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Trocar de escola não é desistir
(Foto: Jason Sung/Unsplash) Não existe escola perfeita. Existe coerência, respeito e segurança
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Uma amiga me contou que a filha, de oito anos, anda cada vez mais fechada. Vai para a escola sem vontade, volta sem ânimo de conversar. Não tem amigos, não quer participar de quase nenhuma atividade e, muitas vezes, chora e pede para continuar dormindo quando a mãe a levanta para colocar o uniforme.

A coordenação, ao ser procurada, respondeu que ela “precisa se esforçar mais para conviver com os colegas”.

Mas como é que uma criança faz isso? Onde exatamente se ensina esse esforço? E por que uma menina que está sofrendo precisa ser responsabilizada pelo próprio isolamento?

Ela me perguntou se estava exagerando, se trocar a filha de escola era uma atitude precipitada. Disse que sentia culpa por pensar em mudar e estava com medo de desistir cedo demais, com vergonha de parecer fraca – como a mudança fosse sinal de fracasso.

Quando questionei mais a fundo as razões de tanta angústia, uma vez que ela percebia a infelicidade da filha de forma tão palpável, o cenário ficou mais evidente: a menina está na escola desde pequena, foi uma escola bem recomendada, os avós acham que ela está sendo uma mãe permissiva, que precisa deixar a criança “se virar”.

Infelizmente, esse é um comportamento cada vez mais comum nas famílias: o medo do julgamento faz com que muitos responsáveis deixem de escutar os próprios filhos e de fazer o que é melhor para eles. A possibilidade de escutar “eu avisei” tem paralisado pessoas que já deveriam ter entendido que, quando se trata de educação, o compromisso é com o bem-estar da criança e não com a aprovação da plateia.

Pais não são curadores de escolhas perfeitas, mas precisam ter coragem de tomar decisões quando percebem que algo não está funcionando. Persistir por orgulho é mais sobre o adulto do que sobre o filho.

A verdade é que trocar de escola pode ser um ato de cuidado, de coragem e de escuta. Perceber quando nossos filhos estão infelizes e fazer algo possível para mudar esse cenário é, de fato, cuidar de alguém que depende de nós.

Não estou dizendo que a primeira dificuldade já justifica uma mudança. A escola também é espaço de conflito, de frustração e de convivência com o diferente. Mas há um abismo entre enfrentar os desafios de crescer e resistir diariamente em um lugar que nos ignora, nos cala ou nos adoece.

Nem sempre a escola vai perceber o que está acontecendo. Às vezes, percebe e prefere não se envolver, espera a poeira baixar ou acredita que, em algum momento, a criança vai acabar se integrando. Ou até inverte a lógica: responsabiliza o aluno pela falta de pertencimento, a família pelo comportamento e segue funcionando como se tudo estivesse bem.

Se você tem dúvidas sobre trocar o seu filho de escola, talvez essas perguntas ajudem:

1.Seu filho demonstra prazer em aprender, segurança nos relacionamentos e confiança nos adultos que o cercam?

A escola não deve ser apenas um espaço de ensino, mas de vínculo. Se a criança demonstra medo, desinteresse crônico ou insegurança com professores e colegas, isso é um sinal importante. Não se trata só de notas, mas da relação emocional com o ambiente.

2.Vocês conseguem conversar com a escola com escuta e respeito mútuo ou tudo vira defesa e justificativa?

Famílias não deveriam ser tratadas como “invasivas” por querer entender o que está acontecendo. Quando a escola recebe críticas com resistência, minimiza queixas ou inverte responsabilidades, é difícil construir uma parceria de confiança.

3. A escola cuida dos funcionários ou sua equipe está visivelmente exausta e distante?

Uma equipe pedagógica sobrecarregada dificilmente consegue oferecer escuta, mediação de conflitos ou acolhimento às crianças. O clima institucional afeta diretamente a qualidade das relações e do cuidado com os alunos.

4. Os valores da escola ainda fazem sentido para vocês ou algo mudou nesse percurso?
Às vezes, a escola é ótima — mas não é mais a escola ideal para o momento da sua família. Mudamos com o tempo. Uma escolha que fez sentido quando a criança tinha três anos pode não funcionar quando ela tem oito.

5. Seu filho tem adoecido mais, somatizado, regredido ou demonstrado sinais de apatia ou irritabilidade desde o início das aulas?

Crianças se expressam pelo corpo e pelo comportamento. Dores de cabeça constantes, enjoos, birras, falta de apetite, sono desregulado ou mudanças abruptas de humor podem ser formas inconscientes de dizer que algo não vai bem na rotina escolar.

Pode ser só uma fase, sim. Mas também pode ser o corpo e, sobretudo, a mente de uma criança tentando dizer que já passou dos limites.

Escolher uma nova escola pode ser delicado e, infelizmente, nem sempre é acessível ou prático. Mas pode ser o respiro que faltava: um espaço de renovação, novos vínculos, outra escuta, novos amigos, um recomeço real.

Não existe escola perfeita. Existe coerência, respeito e segurança.

A melhor escola para o seu filho não é aquela que tem os melhores resultados, a aula de marcenaria, os filhos dos seus amigos matriculados lá ou aquela em que você sempre quis estudar. A melhor escola para o seu filho é aquela que acolhe, estimula e faz feliz esse ser único e original que você cria e que ainda depende das suas decisões para encontrar o próprio caminho.

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