O que há por trás da nossa reclamação?
Uma cena cotidiana revela como pequenas irritações podem esconder grandes frustrações

Dia desses, o Ben chegou da escola, entrou no seu quarto, tirou a mochila das costas e, quando viu que seus brinquedos não estavam arrumados do jeito que ele costuma deixar, começou a reclamar. Até aí, ok. Eu também adoro encontrar minhas coisas ajeitadas da mesma maneira que deixei. A Vera havia limpado a nossa casa naquela tarde e, como de costume, ajeitado os objetos à sua maneira. Mas o meu garotinho de seis anos começou a aumentar o tom da reclamação de maneira claramente desproporcional ao incômodo que aquilo poderia causar.
Eu tentava ajudá-lo a arrumar seus bonequinhos de Sonic, mas ele ficava ainda mais nervoso. Chorava e dizia que a culpa era minha. Dei aquela bufada com fechadinha de olhos que você deve reconhecer e continuei ali, com ele. Respirando fundo. Até que finalmente me dei conta: não é por algo tão pequeno que ele está reclamado. O bonequinho de sonic foi só o pretexto para ele explodir.
Enquanto ele ainda reclamava e tentava arrumar seus bonecos, comecei a perguntar sobre como tinha sido aquele dia na escola. Pronto. Ali estava a grande queixa. “Mãe, estou cansado do Murilo sempre aprontar comigo”, ele me disse, aos prantos. E contou sobre os atritos que vinha tendo com um amiguinho da sua sala cuja relação é cheia de ambivalências.
Depois de escutá-lo, pensamos juntos em algumas maneiras de lidar com o garoto — e com o que o Ben estava sentindo. E logo ele voltou a terminar de arrumar seus brinquedos com um sorriso no rosto, agora sem o molhado das lágrimas de minutos atrás.
Por muito pouco eu não surtei junto com a reclamação da criança. Por muito pouco eu, que já tinha tido um dia cansativo, não dei as costas para ele e o deixei reclamar. Depois, pensei: quantas vezes chegamos em casa com a nossa mochila cheia de frustrações do dia e só precisamos de um pequeno gatilho para despejar aquela insatisfação acumulada?
Igual quando chegamos em casa, vemos um copo sujo na pia e fazemos tempestade sobre ele (ou sobre quem o deixou ali…) Claramente não é sobre o copo. Mas sobre incômodos mais profundos que ainda não encontraram espaço para serem acolhidos e olhados. Seja conosco, seja na relação com o outro. Vamos carregando nossas pedras e depois as despejamos do jeito mais desengonçado possível.
O Ben, do alto dos seus seis anos, ainda está aprendendo a reconhecer suas frustrações e a encontrar maneiras mais saudáveis de lidar com elas. Mas eu, do alto dos trinta e tantos, também estou. E pode ser que você também.
Por isso, toda vez que você chega em casa e algo pequeno que está fora do lugar faz você querer espernear e esbravejar, pare. Abra a mochila. Retire as pedras que carregou. Entenda qual é a dor maior antes de derramá-la sobre o para raio que estiver por perto (geralmente, as pessoas que mais amamos…). Só assim a gente pode arrumar a bagunça externa também dando espaço para o caos interno se ajeitar.
Agora, os bonequinhos do Ben já estão prontos pra voltar a brincar. Os seus também?
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