Dá para ser autossuficiente e viver “fora do sistema”?
Com custos de vida cada vez mais elevados, será que dá para viver por conta própria, em um "lugarzinho no meio do nada, com sabor de chocolate e cheiro de terra molhada"?
Com custos de vida cada vez mais elevados, será que dá para viver por conta própria, em um “lugarzinho no meio do nada, com sabor de chocolate e cheiro de terra molhada”? Andrea Janér nos apresenta o estilo de vida “off the grid”, de pessoas que vivem “fora do sistema”.
Viver no isolamento de tudo e de todos sempre fez parte do imaginário humano. À medida que o progresso nos engole e atropela com novas obrigações e compromissos, uma parte de nós começa a idealizar uma vida diferente de tudo que nos cerca.
Imaginamos uma vida em uma cabana, no meio da natureza, vivendo em regime de subsistência, sem os luxos e comodidades da vida moderna, mas com tempo, autonomia e paz. Será que isso é possível?
E se eu contar a você que tem muita gente jogando tudo para o alto e transformando em realidade o que sempre nos pareceu uma fantasia?
Os eremitas contemporâneos
Neste texto, não estou me referindo àqueles que, no auge da pandemia, se mudaram para suas casas no interior ou no litoral. Este movimento migratório, bem documentado durante os anos 2020 e 2021, foi um experimento forçado pelo isolamento social que nos foi imposto, e que agora, que os escritórios começam a reabrir e a vida começa a voltar ao normal, terá sua prova de fogo.
Estou falando dos eremitas contemporâneos, que escolheram viver off-the-grid, ou “fora do sistema”, em tradução livre.
São pessoas que, em sua maioria, se cansaram da vida nas grandes cidades, valorizam um estilo de vida mais saudável, estão conectadas com a sustentabilidade do planeta, e cultivam um espírito aventureiro e, por que não, rebelde (no melhor sentido).
Há casos de pessoas que levam esse estilo de vida ao extremo, e acabam vivendo praticamente à margem do estado. Existem famílias que optam por educar seus filhos em casa, para que não precisem sequer frequentar uma escola. Vivem do que cultivam, fazem pequenos trabalhos para os vizinhos, e levam uma rotina quase inimaginável para os dias de hoje, em que a conexão à internet é como o ar que respiramos.
LEIA TAMBÉM: Aprendendo a ficar bem na própria companhia
Controle de recursos e autossuficiência
Viver fora do sistema significa produzir sua própria energia e garantir sua própria água. Escapismo? Talvez. Desilusão? Em grande parte. Muita gente vai buscar neste tipo de moradia uma sensação de controle e autossuficiência que há muito nos foi tirada, principalmente pela onipresença da tecnologia e pelos apelos do consumismo.
Mas não é de agora o desejo por uma vida apartada da sociedade. De acordo com Melinda Mills, professora de sociologia na Universidade de Oxford, movimentos semelhantes a este que estamos vivendo aconteceram depois da gripe espanhola em 1918 e da explosão da H1N1 em 2009.
O “pai” da vida fora do sistema foi o escritor americano Henry David Thoreau, ensaísta, poeta e filósofo, considerado um dos primeiros naturalistas de que se tem notícia. Um líder transcendentalista, ele é mais conhecido por seu livro Walden, uma reflexão sobre a vida simples em ambientes naturais, e seu ensaio “Desobediência Civil”, um argumento para a desafiar um estado injusto.
Durante a pandemia, Thoreau foi citado em muitos artigos e estudos sobre a verdadeira essência humana, e seu experimento contemplativo de viver isolado em uma cabana voltou a inspirar pessoas inquietas e questionadoras sobre nosso papel no mundo.
SAIBA MAIS: Slow living e o nosso papel no mundo
No caso da pandemia, os dois anos que passamos reclusos nos fizeram valorizar não só a liberdade de ir e vir, mas também o espaço físico.
Coisas simples como ver o horizonte, respirar ar puro, ter um pedacinho de céu para tomar sol fizeram muita gente trocar metros quadrados caríssimos em grandes cidades por casas singelas com com um mero quintal.
Mudanças no mercado de trabalho
Alguns encaram essa escolha como um sabático sem data para terminar. Hoje, com as mudanças que estão acontecendo no mercado de trabalho, já conseguimos fazer as pazes com a realidade de uma vida não-linear, que pode ser marcada por fases de grande crescimento profissional, alternadas com períodos de desaceleração e até mesmo pausas.
Assim, viver fora do sistema pode ser encarado como um momento de regeneração, para nos ajudar a reconectar com nossa essência entre os altos e baixos da carreira.
Adeptos deste estilo de vida relatam que viver fora do sistema nos conecta com nossa insignificância diante do planeta. Imersos na natureza, respeitando o ritmo do dia e da noite, expostos aos fenômenos do clima sem a (falsa) sensação de proteção que as cidades nos proporcionam, é um exercício de humildade, que nos torna conscientes de que quase nada está sob nosso controle.
Por outro lado, é esse mesmo sentimento de impotência que nos força a ser resilientes: com recursos limitados, somos obrigados a ser criativos na resolução de problemas, habilidosos na execução e vigilantes na antecipação de riscos. Quem vive fora da rede se sente quase sempre autossuficiente.
Leia todos os textos da coluna de Andrea Janér em Vida Simples.
ANDREA JANÉR (@andrea.janer) é empreendedora e apaixonada pela conexão entre inovação, conteúdo e educação. Acredita que repertório é a chave que muda o mindset das pessoas. Tem um olhar particular para a curadoria de tendências e vem ajudando pessoas e empresas a se engajarem nos grandes temas que vão impactar o mundo por meio da Oxygen (@oxygen.brasil), uma plataforma de conteúdo em inovação que oferece aulas, encontros online, sessões de debates e viagens.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login