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O que aprendi com a minha avó sobre o poder da simplicidade
Skiathos Greece / Unsplash
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Neste artigo:

Temos muita dificuldade em ver sentido em gestos mais simples. Parece que estamos sempre esperando um motivo maior para realizamos o que vida nos pede.

Um dos motivos que me levaram a fazer jornalismo foi acreditar na capacidade que ele tem de trabalhar por um mundo melhor e, através de grandes reportagens, mostrar as desigualdades sociais, questionar sistemas políticos opressores e corrigir inúmeras das injustiças que nos cercam.

Depois de quase três décadas gastando muita sola de sapato e empunhando microfones pelos quatro do um mundo, chego à conclusão de que o caminho para mundo novo passa pelo quintal da minha avó. Entre a jabuticabeira e o portão, ela me mostra que são nos gestos simples, desprovidos de qualquer busca por reconhecimento, que as grandes mudanças realmente acontecem.

Acolher

Eu era adolescente, no final dos anos 80, e me lembro do susto que foi quando, certa vez, abri o cadeado que prendia a corrente da garagem e me deparei com um homem bem maltrapilho sentado do lado de dentro na mureta da casa em que morávamos em Tupã, no interior de São Paulo. A velocidade com que aquele homem levava a colher de comida à boca não deixava dúvida do quão faminto estava.

Meio sem jeito, o cumprimentei com um leve movimento de cabeça e logo entrei pela cozinha. Minha avó lavava a louça e antes que eu lhe perguntasse alguma coisa, já foi me dizendo que o rapaz pedira algo para comer, tinha fome.

Dona Nena jamais negou um prato de comida para quem batesse à sua porta.

Cenas como a daquela tarde se repetiram por muitas vezes ao longo dos anos em que morei com ela. Havia naturalidade em suas ações, dessas que se ocupam apenas do ato em si, como se a vida e seus afazeres encontrassem sentido em cada passagem do tempo. E é neste lugar que está a potência e a mensagem que quero trazer neste texto.

VALE A PENA: Atender o chamado do coração é dar ouvidos à voz interior

O que muda o mundo

Minha avó não dava comida para quem batesse à sua porta por achar que, com esse gesto, ela estaria ajudando a acabar com a fome no mundo. Minha avó oferecia comida, porque aquela pessoa que chegava até ela, tinha fome. Simples assim.

Ainda temos muita dificuldade em ver sentido em gestos mais simples.

Parece que estamos sempre esperando um sentido maior nas coisas, uma aprovação de fora, alguém que legitime o que o nosso próprio coração pulsa em ação.

Aliás, ele sempre nos chama para movimentos que a mente não pode justificar diante dos problemas globais.

A lógica da grandeza pode nos arrastar para sentimentos de relevância, levando-nos a projetar importância nas pessoas que vemos em nossas telas, ainda mais em tempos em que rolar o dedo pelas timelines virou exercício de comparação.

A nossa cultura valida e celebra aquelas pessoas que estão lá fora, com grandes plataformas, falando para milhões de pessoas. Sim, claro, tem gente muito boa e com alcance fazendo coisas incríveis.

Eu mesmo conheço muitas pessoas que trabalham para um despertar de consciência coletiva, mas tem também os que trabalham em silêncio, cuidando de apenas uma pessoa ou de um pequeno grupo, ajudando alguém com dificuldade de atravessar a rua, trocando as fraldas de um idoso acamado… A magia vem desse lugar, de não depender que uma ação gentil se torne viral na internet para fazer sentido.

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Simplesmente faça

Minha avó não precisou montar uma ONG para ajudar a acabar com a fome no mundo e também estou ciente de que muitas pessoas ainda morrerão de frio, apesar da doação que fiz de alguns agasalhos no inverno passado.

O que que eu quero dizer com isso?

Que não necessariamente você precisa lançar um livro que se torne best-seller ou fazer um super documentário para ajudar a transformar o mundo.

O importante primeiro é o período de latência, o tempo de fazer algo por si só, sem se preocupar muito com o resultado. Isso é poderoso. Tudo vem depois, num certo fluxo natural das coisas.

Gosto de acreditar que existe uma certa “inteligência” que sabe tudo, tipo um “Deus vê tudo” que opera numa única frequência: a verdade.

Hoje, quando olho para a minha avó com seus 90 anos, me lembro de cada gesto desprovido de vaidade.

Acredite, os atos que mudam o mundo de maneira mais profunda são aqueles que brotam do coração.

Faça, simplesmente faça o que a vida vem lhe pedindo.

Leia todos os textos de Patrick Santos em Vida Simples.


PATRICK SANTOS (@patricksantos.oficial) é jornalista, escritor e apresentador do podcast 45 Do primeiro tempo que semanalmente traz histórias de pessoas que se reinventaram. Depois do sabático em 2018, não abre mão de passar as tardes de domingo com a sua avó.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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