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As mil e uma formas de amar os livros: qual é a sua?
Fotos: Lilartsy/Unsplash A relação íntima que tecemos com nossos livros revelam nossos hábitos singulares de desfrutar uma obra
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Leitor é um criadouro de manias. Com você não deve ser diferente. Quem sabe amar os livros e o preza como companheiro de vida aca­ba arrumando um jeito próprio de se relacio­nar com esse objeto mágico. Como, por exemplo, jamais pular as orelhas e se embrenhar no prefácio. Ou grifar apenas com lápis – e olhe lá. Também vale caprichar nas dedicatórias, cheirar as folhas espremendo os olhos, nunca envergar uma brochura.

Conheço gente que não agarra uma obra se não tiver caneta na mão. Impossível avançar sem essa conversa que vai sendo tecida à medida que as anota­ções vão ocupando as frestas brancas, cravan­do parênteses aqui, erguendo pontes ali.

Gra­va-se à mão o eu daquele tempo para, quem sabe, adiante, abrir na tal página e se espantar: “Eu pensava, sentia, intuía dessa forma?”.

A necessidade de alguns, entretanto, põe ou­tros em aguda aflição. “Anoto de jeito nenhum nada nos livros”, enfatiza o escritor Evandro Affonso Ferreira, que lançou há pouco o ro­mance Rei Revés (Record).

Ele prossegue com os vetos. “Não dobro as extremidades da pá­gina, como muitos fazem, quando deixam o li­vro para ser retomado mais tarde: lanço mão de marcador de páginas.”

Leitor exigente, Evandro atuou como livrei­ro por bastante tempo. Arquitetou os sebos Sagarana e Avalovara, em São Paulo, onde se achavam obras de fina leitura.

Como ele gra­ceja: “O pior que tinha nas estantes era Bor­ges”. É de se supor que amasse a convivência com exemplares vividos. “Lidei anos com li­vros usados. Mas, curiosamente, prefiro amar os li­vros novos: alergia à poeira, ácaro etc.”.

As manias, rituais e outras loucuras dos leitores

Também há por aí, ao menos na ficção, ges­tos nada convencionais. No filme A Livraria (2017), um personagem enclausurado, que passa os dias lendo, lendo, lendo, tem um costume, literalmente, incendiário.

“Ele imaginava que os livros que devorava de manhã até a noite não tinham sido escritos por seres humanos, mas surgido por geração espontâ­nea. Nada o incomodava mais que os retratos dos autores, muitas vezes incluídos em algu­mas edições”, nos conta a narradora.

Então, o vemos contrariado arrancando capas adicio­nais e as arremessando na lareira de sua ve­lha casa. E aquelas pessoas que não empres­tam livro nem para compadre? Poderia entregar várias.

E as que o fazem e depois se arrependem quando a ciumeira espeta o juízo? O psicoterapeuta Thomas Moore foi visitar um amigo e, pimba, avistou um livro de estimação no endereço alheio.

“Senti­-me bastante comovido vendo-o na estante de outra pessoa, e não sabia se devia pedi­-lo de volta ou superar o ciúme”, desaba­fa em A Alma do Sexo – Cultivando a Vida como um Ato de Amor (Ediouro).

Essa reação, ele esclarece, tem muito mais a ver com Eros, deus do amor na mitologia grega, do que com o conceito de proprieda­de.

“Nem sempre esse é o termo adequado para o relacionamento entre coisas e pes­soas. Em muitos casos, somos companhei­ros, e as coisas parecem me possuir tanto quanto eu as possuo.”

Talvez isso explique o porquê de se deixar uma flor entre as pá­ginas até ela se amalgamar ao papel.

As diferentes maneiras de se amar os livros

notas de rodapé livros Ler um livro é mais do que percorrer os olhos sobre as letras. É, por vezes, firmar afeto que perdura até quando o livro acaba

Pertencente a uma família bibliólatra, a escritora Anne Fadiman suspira no mes­mo tom de Moore. “Da mesma forma como existe mais de uma maneira de se amar uma pessoa, há mais de uma também de se amar os livros”, ela decreta em Ex-Libris – Confissões de uma Leitora Comum (Jorge Zahar Editor).

Anne identifica tanto o amor platônico, que preserva os exemplares em redomas apartadas da vida comezinha, quanto o amor carnal, físico, afeito a ma­nobras diversas.

Nessa categoria, ainda se inclui o prazer de permitir que nossos que­ridos se hospedem na mesa de cabeceira de outros amantes.

“Não costumo exatamente marcar ou ra­biscar livros, às vezes dobro páginas ou co­loco post-its. O meu amor carnal se revela mais no desapego. Empresto, dou, esqueço. Acho que o importante é fazer o livro circu­lar”, declara a editora Lizandra Magon de Almeida, fundadora da Jandaíra.

Gerando platonismo entre amantes de livros

É curioso como, mesmo as mais radical­mente carnais, em algum momento, se re­fugiam na redoma do platonismo. Como é o caso da escritora Aline Bei, que acaba de lançar seu segundo romance, Pequena Coreografia do Adeus (Companhia das Le­tras).

“Quanto mais eu gosto, mais eu aper­to, rabisco, anoto, dobro páginas. Levo para todos os lugares. Gosto de colocar em cima da mesa enquanto tomo um café e observo rostos desconhecidos olhando a capa com interesse”, ela admite.

Um título dentre todos, entretanto, re­pousa imaculado em sua estante: Lavou­ra Arcaica, de Raduan Nassar. “Eu o amei e ainda assim não pude tocá-lo, tamanha grandeza.”

“O máximo que fiz foi respirar muito perto das páginas. Me lembro tam­bém de ter abraçado a capa no final”, derrete-se a escritora Aline.

Todo escambo vale a pena

Já Tarcila Tanhã não se contenta em grifar, anotar e dobrar páginas. A atriz e criadora do canal Vra Tatá, onde apresenta resenhas e realiza performances poéticas, ainda fo­tografa trechos ou os transpõe para ca­dernos ou para a lousa que tem em casa.

Ama, sobretudo, ouvir o som das palavras. “Tenho para mim que quando um livro é gostoso de ler em voz alta é porque ele é incrível”, observa.

Tatá empresta, doa, troca, faz o escambo que for para saciar a leitora fisgada na in­fância. “Os livros têm a ver com partilha, com soma, com ampliar minha possibili­dade de leitura do mundo e das pessoas”, examina.

Quando o isolamento social es­cancarou as páginas de dentro, volumes inéditos e antigos amores se amontoavam nas prateleiras dela.

“Nesse último ano de pandemia, os livros me salvaram em mui­tos momentos. Foram divertidos, engraça­dos, foram leves e poéticos, foram inquisi­dores e me fizeram pensar. Eu pude suprir inúmeras faltas por meio das histórias que estiveram comigo.”

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RAPHAELA DE CAMPOS MELLO é jornalista e se flagra paquerando as lombadas dos livros enfileirados em suas prateleiras brancas.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 231 da Vida Simples


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