“Ana, acabei de ler um texto seu e teve um trecho que me pegou de jeito… fiquei com um nó na garganta, porque parece que é exatamente o que estou sentindo. Falar, entender, aceitar e perceber tudo isso que estou sentindo e vivendo não tem sido tarefa muito fácil. Confesso que tem sido meu maior desafio nesses últimos dias/meses. A escrita tem me ajudado bastante. Sempre gostei muito de escrever e agora ela tem sido meu momento de desabafo, já que não falo disso com mais ninguém. Meu bloco de notas, minhas cadernetas de cabeceira, tem sido os grandes detentores de palavras e sentimentos que tem sido tão difíceis de serem proferidos em alto e bom som”. Recebi essa mensagem de uma pessoa especial, uma jovem que, com vinte e poucos anos, descobriu um câncer. Tudo ainda é muito novo para ela, inclusive os sentimentos que estão nascendo a partir de algo com o qual ela não sabe lidar.
Eu não tenho respostas para ela, mas minha parcela de afago nesse momento está sendo incentivá-la a escrever. As palavras podem ser a mão gentil que nos leva para dentro. Condução. Acredito muito nisso. Ser guiado para esse lugar em que podemos olhar para as nossas desarrumações internas, de qualquer natureza. Escrever pode não ser a solução absoluta para o problema – seria muita presunção dizer isso – mas pode tornar a caminhada menos penosa. A escrita transborda e, quando isso acontece, o nó na garganta se desfaz, as lágrimas encontram espaço para seguir feito rio represado, o peso ganha uma leveza de quem deixa por alguns instantes o corpo repousar após um trajeto longo com uma mochila desajeitada e pesada nas costas.
Ao mesmo tempo, eu sei, escrever sobre os nossos sentimentos não é algo que demande apenas sentar e despejar no papel. Às vezes, tudo parece estar engasgado. Às vezes, a caneta ganha o peso de uma rocha. Para ajudá-lo nessa busca pelas palavras que são afago, reuni algumas sugestões de como lidar com o medo e o sofrimento e completar os espaços em branco de um papel. Ocupar silêncios com a voz da alma ou do coração – a rota é a mesma.
Mantenha um diário
A ideia de um diário me agrada muito. Foi a escrita de um que me desafogou ao longo do meu processo de separação. No início, eu achava bem difícil lidar com a página em branco. Então, entenda, isso é normal. Principalmente porque a gente acha que precisa escrever algo tocante, potente. Então, a primeira coisa a saber é que quando estamos tentando dar voz a nossa alma, as palavras, mesmo sem sentido, vão aos poucos ganhando uma direção muito própria. Havia dias em que eu simplesmente registrava que não sabia o que escrever. Em outros, rompia a barreira da primeira linha relatando o que estava acontecendo ao meu redor: os sons, os movimentos dos filhos pela casa, a desarrumação do quarto. E haviam dias em que as palavras começavam espaçadas e depois se transformavam em torrente.
O principal, neste momento, é deixar nosso censor de lado, aquele que acha que é preciso produzir sempre algo com sentido, bacana, publicável. Essa escrita não é sobre seu ego, é sobre o que está além dele. O mais interessante de tudo isso é que, há algumas semanas, encontrei numa gaveta do quarto os cadernos-diários desse período. Reli. E, então, aquilo que, naqueles dias, pareciam textos bobos se mostraram cheios de respostas daquilo que ecoava dentro de mim. Bonito demais perceber isso.
Comece por passos pequenos
Escrever sobre a sua tristeza, angústia, irritação, ansiedade, medo, pode ser um passo maior do que você consegue dar. É como estar de frente para algo muito grande, um emaranhado enorme de fios daqueles que só de olhar já dá vontade de desistir. Vá fio por fio. E como se faz isso na escrita? Olhe ao seu redor e procure pontos de partida para a sua narrativa. Por exemplo, escrever sobre a morte de uma pessoa querida pode ser doloroso demais. Mas criar um texto a partir da blusa que você está vestindo, que é da mesma cor que aquela pessoa adorava, é um caminho de acesso mais suave. Vá assim, entrando aos poucos, sem se cobrar demais.
Vá no seu tempo
“Travei e não consigo seguir. Cheguei em um ponto em que começou a me incomodar demais e parei. Está mexendo muito comigo e por isso parei de escrever”. Ouço frases como essas o tempo todo. É comum sentir tudo isso. Você está lidando com a sua dor afinal. Confortável, fácil, simples, não é. Seja generoso com você. Talvez você precise de um tempo. E tudo bem. Uma, duas semanas…. não existe um período certo, adequado, específico. Existe apenas o seu tempo. Eu não acredito que você esteja, de verdade, abandonando o assunto, fugindo da escrita para escapar de si mesmo. Ilusão. A dor está ali, sempre lhe acompanhando, por mais que se queira colocar um lençol florido por cima dela. É algo que fica latente.
Às vezes, precisamos de tempo para seguir com o texto relacionado aos nossos nós internos porque eles precisam maturar dentro da gente. Em algum momento, acredite, você vai sentir vontade de sentar e escrever. E então as palavras estarão prontas e, não muito raramente, saem aos borbotões.
Apenas escreva
Escrever a mão ou no computador? Em um caderno grande ou pequeno, daqueles que cabe no bolso? Por onde começar? Vale em qualquer lugar, de qualquer jeito. No bloco de notas do celular, no computador, no caderno lindamente encapado ou numa caderneta velha. O importante é escrever. Mas se isso vai lhe ajudar, vou te contar como funcionou para mim. Nas minhas fases mais doloridas, escolho escrever em um caderno qualquer. Gosto de mantê-lo perto da cama, no meu quarto, porque isso é simbólico para mim: meu espaço íntimo. Deixo sempre um lápis ou uma caneta por perto. E escrevo a mão. Descobri que adoro escrever com lápis. Gosto da maciez que produz no papel. E treinar a nossa letra pode ser algo bem interessante. Escrever a mão tem um tempo diferente do digitar. O processamento das ideias e das palavras, acho, acontece de uma forma mais pausada. E quando precisamos caminhar em um terreno tão frágil como as nossas dores, há que se ter cuidado onde se pisa. E o tempo da letra manual pode ser ideal para isso.
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