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Você é consumista? Leia este texto antes de responder
Joshua Rawson-Harris | Unsplash
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Neste artigo:

Para o senso comum, ser consumista é ceder aos impulsos de compra de coisas que não necessariamente precisamos. Mas quem, na sociedade atual, não é consumista?

Um dia me fizeram essa pergunta: “Você se considera uma pessoa consumista?“. Confesso que fiquei “encucada”. Pensativa, fiz um balanço da minha vida e das coisas que estão a minha volta e fazem parte da minha rotina. Cheguei a consultar pessoas mais próximas a mim, algumas delas sem formação filosófica e outras que são colegas de profissão, e cheguei a uma conclusão: sim, eu sou consumista.

O tema é uma grande “questão” para a Antropologia do Consumo. A maior pergunta que podemos nos fazer é: qual é a medida que podemos levar em consideração para saber se somos consumistas?

Estudos sobre consumo

Poucos estudam a fundo e partem para o debate sobre o que é de fato consumismo. A maioria tem uma visão até bem simplista sobre a vida de acúmulo.

Você que está lendo este texto agora pode mentalmente me responder que é fácil definir: consumista são todas as pessoas que compram aquilo que não precisam pautada em exagero, o famoso “comprar o que não é necessário”. Pode pensar também que é quem se endivida. Pode até ter uma visão mais moralista e pensar que “são aqueles que compram futilidades”. Normalmente, escuto a resposta “consumista é aquela pessoa que acumula por ostentação e status”.

Para nós, antropólogos, que procuramos relativizar e entender o contexto do outro, é dura a tarefa de decidir o limiar entre quem é ou não consumista. É bater o martelo e passamos de antropólogos a juízes pautados na escolha do outro, naquilo que é relevante.

E aí vem a retórica: quem, na sociedade atual, não é consumista?

Natureza humana e desejos

Chegou a hora da autora deste texto te contar um fato extremamente importante sobre você, sobre eu e todos nós: somos todos consumistas, em maior ou menor grau. Com interesses, motivações e circunstâncias diferentes.

Para o senso comum, ser consumista é ceder aos impulsos de compra de coisas que não necessariamente precisamos. Tipo ter dez sandálias e dez calças jeans, uma coleção de maquiagem, ou até mesmo uma biblioteca com centenas de livros parados ocupando espaço esperando nosso interesse para serem apreciados.

Nesta visão simplista, consumismo é comprar muito além do necessário, em alguns casos, levando a pessoa a se endividar além da conta, o que pode ser diagnosticado como doença, inclusive. E sim, não estou tentando amenizar, para alguns é doença e há dois fatores que nos indicam isso. O primeiro, o endividamento, com o acúmulo exacerbado a ponto de não conseguir organizar os espaços de armazenamento. E o segundo, o fator mais importante: a culpa que causa arrependimento, dor, descontrole, a vida presa numa prática incontrolável.

Dentro desse contexto, há quem me diga que as pessoas são tão “viciadas” que chegam a sujar o seu nome nos órgãos de proteção a crédito porque buscaram soluções como dividir e parcelar compras e, como consequência utilizam subterfúgios, como o famoso “me empresta o seu nome?” (que aliás é o título de um livro que gosto muito de autoria da Cecília Mattoso).

LEIA TAMBÉM: O nosso luxo simples de cada dia

Existe régua?

Existem vários tipo de consumistas, com níveis e dinâmicas distintas. Não há como colocar todo mundo no mesmo critério, porque esses são tão plurais quanto as coisas (materiais e imateriais) que podemos consumir.

Quando tratamos do “consumista”, que o senso comum normalmente aponta o dedo, “é o viciado em comprar”: o que ele compra pouco importa, sente prazer e culpa na mesma proporção, está frenético por adquirir, sentir algo novo, uma emoção… Aí, sim, penso que podemos falar em doença, mas essa prática não é a maioria da população. Nesses casos, ato de comprar funciona como uma droga, que gera uma “brisa”.

Podemos fazer uma análise do termo — consumismo — que tem um conteúdo ideológico — até pelo sufixo “ismo”. Está relacionado a algo patológico. Além disso, a sociedade incorporou como algo pejorativo — algo que não pode ser medido, obviamente. E lá estamos nós criticando as escolhas das pessoas sem ter uma visão sobre o que aquilo representa para o outro.

Para a Antropologia do Consumo, tratar desse tema é complexo, é praticamente um tabu. Parece estabelecer juízo de valor, justamente porque lida com a ideia de limite, um limite aceitável – e todos desenvolvem justificativas para amenizar essa sensação. Estou certa?

O consumo como experiência

Ser consumista não tem a ver necessariamente com ser perdulário (esbanjador). Há consumistas que compram com equilíbrio e responsabilidade. Ser consumidor ou consumir é buscar em um enlace de retorno externo, uma experiência que gera um equilíbrio interno.

Não supre uma falta, cumpre uma função construtiva de si mesmo. Não é um vício, é um modo de pertencimento. Há quem não tenha acervo de livros ou roupas, mas coleciona viagens, restaurantes, shows. Porque o consumo imaterial também pode se dar de forma exagerada e ser questionado por aqueles que querem nos indicar o que é básico e o que é supérfluo.

Consumir é fazer parte da sociedade, emitindo uma mensagem sobre nós mesmos.

Uma parcela consome por compulsão. É preciso levar em conta como cada indivíduo lida com as suas ações, se há culpa, se há arrependimento, se comprar é algo mais forte que ele etc.… Há tratamento.

O poder de escolher

Uma vez, um amigo me disse que o uso pejorativo, em tom acusatório – “consumismo” – pode ser preconceito da geração anterior, que não tinha poder de escolha.

Cá entre nós, quanto tentei responder a questão do título deste artigo, fiz uma análise interna e percebi que itens de beleza como roupas, acessórios, esmaltes, maquiagens e livros, eram os meus objetos de desejo, aqueles que cuido com esmero, uso e abuso porque constroem e mantêm a minha identidade atualizada.

Para uma pessoa que passou metade da vida não cabendo nas roupas (sendo criança e tendo que usar roupa de adulto GG), talvez seja um caminho para entender que não me visto simplesmente para “causar”. Nem tampouco compro livros levianamente. Passei a faculdade comendo no bandejão para sobrar dinheiro para fazer xerox, já que os livros eram caríssimo e a biblioteca ficou fechada por causa de fungos durante toda minha graduação.

Cada um de nós guarda uma história que dará pistas do que somos, como são nossos comportamentos e como explicam para nós mesmos o porquê de consumirmos o que consumimos.

Autoconhecimento

Dentro desse mergulho, descobri que diferentemente de muita gente, eu não tenho um armário lotado. O que tenho é um acervo, pois são peças atemporais, de boa qualidade, duráveis. Assim como tenho uma biblioteca para consulta. Nem todos os livros são romances para serem lidos de cabo a rabo. Aliás, muitos estão lá na sua versão “livro impresso” porque um dia tiveram a sua versão “xerox”.

Essa conta, meus caros, só os indivíduos serão capazes de responder baseados em autoconhecimento, construindo sua própria medida de moderação.

Cada um terá a sua própria história quando falamos em consumo. Entretanto, busquemos ser “consumistas” mais responsáveis, com o que de fato nos importa no momento tempo/espaço que estivermos. Que possamos levar em consideração o planeta, e que tenhamos a liberdade de construir e experienciar coisas e momentos com menos culpa e muito mais consciência.

Faça as contas e aposte naquilo que você acredita que é importante ter por perto AGORA.

Leia todos os textos da coluna de Hilaine Yaccoub em Vida Simples.


HILAINE YACCOUB (@hilaine) é mestre e doutora em Antropologia do Consumo. Como pesquisadora, palestrante e consultora, há 20 anos aplica a Antropologia Estratégica nas empresas traduzindo comportamentos, movimentos culturais e lógicas de consumo das pessoas para a construção de soluções, entendimentos e tomadas de decisão assertivas.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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