Tempos de reconstrução
Reformar e reconstruir. Melhorar ou aperfeiçoar o que já existe é uma atividade quase extinta nesses tempos de fluidez líquida.
Reformar e reconstruir. Melhorar ou aperfeiçoar o que já existe é uma atividade quase extinta nesses tempos do descartável e da fluidez líquida.
Querido leitor! Seguidamente reflito sobre atividades que tanto começam do zero quanto as que aperfeiçoam o que já existe. E a esse tema que concentro minhas palavras e energia de hoje. Não é segredo por aqui que trabalho com atividades manuais, conectando mãos e coração em projetos artesanais, através da criação e execução de bonecas de pano. Entre costuras que entrelaçam histórias e transitam livremente entre ficção com a realidade. Saliento, nem sempre acerto na primeira tentativa. Nem sempre consigo traduzir o que desejo na peça inicial, seja na roupa ou na comunicação de cores. E, nesse momento, é necessário reconstruir os detalhes para contar o que virá a seguir.
No dicionário, REFORMAR enseja corrigir, organizar uma nova forma. E RECONSTRUIR significa reedificar, renovar, voltar a possuir a constituição original. Em ambos se parte de um modelo já existente. Seja uma roupa, seja uma casa ou um relacionamento. Em ligações de distintas naturezas (amorosa, familiar, profissional ou de amizade) o alicerce exige solidez para suportar as intempéries do tempo, também chamadas por VIDA. E em tempos de relações líquidas que facilmente escorrem pelas nossas mãos, é importante estar atento à importância desse detalhe.
O filósofo Zygmunt Bauman classifica como “amor líquido” o desejo das pessoas em vivenciar o afeto sem o compromisso de fluidez dos laços, o que nos leva a observar que atualmente vive-se relacionamentos descartáveis. Quando não servem mais, rapidamente são deixados de lado para que apareçam novas relações, talvez mais prazerosas e desprovidas de problemas. Uma utopia, sabemos bem, como se pudéssemos impor aos relacionamentos a mesma versatilidade de devolução de um eletrodoméstico X, dias após a compra.
Em tempos atuais e virtuais, onde quase tudo é dinâmico e descartável, num momento você pensa ter 50 amigos, mas na hora em que o coração aperta restam apenas cinco. Os demais 45 possivelmente não gostaram da sua opinião. Estão sem paciência para o dilema alheio e em algum momento o bloquearão nas redes sociais (consequentemente, na vida).
É muito mais fácil de desfazer do que reformar ou reconstruir para manter, não é mesmo? Por onde deixamos a identidade das relações que vivemos? A reconstrução pode parecer bem mais difícil que a construção. Enquanto a construção potencializa entre os tijolos espaço para sonhos, risadas e alegrias, na reconstrução há espaço para corrigir os erros. Justamente no intuito de que as paredes não desmoronem mais. Aqui olha-se para a base e, se entre esses tijolos houver amor, terá valido a pena o tempo e cuidado empregados nessa “reforma”.
Na reconstrução abrir-se-ão espaços maiores, proporcionando às partes ir e voltar sem fugas ou sacrifícios. Fácil não é, mas se torna possível visualizar uma edificação (leia-se relação) resistente a terremotos, chuvas fortes e trovoadas. Exatamente como a vida é.
Eu sei, você sabe, todo mundo sabe, as relações entre pessoas existem para que haja crescimento e aprendizado, inclusive, proporcionam que conheçam a si mesmas. Portanto, canalizo meus aplausos aqueles que, atentos à importância de uma peça de vestuário, de uma casa ou de um relacionamento, se dispõem a reformar e reconstruir uma nova história.
É autora do livro “Relicário de afetos” e participa de palestras por todos os cantos. Desde que escolheu tecer seus sonhos e compartilhar suas ideias criativas, não parou mais de colorir o mundo ao seu redor. Seu instagram é @lugastal.
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