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A escrita como fronteira entre mundos: uma entrevista com Aline Bei
Globo/Divulgação
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Dentre os muitos lançamentos literários que pipocam todos os dias, para um autor se destacar é preciso inovar, com narrativas envolventes e que causem impacto. Foi dessa forma que a paulistana Aline Bei conquistou a atenção dos leitores e a aclamação das premiações. Com sua obra de estreia, “O peso do pássaro morto”, ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura e o Toca, além de ser finalista do prêmio Rio de Literatura.

Nascida em São Paulo, a autora de 36 anos lançou o best-seller “O peso do pássaro morto” em 2017 e teve mais de 60 mil exemplares vendidos. O livro de Aline Bei narra a trajetória de vida de uma mulher, dos 8 aos 50 anos, passando por todas as adversidades de sua vida.

Sua trajetória na escrita começou na época que cursava Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Antes de escritora, Aline experimentou a carreira de atriz, quando fez artes cênicas pelo teatro-escola Célia Helena.

Seu segundo livro, “A pequena coreografia do Adeus”, foi lançado em 2021 e fala sobre uma história conturbada entre filha e mãe. Aline também escreve contos, e sua história Rua sem Saída foi publicada digitalmente pela editora e-galáxia.

A escrita de Aline Bei é repleta de jogos de palavras e de pontuações. Além disso, prende o leitor nos relatos que compartilha. Suas personagens trilham uma vida inteira cercadas de traumas, incertezas e questões que são tão humanas que nos fazem esquecer que a obra é de ficção.

Para Aline, as pessoas em suas histórias são seres vivos em uma dimensão que apenas os apaixonados pela literatura e pela arte, de fato, compreendem. Seu papel como escritora é o de ouvir o que eles têm a contar, e trabalhando entre as fonteiras do imaginário e do real, compartilhar o que esses seres vivenciam, relata em entrevista para a Vida Simples.

Aline, como começou a sua relação com os livros e com a literatura?

Desde que me lembro, desde a minha infância, eu estou em relação com os livros. Eu adorava a biblioteca da escola, era um lugar de muita troca e liberdade. Essa relação foi se aprofundando ao longo dos anos e ganhando cada vez mais espaço na minha vida. Esse caminho não é só profissional, mas é também o caminho do prazer. O modo como eu descobriria o mundo seria pela entrada na arte. Eu nem imaginava que me tornaria escritora. De fato, eu comecei a escrever na faculdade de letras, o que foi uma grande surpresa para mim. Apesar de gostar muito das aulas de redação e de sempre fazer redações que eram muitas vezes bem acolhidas pela professora, a chave nunca tinha virado, nunca ninguém tinha me dito que era possível ser escritora.

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Você falou que começou a escrever na faculdade. Quando virou a chave para você entender que isso realmente podia ser uma profissão?

Muito doida essa questão, porque eu sempre soube que era artista. Eu não sabia exatamente como essas coisas iam se desdobrar, mas eu sabia disso. Me imaginava fazendo pequenos trabalhos, no sentido de ganhar dinheiro com algumas coisinhas e continuar sendo artista. Mas hoje o que acontece é que consigo pagar minhas contas com o meu trabalho. Eu sou uma pessoa que pensa muito no presente. Vou seguindo intuição e vou fazendo. Sempre tive a certeza que eu não ia deixar nada me tirar daquilo, ia escrever e como isso ia acontecer, eu não sabia, mas faria qualquer coisa para poder continuar escrevendo.

Como uma história ou um personagem surge sua mente?

É uma coisa bem bonita, porque os personagens para mim são um canal para que uma história possa acontecer na folha. Por ter sido atriz, eu acho que deve vir desse lugar. O texto nasce ao redor, por cima e por baixo deles [personagens]. Mas eles também existem depois disso, é quase como se eles tivessem em algum lugar que eu pudesse sempre voltar. O personagem já existiu antes e depois da história que eu conto. Acho que isso me dá uma tranquilidade para entender que eu nunca vou captar a essência completa de um personagem. É algo muito complexo, não tanto quanto uma pessoa, mas ele tem uma complexidade que é quase a de um ser vivo. Afinal, ele é vivo em algum lugar do sonho e da imaginação, que a gente que gosta de leitura, que gosta de arte, sabe bem aonde fica esse lugar.

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Se os personagens têm uma vida antes e depois da história que você capta, como você sabe quando chegou ao fim de um livro e pode parar de escrever?

Eu acho que também tem a ver com a escuta no corpo. Meu processo é longo. Para mim, a escrita não é só esse momento no qual a gente vai para o computador e digita, mas o livro começa em algum lugar às vezes bastante obscuro no corpo. A gente começa a pensar sobre um determinado assunto com uma certa insistência. Às vezes, isso não fica tão claro, mas aquilo está sempre ali. E essa decisão também não é feita só pela nossa intuição, mas pelas pessoas responsáveis pela publicação de um livro e ajudam a perceber que ele terminou.

Como é o processo de começar a compartilhar sua história com outras pessoas?

Nossa… No começo é muito estranho. Depois que o livro já está no mundo e eu participo de muitos eventos, eu me acostumo. Mas, no começo, é estranho. É como se você tivesse mostrando uma parte do seu corpo, que é muito sua, para uma roda de pessoas. Me sinto vista nesse lugar, nessa região tão íntima. Porque ainda é muito frágil. Acontece que quando o texto está ficando pronto, ele ainda é pura transformação, metamorfose. É um momento de muita vulnerabilidade, eu acho que é muito especial.

Você tem algum livro ou o gênero literário favorito?

Como leitora, me interessam as autoras e os autores que não querem decidir antes de escrever o que o texto é, mas que apenas escrevem e depois a coisa vai ficando difícil de classificar. Porque a escrita é tão viva, tão cheia de desdobramentos, que nós já nem importamos mais que seja classificada. A gente deixa esse trabalho para os acadêmicos, para os críticos. Então, fico mais apaixonada por aquela coisa inclassificável.

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Você também gosta de acompanhar filmes e séries?

Eu amo cinema, adoro assistir a filmes. Eu gosto muito de estudar diretoras e diretores, então às vezes me acontece de ficar assistindo aos seus trabalhos seguidos e muitas entrevistas. As séries eu já tenho mais dificuldade de me conectar, acho que quando me conecto geralmente são com minisséries. Mas, preciso dizer que teve uma que fiquei uau, que foi The White Lotus.

Para você, qual é a importância da arte?

A arte tem um poder imenso justamente pelo modo como ela é profundamente envolvida nas complexidades do tema que ela propõe. Nesse envolvimento, que é um olhar humano e sempre profundo, acaba trazendo para quem entra em contato com o trabalho e também para quem realiza o trabalho uma transformação, de alguma forma irreversível. A arte gera esse deslocamento das certezas e a gente começa a repensar tantas coisas. Então, para mim é esse o papel que a arte tem, a partir dessa natureza de criar experiências em um ambiente virtual e imaginário, mas que sempre pode ser levado para o mundo material.

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