Ver alguém preparando um bom café – ou sua melhor bebida – sentando na varanda de casa e abrindo as páginas de um jornal é talvez uma cena que você imagine seus avós reproduzindo, ou seus pais. Afinal, esse não é mais o ritmo de leitura da maioria das pessoas. Hoje, em um cenário de tempo livre cada vez mais escasso, escrever um texto que desperte a atenção dos leitores pode ser uma tarefa bem complexa.
E isso não acontece à toa. Especialmente após a popularização das redes sociais, precisamos ser cada vez mais seletivos sobre o que pararemos para ler com calma, senão, nos perderíamos na imensidão do mundo digital.
Escritores, jornalistas e redatores se perguntam sobre como sobreviver em meio à infinidade e semelhança de conteúdos no espaço virtual. E, mesmo que você sequer trabalhe com isso, já deve ter enviado um e-mail para diversas pessoas e recebido poucas respostas, ou uma mensagem de WhatsApp, que por mais importante e urgente, sequer foi levada a sério.
Assim como você, há milhares de pessoas que gostariam de saber como criar um texto que envolva o leitor em sua narrativa e desperte, acima de tudo, interesse.
De fato, não é uma tarefa fácil – tampouco mágica – mas também não deve ser vista como inalcançável. Preparamos alguns caminhos que podem ser utilizados para o seu processo criativo, independente de qual seja o seu objetivo.
Escrita e afeto
Uma das principais características que diferencia textos que impactam dos que apenas passam batido, por mais que tratem do mesmo assunto, é a própria identificação que ele gera no leitor. Um conteúdo muito técnico, preocupado em seguir um certo padrão, talvez seja rígido demais, ao ponto de distanciar potenciais apreciadores daquela escrita.
É possível obter fidelidade e respeito, dando origem a outras experiências de leitura, a partir de uma produção que busca compreender quem são os leitores, os sentimentos que deseja despertar e o potencial de mobilização contido no texto.
Para Ana Holanda, criadora do método Escrita Afetuosa e colunista da Vida Simples, o processo de criação “não é sobre técnica, é sobre uma relação” que envolve observarmos como nós enxergamos as pessoas ao redor, que nos leem, nos avaliam, e receberão desde uma notícia – se você é jornalista – até uma receita de brownie que o seu colega de trabalho pediu.
Mais importante do que escrever um bom texto, é produzi-lo de forma que gere identificação, impacte o leitor, e permita com que ele se sinta envolvido e representado pela história. Até mesmo um e-mail corporativo pode ser escrito de diferentes maneiras, desde o título até a forma como ele é organizado no corpo do texto.
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Seja um bom leitor
Não adianta tentar exprimir seus sentimentos pessoais em uma carta, enviar uma promoção através de uma newsletter ou uma crônica como sugestão para o jornal da sua cidade se você não costuma ler e conhecer esses gêneros. É preciso criar intimidade com os formatos que você deseja utilizar na sua escrita para entender a sua construção e extrair o máximo deles .
Por isso, para aumentar a sua familiaridade com o tipo de escrita escolhido, separe um momento do dia para acompanhar a leitura de textos, sejam eles livros, receitas culinárias, matérias de jornal ou blogs que você acompanha.
Escrever uma tese de doutorado ou uma biografia de uma personalidade que você admira pode não ser uma tarefa fácil, por exemplo, mas será facilitada se você puder ler e investigar o assunto antes de pôr todos os resultados em um papel, ou melhor, na tela de um computador.
Encare o seu medo
Desafios podem sempre gerar momentos interessantes na vida das pessoas, especialmente se você decidiu publicar um livro, escrever um diário ou abrir um blog pessoal. Muitas vezes, esses desafios costumam vir acompanhados de diversos medos.
Janaísa Viscardi, uma das linguistas mais conhecidas do Brasil, cita em seu curso “Escrever sem medo” que os grandes nomes da literatura também passaram por inseguranças, porque, segundo ela, a escrita não é, necessariamente, o lugar do inédito e do erudito. A história provou o talento e recompensou a coragem deles.
É importante aceitar o medo de escrever, mas seguir, mesmo que ele vá junto com você.
Você já parou para pensar, por exemplo, na potência de Carolina Maria de Jesus? Uma escritora negra, brasileira, moradora da favela do Canindé que, mesmo sem dominar as técnicas gramaticais da língua portuguesa, pôde escrever um texto comovente, mobilizador e autêntico. Hoje, Carolina é considerada uma das maiores escritoras do Brasil e diversas obras suas já foram reeditadas.
Tenha rotinas criativas
Saber escrever um texto que seja atrativo para o público é algo muito importante e fundamental para conseguir alcançar os objetivos de comunicação. Sobre isso, Tiago Belotte, professor de conteúdo digital e colunista na Vida Simples, afirma que “a comunicação, de fato, é o compromisso que está com você e para dentro do outro”.
PARA AJUDAR: Músicas para escrever – 10 sugestões, por Ana Holanda
Ter uma rotina também pode te ajudar a se concentrar melhor e produzir um texto com mais qualidade. Charles Darwin, por exemplo, tinha os seus próprios hábitos para desenvolver a escrita. Ele adorava acordar às cinco da manhã e o seu melhor horário para se dedicar ao texto era por volta de 8h e 9h30. Já a cartunista Laerte disse uma vez, em entrevista, que não trabalha à noite, pois reserva esse tempo para fazer outras atividades do dia.
Curiosamente, Truman Capote, famoso por ser um dos expoentes do Novo Jornalismo, afirmou uma vez que só escrevia quando estava deitado. Essas histórias estão no podcast Bobagens Imperdíveis, da escritora Aline Valek, e servem para que você possa criar o seu próprio processo e aprender a respeitá-lo.
Afinal, como escrever, de fato, um texto atraente?
Escrever não é uma fórmula mágica ou simplesmente a utilização de uma infinidade de técnicas, embora elas sejam importantes e não possam ser completamente ignoradas. Por isso, propomos algumas sugestões para que você saia da leitura e ponha as ideias em prática.
1. Não enxergue o leitor como um número
Se você compreendeu bem, escrever de forma afetuosa – no sentido de afetar o outro –, é enxergá-lo com suas potencialidades e não como uma métrica de engajamento. Isso já é um bom começo para que o texto seja convidativo.
2. Acompanhe o que outras pessoas escrevem sobre o seu tema
Crie repertório. Veja o que outras pessoas estão escrevendo sobre o tema ou como os textos da sua área vêm sendo produzidos. Aqueles que mais prendem a sua atenção são mais ou menos impessoais? Falam em uma linguagem mais assertiva ou costumam trazer exemplos ao longo dos parágrafos? É na leitura que novas ideias podem surgir para complementar sua escrita.
3. Não deixe o medo limitar sua escrita
Sempre haverá alguém que não gosta da maneira como você escreve, embora – em um outro extremo – certamente um leitor se sentirá afetado por aquilo que você publicou. Deixar de colocar no papel – ou melhor, no computador – aquilo que você tanto deseja expor ao mundo por medo das reações é algo que pode te paralisar.
4. Tenha uma rotina criativa
Não menos importante, ter uma rotina criativa é um fator que certamente te acompanhará ao longo desse processo. Procure identificar quais horários são mais confortáveis e, se você pratica algum exercício físico, faz yoga, meditação ou gosta de cultivar um jardim, talvez esteja na hora de incluir isso antes de sentar e pôr a mão na escrita. Estando mais relaxado, as chances de conseguir se soltar mais e produzir com mais liberdade serão maiores.
5. Não encare a escrita como um dom
Produzir um texto que as pessoas queiram ler, que seja envolvente e atrativo, não é um dom, tampouco, uma magia. Exige técnica (mas não só isso, como vimos), dedicação e estratégias a serem colocadas em prática. Carolina de Jesus certamente utilizou pouco da técnica em seus livros, mas isso não a impediu de dar vida a obras com uma escrita afetuosa e de impacto, que são lidas até hoje.
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