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Há uma sabedoria silenciosa na morte
Imagem: Unsplash/National Cancer Institute
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Neste artigo:

É curioso como podemos marcar profundamente a vida de alguém sem sequer perceber. Só compreendi isso depois de muitos anos ao lado de pessoas que estavam morrendo. Pratico todos os princípios, habilidades e competências dos cuidados paliativos no meu dia a dia como médica, professora e ser humano.

Mas saiba que não entrei nesse campo por achar bonito – entrei porque não havia ninguém para conversar sobre a morte quando ela começou a habitar o meu cotidiano.

A morte de alguém querido expõe nossos medos e vulnerabilidades

Quando iniciei minha carreira, eu via muita coisa importante a fazer diante da morte que as outras pessoas não viam. Era pesado. A morte não fazia parte da formação médica – ela era tratada como fracasso. Mas a verdade é que ela é certa. E, quando chega, expõe tudo: os medos, os vazios, as verdades.

Aprendi que o processo de morrer acontece em dimensões – biológica, emocional, social, familiar e espiritual – e que nenhuma tecnologia substitui a presença real, humana, empática. Estar ao lado de quem está morrendo exige mais do que técnica: exige coragem para sustentar o silêncio, escutar com o corpo, acolher sem invadir.

No luto o que realmente importa ganha evidência

Há uma sabedoria silenciosa em quem está partindo. Se estamos atentos, podemos aprender sobre o que realmente importa. Vi pacientes de 103 anos dizerem: “Eu preciso morrer, mas meus filhos não estão prontos.” Presenciei famílias se despedirem com verdade e beleza. Testemunhei dores se transformarem em sentido.

Estar ao lado de alguém que está morrendo é uma travessia sem ensaio. Não há roteiro, não há controle. Há entrega. E, para isso, é preciso coragem – especialmente para não fugir de si mesmo.

Cuidar do outro, sim, mas sem ultrapassar os próprios limites

Muitos que escolhem cuidar de alguém no fim da vida partem da intenção de “ajudar”. Mas logo percebem que não se trata apenas de dar. Estar presente nesse momento é se permitir ser transformado. É sustentar a dor do outro sem se abandonar. Porque empatia sem autocuidado vira exaustão, e quem se esgota tentando salvar o outro, na verdade, se perde de si mesmo.

Cuidar exige conhecer os próprios limites, saber até onde você pode ir antes de não conseguir voltar. É como dirigir um carro: se você não sabe quando reabastecer, acaba parado no meio do caminho. E, quando o caminho é o da morte, o combustível é presença verdadeira – não performance.

Morrer não é falhar. É a conclusão inevitável da jornada humana. O que faz a diferença é como caminhamos até lá – e quem escolhe estar conosco. Ao lado da morte, só cabe quem tem a valentia de estar vivo.

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