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Menos presentes e mais presença para as crianças
Daniel Filipe Antunes Santos | Unsplash
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Um belo dia me dediquei a assistir a um daqueles realities norte-americanos sobre acumuladores compulsivos. Ali, pessoas com seríssimos problemas têm suas fragilidades expostas e são levadas a acreditar que um serviço de limpeza e recolhimento dos seus objetos consegue resolver de vez suas vidas. Seus problemas de aquisição excessiva e incapacidade de descarte… Em 40 minutos abordando um caso, pouquíssimo se fala sobre a depressão, o abandono, a carência emocional, os grandes traumas e as perdas dessas pessoas ou mesmo a falta de maturidade para lidar até com pequenas decisões.

Penso que problemas extremos, que inflam progressivamente estatísticas e já atingem 4% da população mundial, podem também ser trazidos às raízes da infância. Repensemos esse pequeno e intenso território em que pisamos nos primeiros anos para caminhar a vida toda. Claro que há fases nos primeiros anos em que a criança elege alguns objetos como extensão de si mesmas. Mas reflito sobre o quanto hoje nós, adultos, precisamos fazer um grande esforço para aprender a viver com menos tamanha lógica de consumo e oferta em que crescemos e formamos nossa maturidade emocional. E é uma queda de braço entre nossas necessidade e carências e as promessas das coisas de fora, do mundo da propaganda.

Para a infância, as marcas se aproveitam ainda mais da falta de entendimento sobre o que é publicidade e o que é entretenimento. Como alvo fácil dos apelos de consumo, elas participam de grande parte da decisão de compra da família, não só dos seus brinquedos e das suas roupas, mas de carros, de móveis… Isso porque os publicitários entenderam que falar com criança é um bom negócio.

É difícil, mas não impossível realizar alguns bloqueios para que o consumo e o acúmulo não pareçam ser os melhores amigos dos nossos filhos. Como? Estando mais junto. Se nossa rotina nos impede longos momentos diários, podemos pensar no tal tempo de qualidade. Ao invés de pagar nossa ausência com presentes, podemos investir no diálogo, reembolsá-los com escuta, saber os nomes dos seus colegas de classe e o que comeram no almoço sem precisar ver o app da escola.

Passeios simples, com menos idas ao shopping como forma de lazer, e mais caminhadas a céu aberto. Atividades sem muitos gastos, como cozinhar junto ou voltar da escola a pé, podem aproximar mais e gerar boas memórias. Outra mudança de atitude nossa começa com o exercício de deixar o mundo lá fora e as notificações de celular quando entramos em casa. Sei que é difícil! Mas é preciso fazer o possível para que, nesses pequenos momentos juntos, eles sintam que podem contar com adultos realmente presentes em suas vidas.

Presença não tem fórmula mágica nem pode ser comprada, mas paga muitas necessidades. Os presentes físicos têm tempo de uso, a presença plena cobre lacunas e transborda vínculo e aprendizado. Não tem coisa que a gente acumule e que consiga suprir a nossa dificuldade em lidar com o que vem de fora. Até as pequenas decisões de descarte ficam mais difíceis quando não assimilamos os afetos ao longo da vida.

Luísa Alves é relações públicas e criadora da plataforma Guia Fora da Casinha, na qual compartilha conteúdo sobre infância e mater-paternidade na cidade, além de agenda cultural pra quem tem crianças em São Paulo. Nesta coluna, quinzenalmente, traz reflexões sobre cidadania, cultura e lazer na infância, fortalecimento de mães e sobre o estilo de vida com crianças. Seu instagram é @guiaforadacasinha

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