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Memórias de uma casa de brincar
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Ter a leveza e a sabedoria para deixar a imaginação fluir nos deixando mais livres para fazer as escolhas certas que marcarão nosso futuro

Confesso que levei um susto ao chegarmos aqui, em janeiro.  Essa chegada assim meio que de repente, sem avisar, teve um impacto grande dentro de mim. Assim como um mensageiro vindo de muito longe, trazendo de presente memórias carinhosas desse lugar distante, minha infância.

Quando criança, o final do ano não me assustava, muito pelo contrário, era o período mais aguardado do ano. Minhas memórias trouxeram a agradável lembrança da transformação que minha casa ganhava para a chegada das férias, e minha mãe era quem comandava tudo isso. Lembro bem da criança offline que eu era. Morava em um bairro onde era possível andar de bicicleta pelas ruas. E quando não estava fazendo lição de casa, vivia jogando futebol com os meninos, pulando corda, ralando meus joelhos andando de patins, e claro, brincando de casinha.

Mas quando chegavam as férias, o ato de brincar se transformava! Com o período das aulas já finalizado, minha mãe resolvia reorganizar a casa. Sabiamente nos mantinha ocupados recrutando nossa ajuda no processo com o propósito de abrir espaço na casa para nossas brincadeiras. Nossos quartos e armários, eram preparados para a famosa limpeza de final de ano que acontecia nesta data. Separávamos todas as roupas que não nos cabiam mais e todos os brinquedos que não tinham mais graça, com o objetivo de abrir espaço para as coisas novas que estavam por vir, dizia ela!

Coisas novas estão por vir

Eu não entendia muito bem o que minha mãe queria dizer com “coisas novas que estavam por vir”, mas sempre tive confiança no instinto de positividade que ela ainda continua passando tão amorosamente para nós até hoje. Era uma reorganização em nossa casa, que para mim, tão pequena que eu era, inexplicavelmente colaborava com minha criatividade e ao mesmo tempo deixava todo mundo com uma estranha sensação de satisfação. Podia até imaginar minha casa de banho tomado, sentadinha, esperando uma visita chegar.

Mexer em todos aqueles objetos e roupas que saiam de dentro dos armários, fazia com que eu e meu irmão, encontrássemos verdadeiros tesouros que ficavam escondidos o ano inteiro, e que nos eram mostrados a medida que crescíamos. Eu misturava todos eles nas minhas brincadeiras encontrando diferentes utilidades para cada um daqueles pertences esquecidos.

Roupas viravam fantasias, pequenas caixas se organizavam como grandes edifícios erguidos em um tapete que delimitavam uma cidade imaginária. Colares se transformavam em rios, e as montanhas eram representadas por pilhas e mais pilhas de livros. Lembrei como se fosse hoje, que preparar o quintal para receber meus amigos para um banho de piscina de plástico, e brincar nas barracas que a gente montava com as colchas das camas que tirávamos dos armários, construindo nossos esconderijos com as almofadas que trazíamos dos sofás da sala, deixou uma marca dentro de mim!

Pare, observe e reorganize

Dia desses ouvi dizer, que memória é a história que encontra seu caminho. E ela me alcançou, em dezembro de 2019. Passou para me dar um abraço apertado, e a recordação do meu lar amoroso com um poderoso recado de que podemos encontrar mais tempo para nós mesmos nessa vida tão online que estamos vivendo. Ter a leveza e a sabedoria para deixar a imaginação fluir nos deixando mais livres para fazer as escolhas certas que marcarão nosso futuro.

Percebi a associação que minhas férias infantis me trouxeram com a real possibilidade de enxergar que devemos parar!  Parar para nos observar e nos reorganizar, deixando o coração comandar o sentir e quem sabe esperar de banho tomado, a visita de uma vida mais leve.

 

Clô Azevedo é arquiteta e acredita que a casa é uma extensão das vidas que a habitam. Desenvolve projetos de design de interiores afetivos para conectar pessoas com suas histórias, inspirando a reinventar seu próprio espaço, morar bem e viver melhor. Seu site é designafetivo.com.

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