Decoração. Abraços. Troca de presentes. Comida farta. Essas palavras ajudam a definir o clima das festas de fim de ano no Brasil. Por serem comemorações universais, são celebradas por pessoas de diferentes religiões, crenças e estilos de vida, indo do hippie alternativo ao conservador. Por isso, celebrar a vida e o encerramento de ciclos, abrindo caminhos para os próximos, é indispensável, mas nem todas as pessoas estão confortáveis às festas tradicionais.
Há muitas pessoas entre nós que convivem com ansiedade social, são tímidas ou possuem condições, como sensibilidade ao som. Quem possui TEA (Transtorno do Espectro Autista), por exemplo, em alguns casos, pode ser sensível ao barulho e à iluminação. Em muitas situações, momentos que eram de festejos se transformaram em crises, afinal, dificilmente uma criança com autismo lidará bem com um espetáculo pirotécnico barulhento.
O caminho para lidar com essas questões em eventos é agir com respeito (consigo e com o próximo). Além disso, é importante se sentir confortável com amigos ou colegas de trabalho acolhedores. “Procure estar com pessoas [em lugares] no qual possa sentir-se confiante”, explica Tatiane de Sá Manduca, escritora e psicóloga especialista em psicoterapia pela Universidade de São Paulo (USP).
As festas de fim de ano são um assunto sério
Pessoas com ansiedade, depressão, fobia social, neurodivergentes e PCDs podem não ter a mesma experiência de outros. No caso de pensamentos ansiosos, é comum sentir desconforto, mal-estar e insegurança. Em episódios depressivos é mais frequente situações que envolvem desânimo, desalento ou apreensão.
Nestes casos, além do acolhimento, é importante respeitar as decisões e condições que uma pessoa apresenta, seja ela temporária ou não. “Não podemos invalidar um sofrimento, mas podemos ser hóspedes e respeitar os limites de cada pessoa”, explica Tatiane Manduca. Para a especialista, é difícil compreender, em totalidade, a vivência de outra pessoa, mas nem por isso o ato de acolher deixa de ser importante.
A psicóloga organizacional e professora convidada da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Edwiges Parra esclarece que existem estratégias eficientes. Uma delas, por exemplo, é usar um fone de ouvido com música tranquila no caso de pessoas com TEA. “Ou até mesmo protetor auricular”, sugere. Além disso, recomenda:
- Fazer uso de técnicas de relaxamento, como respiração profunda e meditação, para reduzir ou amenizar a ansiedade;
- Limitar o tempo de participação nesses eventos para gerenciar a energia desprendida (chegar mais tarde ou ir embora mais cedo).
Se ainda assim os familiares ou colegas de trabalho não são compreensíveis, não se sinta intimidado a ir e decline o convite. “Eleger quais lugares deseja participar e quais são importantes para cada um é um baita alívio”, orienta Tatiane Manduca. “Não é feio ou inadequado recusar um convite se você se sentir desconfortável ou sobrecarregado em determinadas situações”, acrescenta Edwiges Parra. Por outro lado, é importante fazer essas comunicações com respeito e justificativas que possam ocorrer a partir de diálogos saudáveis.
Como lidar com perguntas desagradáveis?
Todos os anos o “tio do pavê” marca presença no Natal da família e não deixa de perguntar qual o seu salário. Tem sempre aquele primo exemplar, da mesma idade, que já passou em vários concursos e tem casa própria. Comparações, perguntas e comentários inconvenientes nas festas de fim de ano são comuns e muitos já passaram por isso.
“No fundo, sabemos o que esperar e podemos também saber que os familiares podem continuar a fazer as mesmas brincadeiras e indagações tão previsíveis“, afirma Tatiane Manduca. Ter consciência dessa informação é bem importante para lidar, de forma madura, com os assuntos que podem incomodar. “Na melhor das hipóteses, podemos dar um lugar menos sério a estas ‘convocações’ e, quem sabe, ainda poder rir e brincar de algo caricatural”.
Edwiges Parra lembra que, embora possam ser desagradáveis, esses momentos – se saudáveis – podem contribuir para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Ainda assim, como alternativas, ela recomenda:
- Desviar de um assunto de forma educada e polida;
- Manter respostas curtas para não gerar a oportunidade de existirem mais perguntas;
- Ser assertivo, estabelecendo um limite de forma educada.
Também pode ser tempo de se recolher e se priorizar
Carlos*, 22, é um jovem gay – ainda sem conhecimento da família – e que decidiu, pela primeira vez, vivenciar as festas no fim deste ano sem a presença dos parentes. A decisão, que não foi simples, partiu de uma própria reflexão interna que envolve compreender os diálogos e tensões sobre o tema. “Já ouvi inúmeras vezes de familiares que ser LGBTQIAPN+ é uma ‘doença’ ou um ‘defeito’. Não estou pronto para relembrar todas essas memórias novamente e, neste momento, preciso buscar uma reconexão comigo mesmo“, afirma.
A neuropsicóloga Aline Gomes explica que, em pessoas nessa situação, o ideal é “tentar avaliar o quanto os mais limitados e preconceituosos estão abertos a receber e a incluir outros membros da família”. No entanto, em casos que não envolvem essa abertura, sugere que o mais prudente, nesta situação, é não frequentar. “Sabemos que nem todas as famílias são compreensivas e acolhedoras. Em muitos casos, é ali onde está a origem do transtorno de algumas pessoas”, completa a especialista.
*A Vida Simples optou por utilizar um nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.
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