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Por que somos assim? As más notícias sobre a natureza humana
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Você já parou para pensar por que é tão difícil eliminar as crenças sabotadoras e falsas que carregamos? Se somos seres racionais, não bastaria apenas confrontar essas crenças com alguns fatos relevantes para corrigi-las?

Há uma pergunta que atravessa os séculos: os seres humanos são criaturas essencialmente gentis, sensíveis e de boa índole ou maus, vaidosos, vingativos e egoístas? A filosofia sempre oscilou. Para Rousseau, o homem nasce bom, o mau é produto da civilização corrupta. Para Thomas Hobbes, a natureza humana era a única responsável por a vida ser “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”. Como não há respostas fáceis, há uma espécie de pacto de cooperação entre as ciências para desvendar o mistério da natureza humana.

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Recentemente, com o desenvolvimento científico e a possibilidade de mapear o cérebro humano, a neurociência está na frente. O neuropsicólogo Christian Jarrett, autor de livros como The Rough Guide to Psychology e Great Myths of the Brain (não traduzidos para a língua portuguesa), dedica-se a buscar respostas para o  “por que somos do jeito que somos?”. Reúno aqui algumas de suas descobertas — decepcionantes, é verdade — sobre a natureza humana. Mais do que revelar o pior de nós, são descobertas valiosas e que explicam como foi possível — e ainda é — desde grandes crueldades da humanidade até atitudes mesquinhas de um vizinho canalha.

Somos solidários com as minorias?

Em tempos de ondas migratórias e refugiados, é uma questão polêmica. Quando olhamos para o passado, ficamos perplexos diante da crueldade dispensada à escravos e índios cativos; e os atos do nazismo aterrorizam até hoje. Perplexos, questionamos como foi possível tamanho horror? E não podemos sequer creditar a violência da época. Testemunhas também experimentaram a mesma perplexidade. Em Munique, abril de 1945, a impressa local registrou que quando as tropas do exército dos EUA libertaram os prisioneiros do campo de Landsberg, o general Taylor ficou impressionado com as atrocidades cometidas ali. Horrorizado, obrigou os alemães da localidade — civis e militares — a enterrarem os corpos espalhados com as suas próprias mãos nuas. Mas o seu horror maior foi testemunhar o riso de duas jovens alemãs diante do macabro cenário. Como castigo, o general obrigou-as a passar a noite no campo com os mortos e presenciar os enterros nos dias seguintes.

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A ignorância dos tempos pode aquietar a razão, como a crença de que índios e negros não tinham alma, não eram completamente humanos. Mas e os assassinatos em massa do nazismo e dos regimes comunistas? Tratar homens como menos humanos em pleno século XX foi fruto de uma coincidência trágica que reuniu vários líderes sádicos e malignos? O pensamento é de que esses algozes não eram como nós. Um engano. Eram exatamente como nós. Um estudo de mapeamento cerebral revelou que um pequeno grupo de estudantes exibia menos atividade neuronal — pensamentos — ao contemplar fotos de sem-teto ou de viciados em drogas em comparação com indivíduos de status mais elevado.

Outras análises

Outro estudo mostrou que as pessoas que se opõem à imigração árabe tendem a classificar árabes e muçulmanos como literalmente menos evoluídos que a média. Pesquisas mostram que jovens desumanizam os idosos, homens e mulheres desumanizam mulheres bêbadas. Preconceitos sociais? Não. Estudos apontam que a inclinação para desumanizar começa cedo — crianças de até cinco anos veem os rostos de outras etnias como menos humanos do que os rostos do grupo a qual pertencem.

Sádico, eu?

Mas, o riso das jovens alemãs não demonstram um certo sadismo? Sim. Nós, humanos, também temos uma “veia sádica”. De acordo com um estudo de 2001, sentimos pela primeira vez o prazer pela angústia de outra pessoa aos quatro anos de idade. E mais: o sentimento é intensificado se a criança perceber que o outro é merecedor do sofrimento.

Um estudo mais recente revelou que, aos seis anos de idade, as crianças preferem pagar para assistir um vídeo de um boneco antissocial levar pancadas a gastar o dinheiro em adesivos. Ok. alguns poderão dizer que o que está em causa aqui é o senso de justiça, a crença no karma  “está pagando por algo que fez” ou o popular “cada um tem o que merece”. Seja qual for a capa do argumento, a verdade é que na nossa camada mais profunda, somos indiferentes ao sofrimento alheio porque “assumimos” que os oprimidos do mundo merecem o seu destino. Assim, sem refletir, sem verificar? Exatamente.

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Em um experimento, uma aluna foi punida com choques elétricos por respostas erradas. Numa segunda fase, alunos observadores — cientes do castigo —mostraram-se indiferentes quando perceberam que a veriam sofrer novamente. E ficavam ainda mais indiferentes quando sentiam que não podiam fazer nada para minimizar o sofrimento da aluna castigada. Em outras pesquisas similares, demonstrou-se a mesma disposição em culpar sumariamente os pobres, as vítimas de estupro, os pacientes com Aids entre outros. A razão? É a forma que o nosso humano cérebro encontrou para se autopreservar. É um mecanismo de defesa que reforça a nossa crença de que o mundo é um lugar justo. Funciona como uma espécie de analgésico da biologia.

Crenças e o excesso de confiança

E por falar em crenças… Você já parou para pensar por que é tão difícil eliminar as crenças sabotadoras e falsas que carregamos? Se somos seres racionais, não bastaria apenas confrontar essas crenças com alguns fatos relevantes para corrigi-las? Se identificamos esses padrões e seus males porque é preciso inúmeras seções de psicoterapia para extirpá-los? A resposta: porque somos cegos e dogmáticos. Um estudo sobre a pena de morte mostrou que participantes fortemente contra ou a favor da pena de morte ignoravam ­— e queriam permanecer ignorando —  fatos que contrariavam a sua posição. E por que? O estudo mostrou que enxergamos fatos opostos como ameaças ao nosso senso de identidade. Acabou? Não.

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Para facilitar essa tarefa ordenada pela biologia, a neurociência descobriu que temos uma percepção positivamente exagerada sobre o nosso entendimento do mundo. E, pior, acreditamos que as nossas opiniões são superiores a dos outros. Ora, se acreditamos que nossas opiniões são superiores, fechamos o assunto e não procuramos e nem queremos ouvir o ponto de vista dos outros. Afinal, o popular “não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe” está provado cientificamente.

Mais alguma coisa?

Ok. Somos irracionais, sádicos, dogmáticos e excessivamente confiantes… mas equilibramos com um pouco de autoconhecimento e humildade? Difícil, porque também caminhamos com a vaidade. Temos uma visão inflacionada sobre as nossas habilidades e qualidades. E há três grandes focos — humanos, demasiados humanos — revestidos com o plástico resistente da vaidade: a habilidade para conduzir veículos (carro, moto ou bicicleta), a inteligência e a capacidade para atrair um parceiro, o sex appeal.

O resultado desse estudo sobre a vaidade revelou que cada um de nós vive num micro mundo perfeito, onde “todas as mulheres são bonitas, todos os homens são fortes e todas as crianças estão acima da média”. Mais uma vez, a razão é a autodefesa. E além dessas três “perfeições”, há outras más notícias? Há. No que toca a moralidade, a vaidade é extrema e irracional. Temos uma crença irreal de que somos éticos e justos. O estudo mostrou também um dado para lá de irônico: os menos qualificados são os mais propensos à vaidade excessiva. Mesmo na cadeia, criminosos acreditam que são mais gentis, mais confiáveis ​​e mais honestos do que os seus vizinhos de cárcere. Haja autoestima.

Somos hipócritas

As redes sociais mostram com estrondo essa faceta humana. Diante de uma notícia, há um batalhão rápido e agressivo ­­— e daí o nome “viral”— pronto a condenar as falhas morais dos outros. O que diz o estudo? Bem, tenha cuidado. A rapidez no gatilho para condenar tem uma única explicação: aqueles que apontam o dedo têm uma visão muito clara das suas próprias transgressões. Rapidamente, identificam o problema em si mesmo e se sentem culpados. Mas como resolver? “vou combater os outros primeiro, depois, só depois vou tratar de mim”. É a hipocrisia em estado puro.

O estudo é complementado por um fenômeno muito conhecido da psicologia social, a assimetria ator-observador, que indica que fazemos atribuições diferentes, dependendo do fato de sermos os atores ou os observadores em uma situação. Somos muito mais tolerantes com o mal que praticamos — e também dos que nos são próximos, como os familiares — do que o mal praticado por estranhos. O que o estudo não explica é porque o grau de intolerância e julgamento severo para com o pensamento e o comportamento do outro está subindo de tom no mundo inteiro.

A natureza humana no mundo virtual

Acredita-se que o mundo virtual é uma fábrica de monstros, como o troll. Eles são tantos e tão ativos que ganharam verbo, o “trollar”. Trata-se de uma gíria da internet para nomear o usuário que com seus comentários injustos e ignorantes enfurecem pessoas e inflamam discussões nas redes sociais. O perfil de um troll vai desde o mais rude e ignorante até o mais erudito. O objetivo desses seres é desestabilizar o interlocutor e levá-lo à fúria para depois destruir seu argumento, desqualificá-lo e abalar sua reputação. Para o troll, a reação a um comentário polêmico é considerada uma diversão. Eles sentem um grande prazer em provocar indignação, em observar o desequilíbrio emocional e mental das pessoas. Cereja no topo do bolo: eles adoram autopromoção. A má notícia: estudos recentes atestam que todos temos um troll dentro de nós, pronto a dar o ar da sua graça.

O que ocorre é que a desinibição e o anonimato, proporcionados pelo mundo virtual, é um palco irresistível para o sadismo cotidiano e o comportamento não ético. Isso explica mais um dado verificado: pessoas de mau humor “trolladas” são mais propensas à ruptura da etiqueta e da conduta civilizada, isto é, têm tendência a revidar e trollar também. O resultado é o efeito bola de neve.

Isso explica porque um simples tuitar pode se transformar numa batalha campal. E já agora, a gíria foi inspirada no troll, uma criatura antropomórfica do folclore escandinavo. Reza o mito que o deus Odin perguntou ao rei dos trolls o que era necessário para que a ordem vencesse o caos. O rei dos trolls respondeu: dê-me um olho seu que eu conto. Odin arrancou um olho e entregou ao rei dos trolls e ele então respondeu: “o segredo é manter o dois olhos bem abertos”.

Fazendo uma limonada

Talvez você encare esses resultados como a confirmação dos seus piores pesadelos e sinta um súbito mal-estar. Não é essa a ideia. São informações que nos ajuda a compreender como funcionamos. Você não precisará mais se sentir perplexo diante da pergunta “porque pessoas boas fazem coisas más” e nem ficar desorientado quando ouvir o relato das coisas terríveis que um conhecido foi capaz. Para os mais práticos, essas informações servem como um pré-aviso para minimizar futuras decepções, um diminuir de expectativas. Mas, sobretudo, é a base para a evolução pessoal, pois só reconhecendo as deficiências é que conseguimos corrigi-las. São dados que ajudam a caminhar pela vida com sabedoria; uma bússola que mostra a direção para o melhor da nossa natureza.

Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

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