Liberte-se das expectativas excessivas
Entenda como é possível cultivar expectativas positivas a partir do momento em que compreendemos que ela também nos impulsiona a ir além
Na última semana de outubro, uma de minhas melhores amigas foi demitida. Ela tinha um bom cargo, mais de 18 meses de empresa, planos para o futuro e, ainda que viessem também algumas insatisfações comuns, era feliz fazendo o que fazia. Ela não percebeu nenhum indício sobre a demissão nos dias anteriores. Então não houve tempo para sofrer ou sentir qualquer angústia por antecedência. No entanto, já diante das incertezas e da surpresa, veio também um universo novo, cheio de ideias, possibilidades e expectativas para o amanhã.
Não há como evitá-las: as expectativas nos acompanham em quase todos os momentos de nossa vida e de nossas relações. Agora mesmo, enquanto escrevo, guardo em mim uma esperança, uma ânsia de que você, ao ler, goste e se encontre em ao menos uma linha deste texto. E isso acaba me motivando ainda mais. É normal se sentir assim. E tudo bem. Inclusive, minha terapeuta sempre me diz que as expectativas são importantes e necessárias, pois nos colocam em movimento, nos impulsionam e, sem elas, nossa vida seria bem monótona.
“A expectativa não diz somente da espera por algo improvável, mas da esperança de que algo desejado possa acontecer. Ou seja: ela também pode estar relacionada à fé”, pontuou a psicóloga Naara Amim. Essa esperança nos move de uma forma equilibrada em direção à realização de nossos desejos e age como uma força, nos encorajando a perseguir aquilo que nosso coração sonha. “A expectativa deve estar associada à esperança com protagonismo, quando a pessoa acredita que aquele desejo é possível de se realizar e então trabalha seriamente para fazer acontecer”, completou Naara.
O problema, mesmo, é quando esse sentimento começa a nos consumir a ponto de paralisar as nossas ações, tomando conta de todos os nossos pensamentos, trazendo aquela angústia constante e um aperto incômodo no peito, sabe? Tomados por essas sensações, tendemos a antecipar o que ainda nem aconteceu e, como consequência, sofremos e nos punimos diante das incertezas. Mas dá para experienciar tudo isso de um jeito harmonioso e conviver com as expectativas de uma forma saudável?2
A boa expectativa
Dá, sim. E um ponto importante é tomar consciência dos nossos limites e aprender a diferenciar o real da ilusão para não nos deixar levar pela ansiedade e pela frustração. O que é possível realizar agora? Eu realmente desejo isso? O que está dentro da minha realidade e o que é utópico demais? Ou: o que posso fazer hoje para alimentar meus sonhos no longo prazo? Responder a essas perguntas pode ser um caminho para entendermos melhor onde estamos depositando nossas energias e quais das nossas vontades são realmente nossas ou só uma projeção criada pelo nosso ego. Até porque o “lá na frente” pode nem acontecer. Então não justifica sofrer e nos desgastar tanto por ele. “O maior desafio em torno da expectativa é essa dosagem saudável, equilibrando anseios e desejos reais, para não desenvolver uma frustração ou trauma por desprender energia demais esperando algo muito distante das suas possibilidades do momento”, ponderou Naara.
Não quer dizer que vamos desistir dos nossos sonhos mais desafiadores. Pelo contrário: alimentá-los nos prepara e impulsiona a dar pequenos passos diários na direção dos nossos objetivos. Mas focar toda nossa energia e nossas expectativas somente em um porvir muito distante pode nos impedir de viver coisas ainda mais bonitas no agora. É aqui, inclusive, que plantamos as sementes das nossas colheitas futuras. E toda plantinha precisa de tempo, paciência e cuidado para, enfim, florescer. “O equilíbrio está em não deixar de sonhar, não perder a fé em nossos desejos. A expectativa não deve estar ligada a esperar que nossos desejos aconteçam de forma mágica, de braços cruzados”, explicou Naara.
Assim, podemos considerar como saudável aquela expectativa que nos leva à ação. E, no lugar de nos gerar ansiedade e sofrimento, nos mostra as inúmeras possibilidades de seguir existindo e tendo esperança no nosso caminho. “A ansiedade está altamente ligada à dificuldade de lidar com o que está acontecendo no momento presente e de projetar suas consequências ou resultados no futuro, despertando o medo. É nesse ponto que precisamos cuidar das expectativas”, completou Naara.
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Esse cuidado com as expectativas passa também por vários pontos de atenção à nossa mente. Aquele trabalho de formiguinha, de nos voltar para dentro toda vez que uma angústia diante do amanhã ameaça nos dominar. Por aqui, quando os pensamentos começam a voar demais, gerando um certo desconforto, tenho feito o exercício de parar, respirar e puxá-los de volta para os seus lugares. Não funciona sempre e é mais difícil do que parece. Mas tenho percebido uma mudança grande em minha forma de vivenciar minhas relações a partir do momento em que volto para mim e deixo de responsabilizar ou esperar demais do outro. Isso me ajuda a compreender que algumas projeções são só minhas e sem fundamento algum.
Essas expectativas que buscam morada no outro também são bastante perigosas porque nos levam a esperar que as pessoas ajam de uma determinada maneira, sempre relacionada às nossas convicções. É aí que nos chateamos quando alguém não corresponde à nossa idealização simplesmente por ter os seus próprios ideais e suas vontades. A Naara me disse que, muitas vezes, isso acontece porque o desejo de se relacionar com determinada pessoa é tão grande a ponto de anularmos alguns sinais sobre a não reciprocidade. Aí depois vem a frustração, quando nos concentramos na realidade e vemos o outro como ele é, longe das nossas expectativas.
“Nos últimos anos, tenho confiado mais na vida, nas surpresas, naquilo que não tenho controle. Tenho tentado me manter com a mente aberta para o não saber e feito o exercício de nutrir as minhas aspirações: o que eu posso oferecer em vez do que eu espero”, sugeriu a Priscilla Almeida. Ela é especialista em Saúde Mental na Atenção Primária em Saúde e facilitadora de rodas de conversas. E me contou que esse exercício de confiança ajuda a enxergar o mundo por tudo o que ele já proporciona, sem esperar demais ou criar grandes idealizações. “Desapegar das expectativas em relação aos resultados me apoia a vivenciar o caminho e aceitar as experiências que surgem”, exemplificou.
Em paz com nossas expectativas
Outro exercício sugerido pela Priscilla é compartilhar as expectativas. Ela disse que incentiva os filhos Miguel, de 9 anos, e Bia, de 6, a dividirem seus anseios porque, muitas vezes, temos dificuldade em ver, sozinhos, alternativas ou situações que possam impactar as nossas expectativas. Segundo ela, dividir ajuda a ampliar nossa visão e compreensão. “Sempre que eles falam sobre alguma expectativa, eu pergunto: para além dessa possibilidade, quais outras podem acontecer? Vamos ver quantas novidades a gente consegue imaginar juntos? Isso ajuda a enxergar um universo de caminhos.”
Além disso, revisitar experiências também tem esse papel de ajudar a perceber e acolher a impermanência. Olhar para o que já passou, ponderar o que se realizou como o esperado e o que surpreendeu além, ajudam a compreender que nada em nossa vida é permanente e facilitam o desapego em relação aos resultados. “Dedicar um tempo para fazer aspirações que contemplam a mim e a outras pessoas me apoia a vivenciar o caminho e aceitar as experiências que surgem. Me tira de um esperar por recompensas externas e internas pelo que eu fiz”, observa Priscilla.
E, para que todo esse autoconhecimento faça parte do nosso dia a dia, nos aproximando desse campo das expectativas saudáveis, a psicóloga Naara Amim diz que também é fundamental aceitar a diversidade, assim como as nossas vulnerabilidades. Dessa forma, conseguimos nos distanciar da ideia de perfeição, seja ela relacionada aos outros ou a nós mesmos, e seguimos com mais pé no chão e leveza. “Isso nos ajuda a concentrar no momento presente, começando pela aceitação de que o real pode não ser sempre o desejado, mas também não significa que nele não há potencialidade de beleza, aprendizado e felicidade”, finaliza.
Nos colocar abertos diante do novo e das aventuras da vida não diminuirá nossas expectativas. E nem é esse o nosso objetivo. Mas, a partir do momento que damos a elas um lugar, encontramos também o equilíbrio entre nossos desejos e nossas ações, ficando mais leve e prazeroso seguir. Uma expectativa de cada vez.
Esse conteúdo foi publicado originalmente na Edição 250 da Vida Simples
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