Candidatar-se a uma vaga de emprego exige, antes de tudo, que cada pessoa confira os requisitos exigidos para concorrer à vaga, seja um curso específico, um idioma ou habilidade necessária para aquela ocupação. Mas, tem quem se arrisque e envie o currículo mesmo sem atingir todas as exigências e, tudo bem, isso é algo comum — pelo menos para alguns candidatos. Dados mostram que essa atitude é muito mais frequente em homens do que em mulheres, que só costumam se candidatar quando são 100% compatíveis com a vaga. Já eles, com 60%.
Quem explica isso é Jhenyffer Coutinho, CEO da Se Candidate, Mulher!, uma startup de impacto social que busca levar mulheres ao mercado de trabalho e possibilitar que empresas atinjam a igualdade de gênero em seus cargos. “As mulheres tendem a se candidatar menos às vagas, a tentar menos cargos de liderança, e eu não sou diferente dessas mulheres, eu era exatamente assim. Não é só na hora que a gente está tentando um curso ou uma vaga de emprego, é desde a criação“, explica Jhenyffer.
Ela lembra que fatores culturais e estereótipos de comportamento são grandes fatores que prejudicam a inserção das mulheres no mercado e geram insegurança no momento de concorrerem a uma vaga de emprego. Ela cita o exemplo dos homens que, durante toda a vida, são incentivados a se arriscar, a serem ousados, mais criativos e destemidos diante das dificuldades. “O que não é um defeito da mulher ou uma qualidade dos homens”, destaca.
A vontade de incentivar a autoconfiança nas mulheres
“Eu tive uma mãe que, ao contrário do que você ouve a vida toda, sempre me falou ‘você pode’, ‘você consegue’, ‘você vai'”, orgulha-se Jhenyffer. A empresária vem de origem humilde e sempre teve como norte em sua vida construir uma carreira profissional que trouxesse melhores condições financeiras, tanto para ela quanto para a mãe. Formada em Administração, trabalhou em empresas como Sebrae e a Associação Brasileira de Startups, entidades com viés muito ligado ao empreendedorismo.
“Com essa criação que eu tive, de me fazer ser mais ousada, acreditar mais em mim desde muito nova, eu galgava posições e lugares maiores. E eu sempre acreditei que liderança não era cargo, era atitude, então acho que isso foi me levando para os postos mais altos.”
Apesar de saber o quanto era arriscado montar um novo negócio e as instabilidades que são enfrentadas ao longo dos anos, Jhenyffer decidiu dar o primeiro passo rumo ao empreendedorismo. Inconformada com a desigualdade de gênero e a predominância de homens em cargos de trabalho, decidiu criar uma newsletter com conteúdos e dicas que pudessem instigar mais mulheres a terem confiança sobre suas habilidades profissionais.
“Eu fiz a Se Candidate, dividia meu conhecimento, só que, como uma pessoa que veio do empreendedorismo, eu vi ali uma oportunidade de negócio. Então o propósito veio muito forte nisso”, explica Jhenyffer. Mas ideia só foi para frente mesmo porque havia um impacto social envolvido, algo essencial para a CEO na época, já que não faria sentido para ela montar um negócio que não provocasse mudanças na sociedade.
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A coragem para apostar em uma startup
Com a ideia em mãos, a Se Candidate, Mulher! nasceu com o propósito de integrar as mulheres no mercado de trabalho, hoje administrada por Jhenyffer e sua sócia, Fernanda Miranda. “Eu acho que a gente tende a curar nos outros dores que são nossas”, explica a empresária.
“Quando eu criei o Se Candidate, Mulher! foi porque era uma dor que eu sentia, eu deixava de me candidatar às vagas mesmo sendo autoconfiante, mesmo sendo ousada, mesmo minha mãe me incentivando, eu não me candidatava. Imagina quantas de mim não tinham por aí?”
Apesar dos avanços em áreas sociais e políticas na busca pela igualdade de gênero, Jhenyffer lembra que as mudanças ocorrem em um ritmo ainda lento, não conseguem dar conta, com eficiência, das desigualdades no país. “A gente caminha a passos de tartaruga. É lógico que as coisas têm melhorado, mas não na velocidade que a gente gostaria“, destaca.
Enxergando os estereótipos e quebrando os preconceitos
A experiência de cada pessoa ao longo da vida é permeada por diversas particularidades e vivências pessoais, como o lugar onde nasceu, a educação familiar que teve acesso, seus privilégios e assim por diante. Essas características juntas formam o que chamamos de vieses inconscientes, que são preconceitos, estereótipos ou pensamentos tendenciosos sobre determinado tema ou grupo social, que induzem a decisões tendenciosas e comportamentos prejudiciais.
E não precisa se culpar por isso, basta identificá-los em sua vida e assumir a responsabilidade de ser uma pessoa mais aberta à diversidade e sensível às questões vividas por outras pessoas. Por exemplo, um homem branco possivelmente não compreende ou nunca viveu os problemas de uma mulher negra transexual, porque há um abismo que divide as experiências dos dois, mas isso não pode impedir a convivência entre essas duas pessoas ou servir de justificativa para episódios de racismo e transfobia.
“A gente tende a trazer perto da gente pessoas que são próximas a nós”, explica Jhenyffer. Por isso que, quanto mais homogênea for uma empresa, menos chances existem de haver contratação de pessoas diversas. O que acaba, em muitos casos, sendo um desperdício, porque a diversidade “gera mais inovação, cultura, criatividade e, consequentemente, mais lucratividade”, defende.
Hoje, dentro da Se Candidate, Mulher!, mulheres de diferentes perfis profissionais podem receber dicas de como montar um bom currículo, um perfil no LinkedIn que chame atenção dos recrutadores, entre outras formações.
Mas um dos pontos positivos é a procura de empresas que buscam mulheres para ocuparem vagas de emprego. “Tem empresa centenária, cliente nossa, que preencheu pela primeira vez na história uma vaga com uma mulher. Essas vitórias reforçam os dias que são ‘noites’“, completa Jhenyffer.
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