essenciais que movem o comportamento humano”.
E o domingo, como um espaço intermediário entre esses dois extremos, pode ser vivido com mais serenidade se aceitarmos o momento de transição. E enxergarmos nele, quem sabe, uma chance de começar uma nova semana, transformando o que for possível para melhor.
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