Um retiro terapêutico para reencontrar a si mesmo
Sandra San passou um final de semana em um retiro terapêutico conduzido por uma especialista que possui duas décadas de experiência em tratamentos para a cura do eu interior de pessoas que buscam a si mesmas. A seguir, ela compartilha suas experiências para, quem sabe, inspirar quem também deseja se reconectar com sua essência.
Imagine um lugar onde é possível sentir o cheiro de verde molhado, enxergar um cenário salpicado de flores coloridas e apreciar sons da natureza. Apesar de parecer a descrição de um vídeo de relaxamento, esse é um lugar real. Tão real que ele pode ser decodificado pelos nossos cinco sentidos de maneira integral. Por ter vivenciado essa experiência na pele, posso dizer que em até outros sentidos, mais etéreos, ainda não captados por nossa dimensão tridimensional, mas que estudiosos em física quântica pesquisam para nos explicar. Neste local, é possível entrar em contato com o admirável e, por enquanto, indecifrável mundo invisível. Invisível, mas perceptível.
Fui convidada pela Sindhu, uma terapeuta que realiza retiros desde 1999, para ir a um evento chamado “Retiro Rumos da Vida, Ajustando seu GPS”. Ele tem como objetivo provocar uma desintoxicação profunda na mente, na alma e nas emoções para desvendar as origens dos conflitos em todas áreas da vida, sem conselhos, sem julgamento e sem expor-se verbalmente ao grupo. Como descobri, depois de participar, essa busca é feita coletivamente a fim de encontrar respostas e soluções para reviravoltas que acontecem conosco internamente.
Essa edição, que aconteceu nos primeiros meses do ano, foi realizada na Ecovilla Boavista, localizada em Valinhos, no interior de São Paulo, um local que nasceu com o propósito ser um espaço de convivência harmoniosa do ser humano com a natureza, pensado para ser sustentável.
Desconexão com o externo e reconexão com o interno
As boas-vindas começam antes da chegada à Ecovilla Boavista, em contato com os organizadores do retiro. Por meio de mensagens antes do evento, dúvidas são esclarecidas e caronas são conectadas, aproximando quem viveria a experiência durante o fim de semana.
Conheci, assim, duas pessoas especiais, que me fizeram companhia no caminho para o retiro. Aquela seria a segunda vez delas em um evento organizado pela Sindhu. Encontramo-nos numa estação de metrô na capital de São Paulo. Fomos no carro da Cosette, que gentilmente abriu espaço para mim e para a Duda, que veio diretamente de Jericoacoara, no Ceará, especialmente para esse evento.
Aos poucos, fui tentando me desligar da selva de pedra, resolvendo algumas pendências que ficaram abertas para que a minha cabeça pudesse estar completamente livre. Afinal, estávamos indo a um retiro, uma atividade que reflete exatamente a busca pela pausa e o distanciamento da rotina que nos cerca, transportando-nos para um tempo e espaço diferentes para aguçar nossas percepções anestesiadas pelo caos urbano. Sem dúvida, um grande desafio para as nossas conexões mentais acostumadas com as descargas de estímulos tecnológicos e, no meu caso, aos ataques de tagarelice mental de quem mora sozinha.
Já com minhas duas companheiras de estrada no carro, conheci um pouco mais de quem estava indo em direção ao retiro pela segunda vez. Curiosa, perguntei às duas o que as levavam de volta ao retiro e elas disseram que “não dava pra explicar”.
A cosquinha em minha mente continuou titilando e insisti. Então, elas contaram que é a maneira de Sindhu conduzir e entrelaçar uma atividade à outra, adaptar de acordo com as emoções e as necessidades que emergem do grupo, tal como um DJ que lê a pista antes de confirmar que a próxima música da playlist é a que vai fazer o público mergulhar na vibe. O modo como ela acolhe cada um com atenção, mesmo em grupo. Também, o lindo lugar imerso na natureza. E não podemos nos esquecer de sua mãe Betinha, que vibra vida por onde passa. Por fim, as refeições temperadas com muito carinho.
Ao ouvir todas essas informações, em minha imaginação, uma bela mandala viva e colorida ia se formando.
Significantes e significados
Estava empolgada desde que li sobre a formação de Sindhu. Ela é da área da Saúde, graduada em Naturologia, Psicoterapia e Arteterapia Junguiana. Além de estudar sonhos e arquétipos, tem diversas especializações em terapias integrativas e organiza retiros desde 1999. Foi assim que fiquei ainda com mais vontade de sentir na pele aquela experiência.
Sandra San ao lado de Sindhu (Foto: Arquivo Pessoal)
Seu nome de batismo é Caroline, mas ela sempre sentiu que ele não se encaixava nela e o motivo da escolha, ainda menos, já que representava uma princesa com um histórico “meio deprê”. Por homenagem a alguma pessoa que marcou suas vidas, por admiração a alguma personagem da literatura ou da história, nossos nomes são escolhidos pela família, mas, nem sempre ecoam em nossas mentes e corações e ele acaba semelhante a uma roupa que usamos para agradar quem nos presenteou. Sindhu perguntou a origem dos nossos e contou a dela.
Viajando pelo mundo, depois de passar por 66 países, ela chegou à Jordânia, terra que escolheu para estabelecer um vínculo maior. Lá, Carol descobriu que a sonoridade de seu nome é muito próxima à da palavra “azul”, e isso sempre confundia a cabeça das pessoas. Por isso, apesar de gostar da cor, preferiu aproveitar a chance e utilizar um novo nome, uma outra palavra que a cobrisse como um vestido esvoaçante, feito sob medida. Escolheu o nome de um dos rios mais sagrados da Índia, Sindhu, para refletir a fluidez com que direciona cada um ao encontro consigo mesmo.
Sindhu durante uma atividade do retiro em meio à natureza (Foto: Arquivo Pessoal / Sandra San)
“Recalculando a rota”
Ao ler essa expressão, é possível até ouvir a voz do app que nos leva a novos caminhos quando estamos perdidos pelas ruas. Dessa vez, a rota é a da vida e, a voz, de Sindhu. Entre as diversas propostas de retiros, essa foi a que participei, mas ela realiza diversos outros formatos em nove países, tanto no Ocidente, como no Oriente.
Exatamente “8” pessoas — o número que representa “o infinito de pé”, como descreve o músico André Abujamra, estiveram presentes para aquela edição do retiro. Os participantes vieram de diversas cidades pelo Brasil, mas também de lugares ainda mais distantes, como a Inglaterra, à procura do equilíbrio interior.
Estivemos embalados pelo ecoar da frase, “não por acaso somos nós que estamos aqui reunidos”, tornando infinitas as possibilidades que a força do grupo agrega. A egrégora, um novo ser que se forma quando todos somos um.
Em ótima companhia, portanto, passamos o retiro pesquisando a rota em direção às nossas infâncias e ancestrais. Durante as meditações guiadas, eles me ajudaram a recordar quem eu sou. Em uma troca conectada, sensível e generosa, fomos descobrindo o que estava adormecido e transformando o significado do que antes machucava, ao soar dos gongos de cristal que reverberam nos corpos e alcançam outro estado de consciência, dissipando as nuvens para clarear o caminho dali para frente.
No retiro terapêutico os véus do meu inconsciente foram levantados com suavidade e o motivo de tudo fluir como as águas refrescantes de uma nascente, tais como as que enchem a piscina da Ecovila, é o respeito a cada participante. Sem julgamento. Direto ao ponto. Resolvendo, manifestando o que está ali, no aqui e agora, Sindhu conduz cada um em direção a si mesmo. Nós oito entrelaçados na confiança e no afeto compartilhado.
Tão difícil, para mim, acessar esse lugar, o presente. Lugar ou tempo? Ali consegui encontrar. O tempo de estar. De Ser. (Foto: Arquivo Pessoal / Sandra San)
Final da jornada
Como dizia Pascal, teólogo e físico francês, nada mais “insuportável ao homem, quanto estar em pleno repouso, sem paixões, sem negócios, sem divertimento, sem atividades”. Bem distantes do conceito de tédio, no retiro as meditações são ativas, os gongos de cristal vibram todas nossas camadas, temos sauna e banho com ervas, piscina, dança e vivemos imersos em experiências prazerosas, no tempo de Kairós. E que continuam em atividades online após o retiro, mas essas são assunto para um outro texto.
Realinhamento com as forças internas e externas da natureza. (Foto: Arquivo Pessoal)
Durante o final de semana, vivi uma jornada para desvendar a origem das minhas queixas e, após limpar as barreiras, pude me aproximar da consciência do Eu para poder configurar novamente a situação em que vivo e recalcular a minha rota.
Para quem deseja viver essa experiência, saibam que é um fim de semana para descansar e se divertir também, com os melhores companheiros de viagem que poderíamos encontrar. É um momento para ativar o antigo ensinamento grego “Conhece a ti mesmo”, junto com o que Sindhu nos trouxe: “Confie na vida”. É uma oportunidade de perceber que podemos reagir diferente às situações. Temos um GPS interno que aponta, naturalmente, para a felicidade.
Mas, não acredite apenas nas minhas palavras. Este texto foi apenas uma tentativa de explicar algo que as meninas da minha carona já tinham me avisado, “não dá para explicar”. Experimente por si mesmo!
SANDRA SAN é especialista em cooperação, meio ambiente e cultura de paz. Em Vida Simples, sua voz ecoa em diversos episódios do podcast “Ouvindo Vida Simples”, com a narração de algumas das principais reportagens já publicadas na revista impressa.
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