O que eu era antes de ser mãe
Entre descobertas e redescobertas, a maternidade revela um mundo completamente novo
Era um domingo de dia das mães como hoje, e meu filho tinha quase quatro anos. A gente brincava de massinha no quarto dele, quando lhe disse “filho, sabia e eu me tornei mãe porque você nasceu?”. Ele parou a brincadeira e me olhou, estupefato: “Então o que você era antes?”.
“Eu era uma pessoa mais descansada e com o sono em dia”, pensei, com bom humor. Mas respondi a ele, carinhosamente, que eu também era um monte de outras coisas. Jornalista, esposa, filha, e tantos outros papéis. E que só estreei no papel de mãe quando ele chegou nesse mundão. Quando virei mãe, eu não imaginei quantas partes minhas morreriam para outras nascerem. Quanto do que eu já conhecia ficaria numa gavetinha, a ser revisitada depois, enquanto novos espaços em mim se abriam para experimentar algo inédito e, sobretudo, inefável.
Esses dias, enquanto a gente lia um livro, ele me contou a história de Malala – a ativista paquistanesa pelos direitos das mulheres e da educação, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz. Eu parei a leitura e também o olhei, estupefata: “Você sabe a história da Malala?”. E ele, do alto dos seis anos, me contou tudo – com detalhes que eu, que havia lido o livro dela há anos, sequer recordava. Pensei comigo: quantas partes minhas, esquecidas, meu filho me ajudou a me lembrar?
Com a maternidade, meus olhos voltaram a reparar nas formiguinhas que trabalham enfileiradas. Meus ouvidos passaram a escutar o barulho dos aviões e a procurar, no céu, as suas rotas. Passei a trazer para a casa, depois de um passeio com ele, pedras, folhas, gravetos e pinhas, nossos grandes tesouros. Ganhei companhia para experimentar novos sabores de sorvete. O presente mais doce virou a flor miúda que as mãos pequenas arrancaram do asfalto. Vi aquele corpinho aprender a virar, a engatinhar, a andar, a correr. A falar. E, agora, a ler e a escrever.
Anfitriar uma vida na Terra talvez seja, um pouco, sobre recordar as alegrias mais singelas de estar por aqui. A vida fica sim, mais complexa, desafiadora, cheia de medos e receios. E, ao mesmo tempo, também fica mais simples. Dos convites mais bonitos (e digo convite porque aceita ir quem quiser) que a maternidade me deu foi apreciar o tempo, “que só anda de ida”, como escreveu Manoel de Barros, o poeta das miudezas – e o meu preferido.
Maternar talvez seja sobre testemunhar alguém a caminhar pelo tempo. São nas horinhas de descuido, entre uma brincadeira e outra, entre uma atividade e outra, entre uma refeição, um banho, um olhar ou qualquer outro momento cotidiano, que eu deixo as preocupações do mundo dos adultos e posso revisitar um pouco da minha infância. Às vezes reparo bem em tudo o que está acontecendo (ou até tiro uma foto) com o desejo de tornar aquele momento eterno.
O que eu era antes de ser mãe se mistura ao que eu sou agora. Em cada mãe, há um universo de desejos (inclusive de descanso!), afetos, dores e alegrias. Em cada mãe, a anfitriã que apresenta amorosamente o mundo a um filho. E, em cada mãe, um novo mundo que se conhece através daqueles novos olhinhos.
Desejo um lindo dia a todas que, amorosamente, conduzem seus filhos entre tantas descobertas, enquanto também descobrem um pouco mais sobre a potência que guardam em si mesmas.
Feliz dia das mães,
Com carinho,
Débora Zanelato, filha da dona Zélia e mãe do Ben.
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