Silêncio para encontrar a solitude
Contemplar a própria companhia pede o silêncio dos nossos barulhos internos e externos para ouvir a voz do coração
Contemplar a própria companhia e descobrir a solitude como algo bom pede o silêncio dos nossos barulhos internos e externos para ouvir a voz do coração
Na semana passada, propus como tema para nosso bate-papo a difícil arte de escolhermos o que podemos perder. Nesse percurso, compartilhei que entendia o silêncio como a entidade mais importante para nos ajudar nesse processo.
Falar sobre o silêncio é um tanto desafiador, porque ele não cabe nas palavras. Por isso, vou compartilhar um dos meus bons encontros com ele.
Fiquei anos namorando a possibilidade de fazer um Vipassana, entendendo que precisava me sentir pronta para dar esse passo. Vipassana é uma técnica de meditação cuja iniciação se dá num retiro de dez dias de silêncio.
Há em muitos lugares do mundo. Eu precisava combinar a agenda do Vipassana de São Paulo ou a do Rio de Janeiro com minhas férias do trabalho, então precisei de programação e atenção para que tudo desse certo. As vagas são limitadas e se esgotam rapidamente.
Após todo esse processo, lá fui em busca de conhecer, ou melhor, reconhecer meu contato com o silêncio. Que relação é essa e como ela poderia me dizer algo?
O silêncio implica solitude, não solidão. Solidão tem a ver com ego, com conexão, com extroversão. Solidão é um afeto que diz de algo que faz falta. Solitude, não. Solitude é um encontro consigo mesmo, com o silêncio, com a inteireza de ser faltante.
É uma conexão profunda que só se dá no espaço do silêncio. E era isso que eu queria acessar mais profundamente, como uma estratégia para me conectar mais com a famosa voz do coração.
Lembro-me de, no caminho, ter conhecido pessoas que também estavam indo para o mesmo lugar que eu. Cada uma buscando uma coisa diferente, cada uma de um lugar.
Recordo de como eu estava ansiosa por imaginar o que seria difícil nessa experiência: eu estava indo para um retiro meditar das 4 horas da manhã às 21 horas, por dez dias, sem falar com ninguém. Durante o retiro, cuidamos para não trocar olhares com as pessoas e comemos olhando para a parede. É uma experiência profunda de silêncio.
Claro que tudo o que vivi lá não cabe aqui. Só aquela experiência já daria um livro. Mas o que mais me chamou a atenção é: como somos barulhentos! Como é difícil ficar em silêncio!
Por isso essas regras, que podem parecer duras num primeiro momento, foram tão importantes para mim. Como é difícil silenciar a mente, as vozes da fazeção, do falatório, do medo, da culpa, de tudo que nos torna distantes de nós mesmos.
Somos inundados de barulhos, e nossa relação com a tecnologia costuma nos colocar ainda mais nessa intensão. Contemplar o nosso próprio silêncio, de olhos fechados, é uma viagem difícil e imensamente surpreendente. Quantas descobertas!
E que presente poder relembrar que meu silêncio está sempre aqui, me esperando, para que eu possa usufruir de sua companhia quando e quanto eu precisar.
Myrna Coelho é psicóloga clínica, professora e doutora pela USP. Decidiu recomeçar a vida do outro lado do oceano, onde segue atendendo seus pacientes e dando supervisão online. Por aqui, semanalmente, reflete sobre como podemos viver com mais liberdade de ser. Mande sua mensagem para: [email protected].
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