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Por que mulheres negras não estão liderando equipes?
Arte: Carolina Vellei
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Falar sobre diversidade dentro das empresas é um assunto que ganhou abertura nos últimos anos, mas nem sempre o debate foi assim. O olhar sobre a presença de pessoas LGBTQIAP+, mulheres, negros e pessoas com deficiência em cargos importantes no mercado de trabalho é um tema levantado por profissionais e especialistas em inclusão, porém existem resistências para tornar os espaços mais plurais.

Um levantamento feito pela consultoria Gestão Kairós, especializada em diversidade, mostrou que apenas 3% dos líderes no Brasil são mulheres negras. Foram 900 pessoas entrevistadas e, dentre elas, 75% são homens, uma porcentagem distante do sonho de alcançar a igualdade de gênero e raça dentro das empresas.

E não são poucas as barreiras enfrentadas por pessoas que estão fora dos estereótipos mais comuns no mundo corporativo. Sônia Lesse,  Diretora de Experiência na Profissas, consultora em diversidade e coach de negócios, lembra que os caminhos e oportunidades são minguados muito antes de as pessoas almejarem uma carreira.

Ela, que é uma mulher negra nascida na periferia de São Paulo, em Embu das Artes, e vinda de uma família empobrecida, destaca que os desafios para chegar onde está não foram poucos. “Eu fiz o ensino médio em uma escola pública longe de casa porque na periferia a gente sequer tinha professores”, lembra.

Educação que transforma

Apesar dos poucos recursos financeiros, a família de Sônia sempre prezou pelo acesso à educação, mesmo com os pais possuindo uma formação mais básica. Sua mãe concluiu o ensino médio enquanto a jovem estava no ensino fundamental e isso a inspirou. “Foi muito importante assisti-la estudar, se dedicar, se desdobrar entre várias coisas, atividades e responsabilidades, criando quatro filhos e dando conta de casa”, destaca.

Com o apoio de tias e de outros familiares, ela sempre mentalizou a importância de seguir sua formação acadêmica e ingressar em uma universidade.

Eu sou da geração que veio depois daquela que precisou lutar muito para que a gente conseguisse estudar“, conta. 

Decidida, mas ainda com algumas dúvidas sobre seus interesses, acabou sendo aprovada no curso de Administração, formação que conciliava junto a um emprego na área de telefonia para custear as despesas, como deslocamento e alimentação. Bolsista do ProUni (Programa Universidade para Todos), a isenção das mensalidades foi um fator determinante para que Sônia conseguisse finalizar sua graduação.

Através da educação e do trabalho eu fui construindo várias outras coisas. Ali, adulta, é que eu fui pensando em plano de carreira, porque não tive acesso a isso ainda na adolescência“, explica. Foram altos e baixos, mudanças de emprego, pedidos de demissão e uma transição de carreira que pudesse abarcar a multiplicidade de interesses de Sônia.

Sônia tem tranças no cabelo, pele negra, sorriso no rosto, batom discreto. usa uma blusa vinho com calça preta. diversidade Foto: Divulgação/Rollemberg Junior

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A importância da diversidade para as mulheres negras

Apesar da diversidade ser uma reivindicação urgente, mulheres negras costumam encontrar muita dificuldade em serem inseridas, validadas ou até mesmo reconhecidas pelas suas habilidades profissionais. Sônia, que por muito tempo se dedicou ao seu desenvolvimento profissional e à especialização, ficou estagnada dentro da empresa em que havia sido admitida.

“Eu via pessoas com entregas diferentes das minhas, e até questionáveis, que alcançavam posições que eu não alcançava, e eu pensava ‘tem alguma coisa errada’”, conta. Chegou um momento em que eu estava ensinando às pessoas o trabalho delas, e elas se tornaram lideranças, mas eu não”, lembra Sônia. 

“Eu olhava em volta e percebia que os líderes não eram pessoas semelhantes a mim. Comecei a me tocar que só a dedicação e o trabalho duro não seriam suficientes”, conclui.

Historicamente, homens, heterossexuais e brancos foram e ainda são majoritariamente os líderes e tomadores de decisões dentro das empresas, o que, de certa forma, cria um filtro invisível que descarta diversos outros grupos sociais que nunca tiveram a oportunidade de chegarem nesses espaços. Ao longo dos anos, a pluralidade nesses ambientes tem crescido graças às políticas públicas de acesso à universidade, práticas de inclusão dentro das empresas e o surgimento de novos profissionais, como analistas de diversidade.

Como as empresas podem ser mais diversas?

Com toda experiência e trajetória profissional, Sônia entendeu que poderia aplicar seus aprendizados e ajudar outras mulheres negras a chegarem ao mercado de trabalho ou disputar cargos de liderança em suas atuais empresas. Assim, surgiu a SL Transformare, uma empresa focada em consultoria com diferentes modalidades de atuação para integrar não só pessoas, mas também comunidades. “É um negócio de impacto social focado em educação. Desde 2019, eu entendi que se a gente não educasse as pessoas, a gente não mudaria esse cenário de inclusão”, explica Sônia.

Como lembra a escritora bell hooks em seu livro O feminismo é para todo mundo (Rosa dos Tempos), “conscientização feminista para homens é tão essencial para o movimento revolucionário quanto os grupos para mulheres”.

Mas ainda há muito o que avançar, inclusive dentro dos programas que priorizam candidaturas focadas em diversidade. Durante uma das atividades da SL Transformare, Sônia lembra que um dos alunos pediu desculpas por ter perdido uma das aulas. O motivo? Ele utilizava o celular e a internet do vizinho, mas, naquele dia, ele não estava em casa. “São essas situações de vulnerabilidade que a sociedade ainda não está pronta para debater.”

Além da inclusão, é preciso entender também os grupos vulnerabilizados que estão fora do espectro buscado pelas empresas. Comunidades indígenas, ribeirinhas, pessoas que moram em áreas rurais ou comunidades periféricas dentro das grandes cidades, distante da maioria das empresas onde as vagas são ofertadas. Incluir esses grupos é um desafio que o mercado ainda não quer assumir.

“A gente cobrar e debater isso é fundamental. Para discutirmos políticas que vão favorecer grupos representativos, a gente precisa falar de intencionalidade e ela tem que ser coletiva”, lembra Sônia.

Hoje, Sônia Lesse é diretora de experiências na Profissas, uma empresa focada na pluralidade que oferece cursos, workshops, treinamentos, programas em diversidade, equidade e inclusão. Estar nessa cadeira representa para Sônia um momento de virada profissional, de entender que todas as barreiras e desafios pelos quais precisou enfrentar na vida são, a cada dia, atenuados ou sobrepostos por políticas de inclusão e igualdade.

É por isso que precisamos nos perguntar também quando teremos acesso igualitário de mulheres negras, transexuais e moradoras de áreas e regiões mais distantes dos grandes centros no mercado de trabalho. Apesar dos avanços, o caminho ainda é longo. De acordo com o Fórum Econômico Mundial (FEM), serão necessários 136 anos para que a igualdade de gênero seja alcançada no planeta, uma estimativa que foi estendida depois dos impactos da pandemia.


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