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O aprendizado que vem das perdas
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Apesar de agitar águas e nos turvar a visão, são uma fonte de aprendizado. Delas emergimos mais sábios, mais fortes

A perda é um processo indissociável da vida. Está em todos os lugares, em todos os dias e em variados tamanhos. Mas mesmo assim, seguimos como se ela não existisse, como se o mundo fosse perfeito, como se fôssemos todos imortais. E não pode ser de outra forma. Em todas as direções, só há competência, felicidade, lucro, vitória, perfeição, sucesso. As fotografias mostram amigos com sorrisos rasgados, famílias perfeitas e casais apaixonados.

Mas apesar de não se mostrar no palco, as perdas estão lá. Algumas podem até passar despercebidas pelos outros, mas são duramente sentidas por nós. Certa vez cortei o cabelo bem curto. Desconforto sofrido. Depois de tantos anos de cabelo esvoaçante, precisei me readaptar à ausência dele. Uma perda pequena, mas ainda assim uma perda. Perde-se o ano escolar, o emprego, perde-se o avião, perde-se a esperança, perdem-se amigos, perde-se a saúde. Aqueles que imigram, perdem uma cidade, um país. E, claro, há as perdas definitivas. Perde-se um animal de estimação, perde-se um amor, perdem-se entes queridos para a morte.

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Seja qual for o tamanho, salvo exceções, elas nunca são realmente esperadas e nunca se está suficientemente preparado para elas. E há algumas muito difíceis de serem superadas, requerem um processo de luto. É necessário um tempo de sofrimento vivido. A perda precisa ser vivida, assimilada, digerida. Um período árduo em que a dor se sobrepõe à vida, mas o único caminho para a cura.

Não sei perder!

Todas doem, mas as mais difíceis de superar são as perdas reversíveis — ou que imaginamos reversíveis. Na categoria das perdas não aceitas, as relações estão no topo da lista. Mistura-se orgulho ferido, ego em frangalhos, frustração e histórico de rejeição e o resultado é  um prato pesado, difícil de digerir. Há os que se  transformam no muro das lamentações; outros encarnam o papel de vítimas; outros partem para o ataque cego, buscam vingança, retaliação e punição para o outro. E o homem, diante da perda, pode transformar-se no mais destrutivo dos animais. As estatísticas mostram que cerca de 40% dos atos de violência doméstica são praticados por ex-parceiros.

Perdição

A lição a reter ­é que é possível aprender a gerir as perdas, minimizar o seu impacto destrutivo, inclusive mudar a percepção sobre elas. Como? O primeiro passo, então, é o exercício mental de procurar um compartimento para a sua perda.

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Você perdeu um amor que julgava ser o centro da sua vida e que seria para a vida inteira? Coloque-o em 1/8 do seu espaço — lembre-se de que você tem vários “territórios”: o profissional, o amigo, o pai ou mãe, o filho ou a filha, você com você mesmo… Veja o real espaço que a perda ocupava. Depois observe-a. Mas olhe como se a perda fosse uma escultura de Rodin. Contempla-a com amorosidade e leveza. Dê uma volta completa em torno dela, veja a textura, os pontos onde a luz reflete, as entranhas escuras. Se faltar imaginação, leia o poema de Elisabeth Bishop (deixarei abaixo para que você não perca o foco).

Aceite!

Há sofrimento? Há. Aceite-o. A vida não seria vida sem o sofrimento. Ele nos situa. Sem ele não saberíamos identificar a alegria, assim como só compreendemos o que é o norte, em relação ao sul. Na gestão das perdas, a aceitação atua em duas frentes. Primeiramente ela viabiliza — mesmo na dor e na frustração — a coragem, a dignidade e a generosidade necessárias para seguir em frente. A segunda frente impede que a dor natural das perdas se transforme em sofrimento contínuo e prolongado.

É exatamente agora que precisamos ter em mãos alguns clichês sobre a vida. Por que só absorvemos os positivos? Devemos assimilar também que o “nada é para sempre”, que  “as pessoas mudam”. Aceitar que as relações mudam, os outros mudam e até que nós próprios mudamos é um dos maiores desafios humanos — e também o único aliado para lidar com as perdas.

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Foco no que interessa!

Olhar para as perdas dentro da sua floresta, faz com que você tenha uma visão do todo e do que é importante. Friedrich Nietzsche, o mais completo filósofo da afirmação da vida, ensina que o anseio maior do ser humano não é ter uma utilidade, ser um servidor competente no mercado de trabalho ou estar alinhado com papéis sociais e modelos de sucesso. A nossa missão é o autoconstruir-se e o sentido é em direção à excelência. Precisamos ser mestre e escultor de nós mesmos.

Para Nietzsche, “a vida é antes de tudo uma capacidade de acumular forças”. A vida é essencialmente o esforço por mais potência, e é nesse sentido que devemos agir. Precisamos desenvolver a capacidade de dar novos sentidos ao que nos acontece e aqui inclui a integração das perdas. Então, fechamos o círculo. O exercício das perdas. O nosso habitat natural é a “cultura da exceção, da experimentação, do risco”.  Ora, esse é exatamente o terreno das perdas.

Precisamos aumentar a nossa competência, estar à altura do que nos acontece, saber cicatrizar feridas, reconstruir as formas destruídas. Assim sendo, só elas podem proporcionar esse exercício. Depois do enfrentamento de uma perda, constatamos que o nosso tegumento flácido e desbotado, ganhou vigor. Sentimos a pele mais “experimentada”, mais elástica, com mais tônus. É verdade que há uma marca aqui e outra acolá. Mas é a partir dela que temos a oportunidade de abrir toda a nossa envergadura, experimentar toda a nossa capacidade articular. E assim, com essa consciência, olhamos a vida como um senhor que contempla os seus domínios. Com força, com serenidade e em paz com o nosso destino.

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A arte de perder, de Elisabeth Bishop*

A arte de perder não é difícil de dominar;

Tantas coisas parecem feitas com o molde da perda;

Que perdê-las não é nenhum desastre.

Perca algo a cada dia. Aceite, austero

A chave perdida, a hora mal gasta.

A arte de perder não é difícil de dominar.

Pratique perder mais rápido, perder mais longe:

Lugares, nome, a viagem não feita. Mentir não posso

Nada disso é desastre.

Perdi o relógio de mamãe. E olha! Nem quero

Lembrar a perda de três casas amadas

A arte de perder não é difícil de dominar.

Perdi duas lindas cidades. E mais vasto, alguns reinos

que eu possuía. Dois rios, um continente

Sinto falta deles. Mas não foi um desastre.

— Mesmo perder-te a ti (a voz, o riso etéreo

que amo) não muda nada. Pois é evidente

que a arte de perder não é difícil de dominar

Embora pareça (Escreve!) um desastre.

*tradução livre

Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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