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Hilaine Yaccoub mostra como a prática antropológica pode ajudar as pessoas a se abrirem para o novo e conhecer pensamentos diferentes dos seus a partir de uma escuta atenta ao outro.

Em um universo contemporâneo de acaloradas polarizações, a escuta do outro praticamente inexiste. Parece que a sociedade e seus nichos de convicções e posicionamentos preferem se fechar. No entanto, falar para “convertido” é bem mais fácil, mas será que isso é viver em sociedade?

Será que ao deixamos de nos misturarmos (não necessariamente concordando com o outro) não nos torna mais pobres, atomistas e limitados dentro de um pequeno conjunto de perspectivas de compreensão?

Nesse sentido, entendo que consumir modos de pensar, acreditar e agir diferentes dos nossos se faz emergencial.

Quem sabe o fazer antropológico não é um caminho para que todos possam se descontruir para entrar na pele do outro?

Fica aqui meu convite com uma breve contribuição para darmos lugar a dialética, a troca, a vontade de entender sem necessariamente contribuir para essa avalanche de raivas e frustrações que presenciamos em redes sociais e até mesmo em grupos de família.

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O desafio de ser o outro no contexto dele

O antropólogo reina no domínio do mortal: traduzindo o homem tal como ele é ou representa, um viajante do tempo, ansioso descobridor de almas.

Ilustra todos os dias essa verdade de uma tão realidade fecunda: não existem fronteiras entre aquilo que o homem quer ser (o que conta) e aquilo que ele é (o que vive).

“Entre nós e a eternidade, optamos por nós” disse o poeta Camus.

Antropologia é uma ciência avassaladora. Corpo, alma, espírito e coração condicionados a nos desobstruirmos para nos refazer na vida nos outros. Porque o pesquisador é o próprio instrumento de coleta, a técnica é ele, sua trajetória e repertório.

Tudo acontece de forma indissociável no fazer trabalho de campo, conjuntamente a construção das relações e correlações teóricas para desenvolvimento da etnografia.

O mergulho é um estado de vida e morte, um comprometimento de 360 graus de onipresença. É ele, apenas ele, inserido no contexto dos outros e do desconhecido, abrindo caminhos, desbravando com seu próprio ser a entrega interminável para onde sua curiosidade o leva.

A inquietação e o descontentamento o levam e o dirigem para um extremo êxtase, quase que um clímax de uma nova descoberta, seguido de um vazio do já saber.

Então, como fazer?

Aceitar sua incapacidade e limitação é o começo. Você certamente tem outros talentos. Certamente encher a sua cabeça com propósitos que envolvam vocação será perda de energia e tempo. Não se engane, você irá cansar.

Sendo assim, mesmo que te pareça insano ou nada prático, comece se recheando do que o outro tem para oferecer: das experiências deles, das suas histórias e emoções. É um pequeno primeiro passo. Não busque respostas, busque processos de vida.

É preciso apostar e acreditar nas revoluções silenciosas, essas que atuam em bastidores, muitas vezes esquecidas. Não importa. Devemos jogar as sementes e esperar até que um dia floresça beleza, força e magnitude que irá trazer impactos sociais verdadeiros.

E tudo bem ganhar a vida e o sustento com a  sabedoria, e junto dela vai a pureza do olhar primordial, daquele que sai do seu lugar confortável para iniciar novamente uma outra busca que nem sempre é a sua, mas de quem te contrata. “Qual shampoo você usa?”

Não acredito em pureza de vocação simplista. Não estou romantizando. Porque para a vocação se firmar e fortalecer precisa de resultados que provêm de gostos, ambições, desejos nem sempre puros. Tudo é apetite.

Vocação resulta da prática de anos, após numerosos anos de carreira, sofrimentos e decepções. Depois de uma longa trajetória é que se afirma a vocação. Se precisa uma decisão e ela não passa de uma escolha consistente de aceitação e fidelidade a esses sentimentos que nos conduzem, e mais, ao cumprimento das exigências de uma carreira com rigidez e rigor.

Só aí o que digo, explico, falo, sou, conheço passa a ser quase natural do tipo de coisa que sai na urina. É um exercício de fazer o que gosta de fazer.

Antropologia é a necessidade do outro, de estar nele, de trazer incômodos para aumentar horizontes, é acreditar nas microrrevoluções que começam com a gente, depois a família, parentes, vizinhos e amigos até perder o controle de uma nova prática humanista, que um dia de tão naturalizada sequer se tornará tema de discussão.

Sem ideologia, sequer levantamos da cama, portanto ergam-se e acreditem na força da sua raiz, só assim terá segurança para bater suas asas com a força apropriada para voar.

PREPARE-SE E VOE!

Leia todos os textos da coluna de Hilaine Yaccoub em Vida Simples.


HILAINE YACCOUB (@hilaine) é mestre e doutora em Antropologia do Consumo. Como pesquisadora, palestrante e consultora, há 20 anos aplica a Antropologia Estratégica nas empresas traduzindo comportamentos, movimentos culturais e lógicas de consumo das pessoas para a construção de soluções, entendimentos e tomadas de decisão assertivas.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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