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Hora de dormir
Kinga Cichewicz (Unsplash)
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Para além das necessidades diárias, podemos confiar no sono como um lugar de entrega e reconexão.

Cresci rodeado pela falsa ideia de que dormir é um desperdício de tempo. E tempo era o que eu mais queria. Mais horas para estar em casa, para assistir séries, ler livros, brincar com os filhos, dedicar-se a uma atividade paralela, apertar o parafuso que prende o cabo na chaleira. Dormir, portanto, ocupava apenas um lugar semelhante ao de outras ações biológicas do dia, como se alimentar ou fazer a higiene pessoal. É triste constatar que nos habituamos com facilidade a cometer o equívoco de não olhar com a devida atenção aquilo que é essencial.

Fui entender o sono como sagrado quando minha primeira filha nasceu, poucos anos atrás. E por ela fui conduzido a uma entrega que o fechar dos olhos todas as noites exige. “Dormir é, de fato, entregar-se a um estado de consciência mínima, com sonhos que trabalham tanto com nossos resíduos diurnos quanto com os do nosso inconsciente”, explica o médico antroposófico e consultor da Weleda, Fabrício Dias.

hora de dormir Isaac Quesada (Unsplash)

Dormir é também confiar, sentimento que vem sendo complexo a tantas pessoas, especialmente neste período que vivemos. “Aqueles que não conseguem alcançar a paz interna nem a mínima consciência do seu ser próprio, sentem muito receio de se entregar ao sono. Além disso, pode haver o medo de morrer. Porque todo dia a gente morre para acordar no dia seguinte”, conta a terapeuta holística Mônica Louvison.

Para que possamos pensar o sono a partir de uma visão mais subjetiva, que vá além do aspecto estritamente médico, é necessária a permissão de olhar nossa configuração como a somatória de corpos, do físico a outros mais sutis. Dentro de culturas oriundas da Ásia, por exemplo, um fenômeno abordado seria o do prana, a energia vital presente em todo o cosmo e responsável, em uma explicação mais simples, por regular a fisiologia sutil que abasteceria o corpo físico em tudo o que necessita. Essa energia é captada quando respiramos e durante o dormir, no plano extrafísico. Portanto, quanto mais entregues ao sono e mais equilibrados, melhor seria essa reconexão. Não que a prática seja fácil. “É uma tarefa que exige intenso desprendimento de conceitos sociais adquiridos e preconceitos inconscientes”, completa o Dr. Fabrício.

Dando colo para sua criança

Em muitas noites, minha filha mais velha pede para dormir comigo. Na cama que ainda compartilhamos, por escolha própria, com a mais nova, acabamos por dormir os quatro. É fascinante que somente agora, ao produzir este texto, eu tenha compreendido o porquê de me ser tão alentador estar junto a elas no momento do sono. “Um dos privilégios de poder ser pai, ser mãe, é conseguir revisitar lugares da própria história e, de fato, dar colo para a sua criança interior. E que bom que sua filha, generosamente, permite que você se abrace ao abraçá-la”, orienta Cacá Correa, pediatra de abordagem humanizada e neonatologista.

Sem dúvida, quando pensamos em sono e crianças, não se pode desassociar o papel dos pais para que essa conexão flua. “Isso é algo tão simples e, ao mesmo tempo, tão difícil de se explicar. A segurança verdadeira não está em texto ou em fala, mas em uma condição de ambiente emocional. A criança faz a leitura desse ambiente seguro nos olhos dos pais”, enfatiza Cacá.

hora de dormir Gregory Pappas (Unsplash)

Dessa forma, se diante de momentos como agora os pais fingem uma normalidade, acabam transferindo insegurança aos pequenos, que, por sua vez, não conseguirão ter o sono restaurador. Em sua opinião, é melhor um sincero “não sei”, como resposta ao filho que questiona o que está a se passar no mundo agora, do que criar um cenário fantasioso. “A consciência da morte, da fragilidade, é o grande desafio da experiência do momento atual. É como se lembrássemos de novo que somos mortais, uma finitude que não está mediada pelo tempo. Essa condição de finitude sempre existiu, mas agora esse assunto ficou claro. E é como estou me relacionando com isso neste momento que vai me facilitar o dormir”, diz Cacá.

Conexão pelo cheiro

Mesmo que tenhamos consciência da necessidade do sono para restauração do nosso corpo físico e emocional, nem sempre pode ser simples esse processo. Por esse motivo, recorrer a métodos naturais como a aromaterapia pode ser um facilitador. A aromaterapeuta Renata Maria Badin conta que, muito antes da capacidade de pensar, o cérebro humano já havia desenvolvido o sistema límbico, onde se situa o olfato. “Os cheiros foram, desde muito tempo, um referencial de orientação para o homem, exercendo uma poderosa influência em nossa natureza emocional, agindo direto no subconsciente”, aponta.

Um óleo essencial pode exercer ações diversas no corpo humano, como antibióticas, anti-inflamatórias e antioxidantes, por exemplo. Estudos apontam que também carregam funções ansiolíticas, calmantes, tranquilizantes, sedativas e antidepressivas. “Os óleos essenciais são ‘vivos’ porque contêm em si a energia vital da planta. Costumo dizer que elas estão aqui há milhões de anos, conhecem o Sol, a Lua, as estrelas, os quais guardam dentro de si e nos oferecem essa energia para a nossa cura, nosso bem-estar e nosso crescimento.”

A dica de Badin para se entregar ao sono é que, meia hora antes de dormir – de preferência por volta das 22h –, você desligue a televisão, o celular e o computador para fazer um ritual com os óleos em escalda-pés, em massagens ou banhos. Os que têm dificuldade de dormir devem aproveitar o ritual para “inalar, inspirar bem os aromas, fazer respirações conscientes e se concentrar apenas no momento”, observa a aromaterapeuta. Enfim, o sono parece mesmo um lugar de mistério e restauro que nos faz um chamado cada vez mais necessário. Seja lá o que optemos por fazer, aromaterapia, meditação, ioga ou nenhuma dessas opções – ou todas –, desejo que possamos nos entregar ao sono com a alegria e a confiança de um bebê que encontra um lugar de segurança no fechar os olhos. Por enquanto, fica aqui meu boa-noite. Durma bem.

GUSTAVO RANIERI aprendeu com suas crianças a passar dias e noites sonhambulando.

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