Mais que ilhas paradisíacas, San Blas tem cultura forte e inspiradora
Conheça os Gunayalas, sociedade matriarcal as ilhas de San Blas, no Panamá. A comunidade indígena é também marcada por forte cultura.
Os Gunayalas são uma comunidade étnica indígena que atualmente reside na República do Panamá. No entanto, décadas atrás, estavam isolados nas densas florestas do Istmo de Darien, na fronteira com a Colômbia.
Com a separação entre Panamá e Colômbia no início do século 20, começaram a migrar para a costa e o arquipélago de ilhas no litoral Atlântico, conhecido internacionalmente como San Blas. Hoje, por legislação, essa área é reconhecida como uma Comarca autônoma dos Kunas, resultado da revolução Tule de 1925.
De acordo com o último censo de 2023, indígenas formam quase 18% da população do país, totalizando quase 700 mil pessoas, dos quais os Gunayalas representam um pouco mais de 32 mil indivíduos.
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A sociedade matriarcal nas ilhas de San Blas
Em geral, são os homens que garantem o suprimento alimentar, porém, entregam tudo às mulheres, especialmente à mãe do clã ou matriarca. Já as mulheres preparam e distribuem a comida para o clã, sendo vistas como as provedoras familiares.
A ordem social Kuna é matrilinear e matrilocal, onde se traça o parentesco através da linhagem feminina. Mulheres ligadas por laços de sangue vivem juntas na casa de suas mães, enquanto seus irmãos e filhos mudam-se para as residências de suas sogras.
Os Gunayalas e as ilhas de San Blas
O termo mais antigo que caracterizam os indígenas da região é tule ou dule, que significa povo. Já o termo gunayala, pode ser abreviado como kuna ou guna (ambos os termos podem ser escritos com “g” ou “k”), curiosamente, é uma terminologia posterior e vinda de fora.
Da mesma forma, o nome do território, San Blas, tem fonte externa: faz alusão a um santo cristão trazido pelos espanhóis de nome Blas de Sebaste, de origem armêmia.
Yala significa terra ou montanha e compõe o termo gunayala que usaremos bastante, já waga designa todo e qualquer um que não seja tule. Aceita-se então gunayalas, kunayalas, as formas abreviadas gunas ou kunas e também guna dule.
Há muitas ilhas, dizem ser 365, o que faz com que você seja intimado a se dar ao luxo de visitar uma por dia durante todo um ano em uma eventual viagem! Não chequei se é verdade, mas a história é bonitinha.
Ao conhecer as ilhas, me perguntei como aquele paraíso não estava ainda nas mãos das grandes redes hoteleiras internacionais. A conta parecia não fechar, até que entendi quem era aquele povo e o que foi a revolução Guna, tema de outra coluna…
Os guna são um desses povos e ocupam três localidades que os definem como gunas do mar, os gunas de Madugandí e os Wargandí que vivem no continente, nas montanhas. Nossa visita foi aos Gunas do mar.
Começou em pizza
Em nossa viagem inaugural ao Panamá, tivemos o privilégio de conhecer Dialys Ehrman, uma das primeiras kunas formadas em Direito. Como advogada, ela participa ativamente de encontros pelo mundo para discutir o futuro e os interesses dos indígenas que habitam o planeta. Trata-se de uma figura destacada na defesa dos direitos dos povos indígenas, particularmente os Gunayalas.
Durante um encontro em uma pizzaria na Cidade do Panamá, Dialys Ehrman veio acompanhada de seu esposo Danilo, que nos pareceu bem mais tímido do que ela.
Após aqueles momentos iniciais levemente constrangedores, deu-se início uma conversa que parecia não ter um rumo muito bem definido. O papo fluiu e Dialys nos relatou que estava se recuperando de uma leve dor de garganta e indisposição.
Mesmo assim, estava disponível para responder nossas perguntas. Então, Mara Carneiro, minha parceira e organizadora da jornada, que possui bagagem de estudo etnográfico, preparou e conduziu todas a conversas e entrevistas que realizamos dali em diante.
Participação dos Gunayalas no governo panamenho
Dialys compartilhou informações detalhadas sobre a complexa estrutura de governo dos Gunayalas e enfatizou a importância dos caciques como representantes das comunidades perante o governo panamenho e organismos internacionais. E ressaltou que as decisões estratégicas são coletivas.
A advogada indígena revelou com orgulho suas raízes familiares, sendo neta de Estanislao López, um líder histórico dos indígenas Kuna. Ela descreveu sua própria jornada, inicialmente marcada por uma relutância em se expressar nas reuniões comunitárias.
Mas, gradualmente, se transformou à medida que encontrava espaço, especialmente ao defender a presença feminina nos congressos Kuna. Apesar de reconhecer a persistência do machismo em certos contextos, ela expressou otimismo quanto à evolução das mentalidades.
Ao perguntar a Danilo sobre sua experiência como marido de Dialys, ele, um locutor de rádio, respondeu com sua voz contundente: “Ela me ensinou a valorizar a cultura do meu povo”.
Essa troca revelou não apenas a dinâmica entre o casal, mas também a importância do apoio mútuo na preservação e fortalecimento das tradições e identidades culturais.
Na próxima coluna seguimos com outros encontros e relatos da interessante cultura indígena gunayala. Fique de olho!
Para saber mais sobre Gunayalas
Gostou? Então, que tal conhecer um documentário para saber mais sobre os gunayalas do Panamá?
Neste mês de maio, estreia a segunda temporada da Série Documental Reino das Mulheres no Youtube com o tema: Gunayalas, uma matriarcado no Panamá. São três episódios com 20 minutos de duração cada. Anote as datas:
16/5 – Episódio 1 – Esvaziando copo
21/5 – Episódio 2 – Revolução e autonomia
23/5 – Episódio 3 – Amor, gênero e família
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